Retrocesso Brasil: a arte em risco
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- Frei Betto
- 11/10/2017
Qual o limite da expressão artística? A pergunta volta à baila após a repressão à liberdade de manifestação estética promovida pelo MBL (Movimento Brasil Livre) no Santander Cultural, em Porto Alegre, com desdobramentos em outros museus do país.
A arte é transgressora por natureza. Faz-nos pensar. É o espelho que reflete o nosso inconsciente. Narciso pode quebrá-lo por se achar feio. A feiura, contudo, não está no espelho...
A arte molda a nossa sensibilidade. Diz respeito à emoção. Quando a ela se sobrepõe a razão, em especial a razão cínica, que a sufoca com interesses políticos e moralismo religioso, perde a nossa humanidade e emerge a brutalidade.
As tragédias gregas nos legaram a arte teatral e são referência básica da psicanálise. Por retratarem incestos, feminicídios e homossexualidade, devem ser proibidas nas escolas e queimadas em praça pública?
A cerâmica Oinoche, da Grécia (430-420 a.C.), com suas figuras eróticas, deve ser destruída em nome dos bons costumes? Devemos apagar as pinturas rupestres e as esculturas paleolíticas da civilização Moche, que habitou o norte do Peru entre 100 a.C. e o ano 800?
As joias em ouro e prata e cerâmicas pré-colombianas, nas quais cenas de sexo foram estilizadas, hoje espalhadas pelos museus da América Latina, devem ser lançadas ao fogo?
E as vulvas estilizadas do gótico e das colunas do Palácio da Alvorada, derrubadas a marretadas?
Michelangelo pintou nus em o “Juízo Final”, na Capela Sistina. A hipocrisia da Inquisição obrigou o pintor Daniel de Volterra a cobrir todos eles. Felizmente o papa João Paulo II mandou restaurar a arte original.
Frei Betto
Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o prêmio Jabuti (1982, com "Batismo de Sangue", e 2005, com "Típicos Tipos")