Correio da Cidadania

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Para muitas pessoas, os projetos de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) pretendem salvar florestas. Na realidade, no entanto, o REDD+ nunca teve a ver com a proteção de florestas. E também o REDD+ não é mais exatamente sobre projetos, mas sim sobre programas que abrangem regiões ou províncias inteiras dentro de um país, embora muitos projetos específicos continuem existindo e causando danos a povos indígenas e comunidades que dependem de florestas ao restringir suas práticas tradicionais de uso da floresta (1).
 
A ideia do REDD+ tem suas raízes nas negociações climáticas da ONU. O mecanismo foi negociado como uma ferramenta que permitiria a empresas e países industrializados continuar queimando petróleo, carvão e gás natural enquanto afirmavam que as emissões causadas não prejudicam o clima.

Segundo seus defensores, o REDD+ proporcionaria uma compensação barata pela liberação dessas emissões na atmosfera e geraria dinheiro para financiar a proteção das florestas. As empresas dos países industrializados poderiam queimar carbono fóssil em seus próprios países (ou seja, o carbono armazenado no subsolo por milhões de anos) e pagar alguém em um país de floresta tropical para, em troca, manter algumas árvores em pé como se fosse uma reserva de carbono (2).
 
A verdade é que o dinheiro, por si só, não detém o desmatamento, o REDD+ não está servindo para enfrentar as causas reais do desmatamento em grande escala e o dinheiro do setor privado não está vindo de forma alguma. Os defensores do REDD+, que o anunciaram como uma solução com três vantagens (compensação barata pela queima de combustível fóssil, mais dinheiro para conservar florestas e apoiar comunidades que vivem dentro e fora delas, e contribuição para a proteção climática que pode ser feita imediatamente, enquanto se desenvolve tecnologia para não mais usar combustíveis fósseis), também tiveram de reconhecer, contra a sua vontade, que conter o desmatamento não é rápido, fácil nem barato. Faltam provas convincentes de que o REDD+ tenha tido qualquer impacto sobre o desmatamento, apesar das afirmações em contrário.
 
Outra motivação por trás do REDD+ é a intenção dos países industrializados de evitar pagar a conta pela proteção das florestas tropicais, embora continue havendo uma chamada dívida de “desenvolvimento”. Esses países estão fazendo-o, transformando cada vez mais os subsídios da “ajuda ao desenvolvimento” em empréstimos e parcerias público-privadas nos quais o papel principal do dinheiro público é amortecer o risco para os investimentos de capital privado nos chamados países em desenvolvimento (3). Dois relatórios encomendados pelo governo do Reino Unido – o Stern, de 2006, e o Eliasch, de 2008 – ajudaram os governos a afirmar que “o capital privado é necessário para salvar florestas tropicais porque o dinheiro público não será suficiente” para cobrir o suposto custo de reduzir o desmatamento. Esses dois relatórios estabeleceram a alegação infundada de que reduzir as emissões do desmatamento é algo barato, rápido e fácil.
 
Para organizações internacionais de conservação das florestas e o Banco Mundial, o REDD+ também é uma ferramenta para expandir seu modelo de conservação florestal de “parques sem pessoas” e garante financiamento empresarial e público para os projetos de conservação e os orçamentos dessas organizações. ONGs e consultores de conservação com sede em países industrializados provavelmente receberam a maior parte do dinheiro público gasto no REDD+ nos últimos dez anos. Embora esses grupos reivindiquem que estão promovendo projetos de “REDD+ participativos” e “REDD+ comunitário”, a ideia do REDD+ não se originou das comunidades, nem é adequada para fazer frente às necessidades e ameaças enfrentadas pelas comunidades que dependem da floresta, como a experiência demonstrou claramente nos últimos dez anos (4). Os críticos do REDD+, incluindo o WRM, discutiram muitas vezes essas visões equivocadas e motivações ocultas por trás do mecanismo.
 
Ainda não se tem tantos estudos sobre a mudança no REDD+, que está deixando de ter a forma de projetos específicos porque está se transformando em programas que abrangem regiões ou províncias inteiras em um mesmo país. Espera-se que esses novos tipos de iniciativas de REDD+ abranjam países inteiros. Muitas vezes, elas são chamadas de “REDD+ jurisdicional” porque serão implementadas não apenas na terra atribuída a projetos específicos, mas em toda uma jurisdição, como um departamento, uma província, um estado ou um país. Este artigo analisa o que está motivando a transformação dos projetos em “REDD+” jurisdicional.
 
O que é “REDD+ jurisdicional”?
 
Como o REDD+ está vinculado às negociações climáticas da ONU, são elas também que determinam a forma que ele irá assumir. As iniciativas de REDD+ que querem vender seus créditos ao mercado de carbono da ONU precisarão cumprir as regras do acordo climático da organização. Na realidade, programas-piloto, como o Fundo de Parceria para o Carbono Florestal, do Banco Mundial, e projetos de REDD+ do setor privado que já vendem créditos a empresas no chamado mercado voluntário de carbono também têm uma grande influência sobre essas regras. Lobistas do Banco Mundial e ONGs de conservação participam das reuniões climáticas da ONU e se reúnem com membros de governos que decidem sobre as regras da ONU para o REDD+.
 
A partir de 2005, o Banco Mundial, grupos internacionais de conservação e empresas privadas começaram a implementar projetos de REDD+ que seriam compatíveis com um sistema semelhante ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto: projetos específicos ou grupos de projetos em países do Sul global que não têm metas obrigatórias para redução de emissões venderiam créditos de carbono a empresas e países industrializados que possuíssem limites obrigatórios. Mas o Acordo de Paris de 2015, da ONU, revelou-se muito diferente do Protocolo de Kyoto (veja, também, o Boletim 228 do WRM, de janeiro de 2017).

Nos termos do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, todos os países têm metas de emissão voluntárias e apresentarão o seu balanço nacional de gases do efeito estufa na convenção climática da ONU. Tais balanços mostrarão até que ponto cada país avançou em atingir a meta que definiu para si. Nenhuma dessas metas do Acordo de Paris é obrigatória (5).
 
Mas, para funcionar, os mercados de carbono precisam de metas obrigatórias ou algum tipo de pressão que limite as emissões. O pressuposto de que o REDD+ poderia atrair financiamento do setor privado se os projetos pudessem vender créditos em um mercado global de carbono não funcionará mais. Os limites criam a demanda e, portanto, sem limites obrigatórios, não haverá demanda por créditos de REDD+ de um mercado de carbono da ONU.
 
Além disso, a maioria dos países com florestas tropicais no Sul global incluiu reduções das emissões geradas pelo desmatamento em seus compromissos nacionais dentro do Acordo de Paris. Dessa forma, eles terão que calcular o número de emissões de gases de efeito estufa que estão ocorrendo em seu país e apresentar esses números em um balanço nacional. A maioria dos países tropicais decidiu incluir as emissões resultantes do desmatamento e da degradação florestal na contabilidade nacional. E eles terão de apresentar suas “contas de carbono” nacionais à ONU para demonstrar seu avanço em direção ao objetivo de redução que estabeleceram (na linguagem climática da ONU, esses objetivos são chamados de contribuições determinadas em nível nacional – NDCs, na sigla em inglês).
 
A partir de 2020, quando o Acordo de Paris entrar em vigor, cada crédito de carbono vendido por um projeto de REDD localizado em um país que também inclua (carbono armazenado em) florestas em seu balanço nacional terá que ser deduzido do balanço nacional. Se o crédito vendido pelo projeto não for deduzido do balanço nacional, acontecerá o que, na linguagem climática da ONU, é chamado de “contabilização dupla”, porque o comprador do crédito de carbono também alegará uma redução em seu próprio balanço – afinal de contas, foi por essa razão que ele comprou o crédito de REDD+. Isso significa que as emissões ficarão mais baixas no papel do que na realidade, o que, por sua vez, aumentará o risco de mudanças climáticas perigosas.
 
A contabilização dupla terá muitas probabilidades de acontecer dentro do Acordo de Paris se os projetos privados de REDD+ continuarem a vender créditos de carbono (6). Até um relatório da Gold Standard, uma empresa que certifica créditos de carbono, alertou recentemente sobre esse risco (7). A confusão criada pela continuação da venda de créditos de carbono de REDD+ por projetos privados nessas circunstâncias já pode ser vista no estado brasileiro do Acre. Ali, o governo alemão está financiando um programa de “REDD+ jurisdicional” chamado “REDD Early Movers” (8).
 
O programa do governo alemão pagou um total de 25 milhões de euros entre 2012 e 2016 para que o governo do Acre apresentasse documentos mostrando que as emissões geradas pelo desmatamento ficaram abaixo de um nível acordado no contrato de REDD entre os dois governos. Esse nível foi muito generoso, e não exigiu reduções de emissões além das já alcançadas em anos anteriores, porque o cálculo incluiu os anos de desmatamento elevado de 2003 a 2005. As medidas de aplicação da lei pelo Estado brasileiro já haviam levado a uma redução acentuada dos índices de desmatamento nos anos seguintes. Pode-se argumentar que o governo alemão estava pagando o Acre pelas reduções de emissões alcançadas no passado através de medidas diferentes do REDD+ ou que a Alemanha pagava o estado para manter o estoque de carbono florestal, um conceito que havia sido rejeitado como inaplicável durante os primeiros anos das negociações da ONU sobre REDD+.
 
O estado do Acre pode usar o dinheiro para qualquer atividade que considere necessária para reduzir o desmatamento. Um olhar mais atento sobre onde o governo estadual decidiu gastar o dinheiro revela, entre outras coisas, que muito foi gasto em relatórios e estudos de consultoria e muito pouco chegou às comunidades, o que é semelhante a muitos dos problemas ocorridos com o REDD+ amplamente documentados em outros lugares.
 
O que o REDD Early Movers no Acre nos diz sobre o “REDD jurisdicional”?
 
Observando o programa “REDD Early Movers”, também se identificam as contradições que surgem quando os programas de “REDD jurisdicional” tentam integrar projetos de REDD+ do setor privado que já estão vendendo créditos no mercado voluntário de carbono. No Acre, existem pelo menos três desses projetos de REDD+: Purus, Valparaíso e Envira. O balanço de carbono elaborado pelo governo do estado para o programa “REDD Early Movers”, conjunto com a Alemanha, deduz 10% das reduções de emissões do estado do balanço para responder pelos créditos de carbono vendidos por esses três projetos. O projeto Purus, por exemplo, vendeu créditos à FIFA para compensar parte das emissões da Copa do Mundo de Futebol de 2014.

A soma dos números, no entanto, mostra que esses três projetos estão reivindicando muito mais do que os 10% deduzidos no balanço de carbono do estado. Isso significa que é possível, se não provável, que algumas reduções (se é que elas sequer aconteceram) estejam sendo contadas duas vezes: pelo projeto privado de REDD+ que está vendendo os créditos de carbono, como no caso da FIFA, e pelo estado do Acre em seu balanço de carbono. A partir de 2020, esse risco surgirá em muitos outros países. É particularmente provável que essas situações ocorram em países como Peru, Quênia ou República Democrática do Congo (RDC) (9), com vários ou grandes projetos privados de REDD+ já vendendo créditos de carbono e onde as empresas que executam esses projetos estão envolvidas na elaboração de programas de “REDD+ jurisdicional”.
 
Como mostra o exemplo do Acre, os impactos dos programas de “REDD jurisdicional” sobre as comunidades podem muito bem ser os mesmos causados por projetos individuais de REDD+: fazer com que elas sejam as primeiras a enfrentar restrições às práticas tradicionais de uso florestal e as últimas a receber as compensações ou os “benefícios” significativos que o REDD+ supostamente geraria para comunidades que dependem da floresta.
 
 
1) REDD significa Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. Veja a publicação Coleção de conflitos, contradições e mentiras do REDD+, do WRM, para exemplos de várias maneiras pelas quais os projetos de REDD+ são prejudiciais às comunidades que dependem da floresta.

2) Veja “What do forests have to do with climate change, carbon markets and REDD?

3) Veja, também, o livro Licensed Larceny, de Nick Hildyard.

4) How REDD projects undermine peasant farming. Relatório de GRAIN e WRM.

5) Também pode ser importante observar que o total dessas reduções com as quais os países se comprometeram é muito baixo para evitar aumentos de temperatura globais de menos de 2oC: Estados Unidos, União Europeia, China e Índia já ocupariam todo o chamado orçamento de carbono do carbono fóssil que ainda pode ser liberado até 2050 para garantir uma possibilidade de 50% de que as temperaturas aumentem não mais de 2 graus. Além disso, boa parte das emissões da China resulta da produção de mercadorias exportadas para os EUA e UE. http://www.globalcarbonproject.org/carbonbudget/16/files/GCP_CarbonBudget_2016.pdf

6) Who takes the credit? Relatório da FERN e Third World Network.

7) A New Paradigm for Voluntary Climate Action: Reduce Within, Finance Beyond. Relatório da Gold Standard.

8) Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violações de direitos no estado do Acre. Plataforma Dhesca Brasil.

9) Rainforest Foundation UK: Logging in Congo’s rainforests: A ‘carbon bomb’ about to be primed by the Government of Norway?
 
Jutta Kill é do Secretariado Internacional do Movimento Mundial de Proteção das Florestas Tropicais (WRM)
Fonte: Boletim do WRM, 231, (jun 2017)
 

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