Correio da Cidadania

Deir Yassin, Palestina

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Em 9 de abril, porém de 1948, tinha início, com o banho de sangue no pequeno povoado palestino de Deir Yassin, a hoje bastante documentada limpeza étnica da Palestina. São 70 anos ininterruptos de assassinatos, seletivos ou em massa, prisões, torturas, expulsões, demolições de casas e destruições de negócios, cercos e bloqueios, tudo milimetricamente planejado com vistas à expulsão integral dos palestinos de toda a Palestina e o alojamento, em seu lugar, dos estrangeiros de fé judaica e a edificação de um Estado, o de Israel.

A chacina genocida teve início na madrugada do dia 9 de abril de 1948, quando 120 terroristas estrangeiros de fé judaica invadiram Deir Yassin, pequeno povoado de camponeses situado a poucos quilômetros a oeste de Jerusalém. Foi o primeiro povoado palestino a enfrentar a fúria sionista, pela qual foi implementada a limpeza étnica pela matança e como instrumento de pavor a ser disseminado entre o restante da Palestina, tendo por objetivo a facilitação da tarefa por meio da fuga em massa.

Afinal, a Palestina não tinha exército ou força guerrilheira, bem como sua população era, do ponto de vista bélico, amplamente desarmada, jamais podendo enfrentar esquadrões terroristas judaicos fortemente armados e determinados a matar todos e tudo que vissem à frente, sob ordens expressas de seus mais altos comandantes, todos depois tornados presidentes, primeiros-ministros, ministros, comandantes das forças armadas de ocupação.

Os números são imprecisos, mas às 11 da manhã deste dia o povoado estava todo tomado e perto de 300 pessoas mortas, na maior parte mulheres e crianças. Os homens estavam no campo e, avisados, empreenderam fuga. Perto de 250 sobreviventes foram levados em caminhões até Jerusalém, local onde parte ficou e outra foi levada até Telavive, hoje a capital do ente estatal sionista denominado Israel, e mostradas ao público em desfile pelas ruas da cidade.

Também cabeças arrancadas de dezenas de assassinados foram exibidas neste desfile. E mais: suas fotos foram estampadas em panfletos distribuídas pelos terroristas judeus por toda a Palestina, a chacina foi comunicada em massa por meio de serviços de alto falantes volantes e por transmissões radiofônicas. Tinha início o que era prometido desde muito antes, mas jamais acreditado pelos palestinos: a limpeza étnica, ou a solução final para a Palestina, lugar autorreservado aos invasores.

Em seguida, perto de 500 localidades palestinas, entre cidades, aldeias, vilas e bairros foram dizimados, com suas populações expulsas ou mortas, culminando com a autoproclamação do Estado denominado de Israel, em 5 de maio de 1948, ao arrepio da legalidade internacional, fora até mesmo das regras injustas da chamada Resolução da Partilha da Palestina, a 181, de 29 de novembro de 1947, que nem mesmo chegava a criar qualquer ente estatal, posto que apenas recomendava uma partilha e as criações futuras de dois Estados, portanto, o Palestino também.

Foi com a chacina de Deir Yassin que os sionistas deram início a um dos seus quatro planos para a Palestina, o D (ou Dalet, como fora denominado no hebraico por seus elaboradores e executores), que consistia, conforme palavras de David Ben-Gurion, primeiro presidente de Israel, em sua biografia, na desestabilização da Palestina pela limpeza étnica. “Eu sou pela transferência compulsória. Não vejo nada de imoral nisso”, disse.

Era, na verdade, o cumprimento da promessa feita pelo movimento nacional judaico, quando nascido na Europa, resumido na frase “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. Se a terra era povoada, com densidade populacional superior à da maioria dos estados europeus de então, é mais do que evidente que isto não era um diagnóstico, mas uma promessa, um projeto a ser executado. Ou seja: a Palestina tinha povo mas seria feita sem povo.

Em suma, é a partir de Deir Yassin que se consuma a expulsão de mais de 60% da população palestina de então e a tomada pela força de 78% de seu território originário e histórico. Considerando apenas os 78% da terra tomada e na qual Israel se autoproclamou Estado, as mortes e expulsões ultrapassaram os 80% da população palestina originária. E é disto que resultam os perto de 6 milhões de refugiados atuais, constituindo perto de 10% dos perto de 70 milhões de refugiados no mundo, mesmo a Palestina sendo apenas 0,18% da população mundial.

A limpeza étnica no Oriente Médio hoje e a “solução final”

Apenas recordar de Deir Yassin não é o suficiente. É preciso, à luz deste primeiro massacre e do que a ele seguiu, encontrar os elementos que nos informem de um modelo, de um precedente em curso hoje em todo o Oriente Médio, especialmente nos países limítrofes à Palestina, notadamente aqueles do chamado Levante, em que reside a maior parte dos refugiados expulsos em 1948 e 1967.

Nossa situação enquanto palestinos, seja na pátria mãe, seja nas diásporas, seja nos países vizinhos nos quais vivemos como refugiados (e não apenas em termos técnicos, isto é, sob o estatuto consoante ao direito internacional, mas também na prática) é, talvez, a mais grave da história. Digo isso não fazendo comparações que levem à minimização, por exemplo, da nossa catástrofe em 1948 (de finais de 1947 a início de 49), mas considerando que o momento atual é de definições quanto ao triunfo final do anglossionismo em escala global e, de consequência, da realização de uma espécie do Tratado de Sykes-Picot 2, isto é, a consecução do que se convenciona chamar GRANDE ISRAEL.

As atuais guerras promovidas a partir de fora no chamado Levante (Iraque, Síria e Líbano sendo testado ao máximo para ser arrastado ao caos), área principal e, em princípio, primeira de realização deste projeto, são evidência mais que solar disto e os palestinos aí residentes são suas primeiras vítimas.

É que, resumidamente falando, acabamos sendo, ainda que numericamente pouco significativos, os entraves à plena realização dos planos de antes do término da 1ª Guerra “Mundial”, e mesmo de antes da sua eclosão, já que a infiltração francesa e britânica na região, mais visível no Egito e norte da África, mas também no Irã, remonta à segunda metade do século 19.

Acabamos reagindo ao mandato britânico desde seu início, reclamando que a independência deveria ser concedida a todos os povos árabes, conforme acordado na correspondência Hussein/MacMahon, que se estendeu de meados de 1915 aos primeiros meses de 1916, que equivalem a um tratado, por isso a afirmada traição a ele do chamado acordo secreto de Sykes-Picot.

E, mais uma vez resumidamente, não aceitamos a recomendação da partilha (importante: recomendação foi o que a Resolução 181 da ONU deliberou, inclusive passível de alterações conforme o relatório que levava à mesma ONU seu enviado especial, Conde Folke Bernadote, assassinado pelos judeu-fascistas justamente por isso), bem como reagimos à autoproclamação (mais uma vez: não houve “criação” de um Estado pela ONU, mas autoproclamação, unilateralidade sionista, baseada em seus primados de limpeza étnica lançados ainda na Europa pelo menos 70 ou 80 anos antes) de Israel, depois o início de uma resistência, depois a tomada dela em nossas mãos (OLP, a partir da chegada de Yasser Arafat à sua presidência, já na metade dos 1960).

Em seguida a talvez mais emblemática batalha da resistência palestina contra Israel (Batalha de Al Karama, em 21 de março de 1968, isto é, há exatos 50 anos), à qual se seguiu o massacre desta resistência e sua realocação para o Líbano, a invasão deste país (aprofundamento da mesma para além dos limites do Rio Litani) em 1982 etc. Chegamos até os dias de hoje sem termos permitido que a máxima de Ben Gurion, feita famosa na dicção da assassina Golda Meir, segundo a qual “seus pais morrerão e eles (os filhos) esquecerão”, se realizasse.

Enfim, nos tornamos o maior problema imediato à implementação do sonho sionista de ter um território que tivesse limites do Egito (tomando o Sinai e quase toda a margem oriental do Nilo, até perto da fronteira com o Sudão, senão mesmo até esta fronteira) à Turquia (tomando de 1/3 a perto de ¾, a depender de qual dos três mapas possíveis será implementado, dois dos quais são pouquíssimo conhecidos), passando pelo Líbano (tomada integral), Jordânia (tomada integral), Síria e Iraque (tomadas quase integrais), Arábia Saudita (perde perto de 20%), Kuwait (perde pequena fração). E, mais, ficamos, enquanto refugiados, literalmente cercando o ente estatal sionista, a partir do Líbano, da Jordânia, do Egito (Gaza), e da Síria, além das nossas presenças no Iraque e noutros países da região, sem nunca abandonarmos nossas condições de palestinos, estatutariamente refugiados ou não. Em outras palavras: permanecemos como a Espada de Dâmocles atual frente a Israel, ou seja, conclamando e dando concretude real ao Direito de Retorno, o verdadeiro e maior pesadelo israelense e sionista.

Novas partilhas

Isso sem considerar o cerco “interno”, considerando os palestinos que seguem em sua terra milenarmente ancestral. São hoje 5.031.716 entre Gaza e Cisjordânia. Destes, perto de 2 milhões em Gaza, de acordo com informação da France Press, mas é mais provável que esteja na casa do 1,8 milhão. Outros 1,7 milhão (aproximadamente), talvez mais, vivem na Palestina tomada em 1948 e tornada Israel. Ou seja: na Palestina histórica vivem, hoje, perto de 7 milhões de palestinos, nas condições ou de ocupados ou de cidadãos de segunda classe, ou, ainda, de quinta, sexta classe, já que há classes (de 4 a 5, a depender da interpretação) entre os judeus e aos palestinos não caberia senão uma classe abaixo da última entre os próprios judeus.

Somos levados a duas máximas para a Palestina atual: a de que Israel é o maior gueto da história e a Palestina o maior campo de concentração, idealizado e construído por aqueles que reclamam os crimes europeus em solo europeu.

Essa problemática, de construção do Grande Israel, precisa, na ótica sionista, de uma nova limpeza étnica, desta vez atingindo os palestinos refugiados nos países que os alojam. Seus campos de refugiados precisam ser dizimados, seus moradores espalhados pelo mundo e assim mantidos até que percam a condição de refugiados, isto se dando, num primeiro momento, com as estabilizações destes nos países longínquos para onde foram (Brasil, por exemplo), e num segundo momento com a perda da condição estatutária de refugiados, o que lhes retirará tanto o Direito de Retorno quanto o concomitante direito a compensações econômicas e morais.

À luz disso podemos lançar luzes para a melhor compreensão do que se dá no Iraque, com mais intensidade a partir de 2003, quando os palestinos estiveram entre os grupos mais afetados. Fomos cassados, mortos, expulsos. Nossos principais intelectuais e cientistas neste país eram misteriosamente assassinados por franco-atiradores, explosões e pelas vias de outros “incidentes”, o que os levou à fuga, de um lado, e à expulsão por outra (parte veio para o Brasil em 2007).

Podemos dizer que isto foi iniciado no Líbano, com ênfase para 1982, isto é, os banhos de sangue nos campos de Sabra e Chatila. Foi no Líbano, também, que tivemos o início de um novo experimento, o de Naher el Bared, quanto lá apareceu um grupo autoproclamado Fateh Al Islam. Era a senha para o que estavam planejando para todos os demais campos de refugiados, hoje em dia visível, embora sem que haja uma discussão pública mais aprofundada a respeito, na Síria. Aí vemos o que se deu com Yarmouk, eventos que dispensam maiores comentários. Suas consequências são a dizimação e a dispersão destes refugiados.

Importante notar que tanto em Sabra e Chatila quanto agora na Síria, Yarmouk em especial, se aplica o mesmo modelo da limpeza étnica na Palestina, décadas antes: máxima barbárie nas execuções, máxima divulgação destas e, de consequência, máximo pavor e fuga daí decorrente. Em seguida se destrói tudo, se coloca outra gente no lugar, se impede o retorno. Na Síria, por exemplo, as execuções têm barbárie aterradora, divulgada ao máximo pelas redes sociais, bem como maximizada pelos grandes veículos ocidentais; dá-se a fuga e estrangeiros supostamente “islâmicos” se instalam em seus lugares.

Outro detalhe curioso: tal qual em Sabra e Chatila, as matanças não são protagonizadas diretamente pelos israelenses, mas por agentes outros. No Líbano foram falangistas autoproclamados “cristãos”, identificados como os remanescentes do fascismo neste país, e na Síria são forças ultrafanáticas autoproclamadas “islâmicas”, em boa medida estrangeiras.

E o que vemos é a expansão de Israel, conforme seu projeto originário, realizando no caminho a limpeza étnica dos indesejados (porque perigosos e mantidos em sua palestinidade). Há muitos agentes colaborando com o anglossionismo neste processo, tanto da região quanto de fora dela. Os da região, eles mesmos filhos de Sykes-Picot tanto quanto Israel, deram a senha para a realização da limpeza étnica dos palestinos no Iraque, na Síria, no Líbano, bem como graças à luz da verdade destes mesmos o experimento de ocupação à distância se realiza sem oposição em Gaza.

Aliás, o cerco a Gaza não é para que os palestinos não saiam (impedimento do livre ir e vir), mas para que saiam, após a exaustão da vida pré-histórica que está sendo imposta, sem retorno, dadas as condições de inabitabilidade à que a faixa está sendo levada e, claro, à normalização que estes autoexilados encontrarão nos país que os acolherem. Para que o segundo elemento desta equação se concretize, isto é, o não retorno pela normalização em países distantes, Gaza precisa seguir sob cerco e asfixia. E, obviamente, o seguimento deste quadro leva a mais e mais autoexílios, cada vez mais frequentes, tamanho o desespero desta população, especialmente a jovem.

Os agentes regionais agem em favor de seus interesses, já que eles mesmos são, em boa medida, parte integrante do anglossionismo, de que Israel igualmente é. E nós, os palestinos, atrapalhamos a consecução destes interesses, desta realização de planos. Importante destacar que são exatamente estes agentes regionais os que financiam a reconfiguração do Oriente Médio em benefício do Grande Israel. E são estes agentes, justamente, as criações mais aberrantes de Sykes-Picot e que, coincidentemente, não têm perdas territoriais para este projeto expansionista (Kuwait tem perda mínima, e pode resolvê-la, e Arábia Saudita constrói posição dominante que lhe permita ser player; ao contrário de perder, ganhar território, notadamente do que restar do Grande Israel, ao que tudo indica abocanhando partes de Síria e Iraque e, quem sabe, engolindo de golfada o pequeno Catar, agora tornado um concorrente anglossionista).

E, mais uma vez não por mera coincidência, são estas as petromonarquias que, com seus dinheiros e influência no Oriente Médio atual e em frangalhos, estimulam as divisões entre nós palestinos, tanto como povo como forças da resistência, já que as resistências contam com mais de uma facção (no mínimo), cada uma alojada em algumas das capitais destas petromonarquias. Seus objetivos são claros e neles não há sequer um mapa reduzido da Palestina.

Unidade

Por fim (para esta primeira parte da reflexão), há o papel da Turquia, que responde com política de expansão frente a Sykes-Picot 2. Bom lembrar que a Turquia foi o primeiro país de maioria muçulmana a reconhecer Israel, em março de 1949, antes mesmo de seu ingresso formal na ONU, em 11 de maio de 1949, única admissão de Estado membro sob cláusula condicionante, a de cumprimento e implementação da Resolução 194, que determina o direito ao retorno dos refugiados e compensações, vale dizer, que impõem a Israel desfazer a limpeza aqui denunciada.

A Resolução nunca foi respeitada, mas, ao contrário, Israel deu seguimento às expulsões, às novas anexações pela força, a toda sorte de atos e legislações privativas de direitos, terras, recursos e movimentos aos palestinos, fazendo do ente estatal sionista absolutamente ilegal sob esta ótica.

Diante disso, cumpre aos palestinos muita responsabilidade nestes dias, lá e cá. Nós, desta diáspora palestina brasileira, temos duas responsabilidades das quais não podemos fugir. Primeiro, não aceitar que este jogo das petromonarquias e de outros agentes coloque sua cunha em nosso meio para, com isso, reproduzirmos a política fratricida hoje reinante na Palestina e ainda não superada pela almejada unidade, ou governo de união nacional.

Segundo: temos de produzir outro tipo de palestinidade e, por meio dela e de seu exemplo, auxiliar a que nossos irmãos encontrem um caminho de unidade fraternal na pátria mãe, a Palestina, toda ela. Se este for nosso compromisso, estamos no melhor caminho. Se não for, a palestinidade corre sério risco, cá e lá, como mostra a queda de Jerusalém como capital dos dois delineados Estados (ao menos formalmente) ideia hoje em construção, como se prenuncia de forma mais visível, para além da limpeza étnica que afeta aos palestinos em todo o Oriente Médio.

Estamos diante do limiar de uma solução final para a Palestina, não apenas na pátria mãe, mas em toda a região.

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Ualid Rabah é Diretor de Relações Institucionais da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil.

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