Correio da Cidadania

2018: todos ficamos a perigo

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O ano de 2018 certamente se transformou num divisor de águas no processo de desenvolvimento histórico da sociedade brasileira. Por isso é inevitável que, numa resenha a respeito do que aconteceu ao longo de seus meses, seja necessário buscar num passado mais longínquo as raízes desse salto histórico.

Apesar das diferenças é possível comparar o significado dos acontecimentos marcantes de 2018 com os de 1937 e 1964. Em 1937 houve um golpe civil de tendência fascista apoiado pelos militares; em 1964, embora ninguém o tenha caracterizado como fascista, o golpe foi realizado pelos militares com apoio civil de correntes conservadoras e reacionárias de tendência nitidamente fascista. Em 2018, embora a rigor não tenha havido golpe idêntico àqueles dois, é preciso lembrar tanto o golpe parlamentar antecipado de impedimento da presidente Dilma, em 2016, assim como a proposta abertamente fascista vencedora da eleição presidencial.

Tal proposta talvez seja mais radical do que a de 1937 e a de 1964, apesar dos remendos e desmentidos em relação a seus componentes mais abertamente truculentos e assassinos. Ela contou com o apoio de cerca de 50 milhões de brasileiros, oriundos tanto da burguesia (apenas 1% da população, ou cerca de 2 milhões de pessoas) quanto de várias frações da classe média e das classes populares. Estas últimas, profundamente descontentes com o sistema político, social e econômico vigorante e, ao mesmo tempo, ignorantes de quem são seus verdadeiros inimigos e de como substituir tal sistema.

Argumenta-se que entre os apoiadores do bolsonarismo há unidade em torno de liquidar o PT, eliminar os comunistas e simpatizantes, prender os corruptos, acabar com o ensino presencial, instituir a cura gay e materializar algumas outras pérolas fascistas. Afinal, depois que o diplomata indicado para ministro do exterior proclamou o fascismo hitlerista como “corrente de esquerda”, qualquer outra barbaridade ignorante pode ser considerada “natural”.
 
Nessas condições, o problema do bolsonarismo começa com o fato de que, fora alguns milhões de votantes no PSL que foram votantes do PT em eleições passadas, 47 milhões de brasileiros votaram novamente no PT, nos comunistas, ou em seus simpatizantes, e 37 milhões anularam seu voto ou votaram em branco. Portanto, o campo oposicionista e dos desconfiados com as propostas fascistas pode estar disperso e sem clareza quanto ao futuro, mas é bem mais amplo do que o dos iludidos com as promessas bolsonaristas.
 
Por outro lado, uma verdadeira chusma de corruptos se bandeou para a carreata fascista, a começar por um dos ministros já indicado, beneficiário de caixa 2. Portanto, embora reiterar a intenção de “limpar” o território tenha sido suficiente para a vitória no segundo turno, talvez não seja suficiente para ser implementada. De qualquer modo, é tal intenção que foi vitoriosa e coloca em tensão todas as conquistas, mesmo as apenas formais, da Constituição de 1988.
 
Por isso mesmo, para entender 2018 é necessário voltar mais uma vez no tempo. Há muito os setores financeiros, agrários, comerciais e industriais mais conservadores e reacionários da burguesia (que inclui poderosos representantes de burguesias estrangeiras implantados no Brasil) vinham reclamando que a Constituição contemplava muitos direitos e poucos deveres para as classes subalternas. Tais reclamações subiram de tom à medida que os petistas se tornaram alternativa de governo, embora não de poder, e se empenharam em melhorar a situação de vida de milhões de pobres e miseráveis, apesar de suas políticas conciliatórias com a burguesia como um todo.
 
Por outro lado, entre os petistas e outras forças populares criou-se a ilusão de que a crise econômica mundial poderia ser enfrentada principalmente com a elevação do poder de compra dos pobres e miseráveis, tornando o mercado nacional um grande atrativo para os investimentos capitalistas. Não levaram na devida conta que o lucro na produção de bens se mantinha abaixo dos juros reais praticados no mercado nacional, o que estimulava a burguesia a se tornar cada vez menos “produtora” e cada vez mais “financista” ou “rentista”.

Nem que, além de medidas macroeconômicas que invertessem a relação juros/lucros, seria necessário um direcionamento mais eficaz dos investimentos públicos através de estatais produtoras que de dedicassem ao processo produtivo e empurrassem os setores a também investir nesse processo.
 
Assim, na ausência de uma elevação geral de produtos e de ganhos, a crise começou a corroer tanto os setores burgueses pressionados pela tendência de queda de seus lucros, quanto os setores intermediários e populares não beneficiados diretamente pelas políticas públicas de transferência de rendas.

As manifestações de 2013 foram a evidência mais incisiva dessa mudança de humor não só da maior parte da classe burguesa, como também de setores consideráveis da pequena burguesia. Paralelamente a isso, esses setores passaram a jogar pesado em ações para dispersar e desmobilizar as novas gerações da classe trabalhadora e dos excluídos e minar sua apreciação das realizações dos governos petistas e do próprio PT.
 
Aproveitaram-se, principalmente, da ausência de uma estratégia petista de combate à corrupção, mesmo após os acontecimentos do “mensalão”, em 2005. Puderam, então, construir “narrativas” demolidoras de longo prazo sobre o “triplex do Guarujá” e outras pretensas “corrupções”. Essas “narrativas” foram muito mais sofisticadas do que aquela que, em 1989, acusava Lula de ser proprietário de uma “Mansão no Morumbi”.

Paralelamente, o PT não foi capaz de se mobilizar para limpar suas fileiras de penetras tipo Palocci nem de enfrentar a corrupção não só através da melhoria da legislação a respeito, mas também, e principalmente, em seu aspecto prático. O campo ficou livre para que a pretensa cruzada anticorrupção se tornasse monopolizada pela Operação Lava Jato.
 
Além disso, a tentativa de vencer a crise econômica através de um ajuste fiscal de caráter neoliberal, como projetado pelo governo Dilma, jogou no campo da oposição ao PT, ou na imobilidade política, novos setores populares e democráticos diversos. O que enfraqueceu sobremaneira a capacidade de mobilização popular para o enfrentamento do golpe do impeachment, da prisão de Lula e de seu impedimento como candidato à presidência. E estimulou setores centristas não só a se apresentarem como “esquerda democrática”, lançando candidatos presidenciais na esperança de atrair os votantes lulistas, mas também a culparem o PT pelas votações mirradas que obtiveram.
 
Nessas condições, tornou-se realidade a vitória eleitoral de um fascista. Ele não esconde suas intenções, apesar dos recuos que tem sido obrigado a realizar. Afinal, não pode espantar prematuramente muitos dos que o apoiaram supondo que realmente lutará “contra o sistema”, “contra a corrupção”, “contra o atraso”, e “pelo Brasil”. Mas, para que atenda o que dispõe a classe dominante, Bolsonaro terá realmente que se empenhar em tirar de circulação o PT, os comunistas e milhões que não são uma coisa nem outra, mas querem um Brasil independente, democrático e próspero.
 
De qualquer modo, a vitória eleitoral granjeou legitimidade e legalidade aos objetivos fascistas. Em vista disso, cometerão um grande erro todos os que supuserem que tais objetivos foram apenas propaganda eleitoral. Para ser mais preciso, é conveniente relembrar que quem venceu as eleições de 2018 foi uma vasta coligação social e política, nacional e internacional. Ela tem na cabeça quase todo o empresariado nacional, assim como o estrangeiro aqui instalado, com destaque para as frações financeira e agrária dessa burguesia. Também participa dela a classe média alta composta de pequenos e médios empresários e de empregados civis e públicos de altos salários.
 
Convém destacar que, infringindo a Constituição, não ficaram fora da coligação vencedora várias instituições estatais judiciárias, policiais e militares. E nunca é demais relembrar o que muitos comentaristas têm acentuado: tudo indica, como em vários momentos do passado, que a CIA, o famoso serviço de inteligência dos Estados Unidos, não só não ficou neutra no processo, como ajudou na divulgação intensa das fake news produzidas no exterior.
 
Nessas condições, 2018 tornou-se um ano em que todos ficamos a perigo. Os direitos democráticos, tanto os efetivos quanto os formais, constantes da Constituição de 1988, podem ser jogados no ralo. Afinal, quando um presidente eleito considera “natural” eliminar “uns 30 mil”, um governador eleito considera “juridicamente legal” um atirador de elite eliminar “bandidos armados à distância”, e um general cotado para uma pasta ministerial considera que direitos humanos são apenas para “humanos direitos”, subvertendo não só a Constituição Federal, mas também a Carta das Nações Unidas e a compreensão mundial a respeito, o alerta deve ser total. Realmente, ficamos todos a perigo.    
2018: todos ficamos a perigo

Cometerão um grande erro todos os que supuserem que os objetivos fascistas foram apenas propaganda eleitoral.

Wladimir Pomar


O ano de 2018 certamente se transformou num divisor de águas no processo de desenvolvimento histórico da sociedade brasileira. Por isso é inevitável que, numa resenha a respeito do que aconteceu ao longo de seus meses, seja necessário buscar num passado mais longínquo as raízes desse salto histórico.

Apesar das diferenças é possível comparar o significado dos acontecimentos marcantes de 2018 com os de 1937 e 1964. Em 1937 houve um golpe civil de tendência fascista apoiado pelos militares; em 1964, embora ninguém o tenha caracterizado como fascista, o golpe foi realizado pelos militares com apoio civil de correntes conservadoras e reacionárias de tendência nitidamente fascista. Em 2018, embora a rigor não tenha havido golpe idêntico àqueles dois, é preciso lembrar tanto o golpe parlamentar antecipado de impedimento da presidente Dilma, em 2016, assim como a proposta abertamente fascista vencedora da eleição presidencial.

Tal proposta talvez seja mais radical do que a de 1937 e a de 1964, apesar dos remendos e desmentidos em relação a seus componentes mais abertamente truculentos e assassinos. Ela contou com o apoio de cerca de 50 milhões de brasileiros, oriundos tanto da burguesia (apenas 1% da população, ou cerca de 2 milhões de pessoas) quanto de várias frações da classe média e das classes populares. Estas últimas, profundamente descontentes com o sistema político, social e econômico vigorante e, ao mesmo tempo, ignorantes de quem são seus verdadeiros inimigos e de como substituir tal sistema.

Argumenta-se que entre os apoiadores do bolsonarismo há unidade em torno de liquidar o PT, eliminar os comunistas e simpatizantes, prender os corruptos, acabar com o ensino presencial, instituir a cura gay e materializar algumas outras pérolas fascistas. Afinal, depois que o diplomata indicado para ministro do exterior proclamou o fascismo hitlerista como “corrente de esquerda”, qualquer outra barbaridade ignorante pode ser considerada “natural”.
 
Nessas condições, o problema do bolsonarismo começa com o fato de que, fora alguns milhões de votantes no PSL que foram votantes do PT em eleições passadas, 47 milhões de brasileiros votaram novamente no PT, nos comunistas, ou em seus simpatizantes, e 37 milhões anularam seu voto ou votaram em branco. Portanto, o campo oposicionista e dos desconfiados com as propostas fascistas pode estar disperso e sem clareza quanto ao futuro, mas é bem mais amplo do que o dos iludidos com as promessas bolsonaristas.
 
Por outro lado, uma verdadeira chusma de corruptos se bandeou para a carreata fascista, a começar por um dos ministros já indicado, beneficiário de caixa 2. Portanto, embora reiterar a intenção de “limpar” o território tenha sido suficiente para a vitória no segundo turno, talvez não seja suficiente para ser implementada. De qualquer modo, é tal intenção que foi vitoriosa e coloca em tensão todas as conquistas, mesmo as apenas formais, da Constituição de 1988.
 
Por isso mesmo, para entender 2018 é necessário voltar mais uma vez no tempo. Há muito os setores financeiros, agrários, comerciais e industriais mais conservadores e reacionários da burguesia (que inclui poderosos representantes de burguesias estrangeiras implantados no Brasil) vinham reclamando que a Constituição contemplava muitos direitos e poucos deveres para as classes subalternas. Tais reclamações subiram de tom à medida que os petistas se tornaram alternativa de governo, embora não de poder, e se empenharam em melhorar a situação de vida de milhões de pobres e miseráveis, apesar de suas políticas conciliatórias com a burguesia como um todo.
 
Por outro lado, entre os petistas e outras forças populares criou-se a ilusão de que a crise econômica mundial poderia ser enfrentada principalmente com a elevação do poder de compra dos pobres e miseráveis, tornando o mercado nacional um grande atrativo para os investimentos capitalistas. Não levaram na devida conta que o lucro na produção de bens se mantinha abaixo dos juros reais praticados no mercado nacional, o que estimulava a burguesia a se tornar cada vez menos “produtora” e cada vez mais “financista” ou “rentista”.

Nem que, além de medidas macroeconômicas que invertessem a relação juros/lucros, seria necessário um direcionamento mais eficaz dos investimentos públicos através de estatais produtoras que de dedicassem ao processo produtivo e empurrassem os setores a também investir nesse processo.
 
Assim, na ausência de uma elevação geral de produtos e de ganhos, a crise começou a corroer tanto os setores burgueses pressionados pela tendência de queda de seus lucros, quanto os setores intermediários e populares não beneficiados diretamente pelas políticas públicas de transferência de rendas.

As manifestações de 2013 foram a evidência mais incisiva dessa mudança de humor não só da maior parte da classe burguesa, como também de setores consideráveis da pequena burguesia. Paralelamente a isso, esses setores passaram a jogar pesado em ações para dispersar e desmobilizar as novas gerações da classe trabalhadora e dos excluídos e minar sua apreciação das realizações dos governos petistas e do próprio PT.
 
Aproveitaram-se, principalmente, da ausência de uma estratégia petista de combate à corrupção, mesmo após os acontecimentos do “mensalão”, em 2005. Puderam, então, construir “narrativas” demolidoras de longo prazo sobre o “triplex do Guarujá” e outras pretensas “corrupções”. Essas “narrativas” foram muito mais sofisticadas do que aquela que, em 1989, acusava Lula de ser proprietário de uma “Mansão no Morumbi”.

Paralelamente, o PT não foi capaz de se mobilizar para limpar suas fileiras de penetras tipo Palocci nem de enfrentar a corrupção não só através da melhoria da legislação a respeito, mas também, e principalmente, em seu aspecto prático. O campo ficou livre para que a pretensa cruzada anticorrupção se tornasse monopolizada pela Operação Lava Jato.
 
Além disso, a tentativa de vencer a crise econômica através de um ajuste fiscal de caráter neoliberal, como projetado pelo governo Dilma, jogou no campo da oposição ao PT, ou na imobilidade política, novos setores populares e democráticos diversos. O que enfraqueceu sobremaneira a capacidade de mobilização popular para o enfrentamento do golpe do impeachment, da prisão de Lula e de seu impedimento como candidato à presidência. E estimulou setores centristas não só a se apresentarem como “esquerda democrática”, lançando candidatos presidenciais na esperança de atrair os votantes lulistas, mas também a culparem o PT pelas votações mirradas que obtiveram.
 
Nessas condições, tornou-se realidade a vitória eleitoral de um fascista. Ele não esconde suas intenções, apesar dos recuos que tem sido obrigado a realizar. Afinal, não pode espantar prematuramente muitos dos que o apoiaram supondo que realmente lutará “contra o sistema”, “contra a corrupção”, “contra o atraso”, e “pelo Brasil”. Mas, para que atenda o que dispõe a classe dominante, Bolsonaro terá realmente que se empenhar em tirar de circulação o PT, os comunistas e milhões que não são uma coisa nem outra, mas querem um Brasil independente, democrático e próspero.
 
De qualquer modo, a vitória eleitoral granjeou legitimidade e legalidade aos objetivos fascistas. Em vista disso, cometerão um grande erro todos os que supuserem que tais objetivos foram apenas propaganda eleitoral. Para ser mais preciso, é conveniente relembrar que quem venceu as eleições de 2018 foi uma vasta coligação social e política, nacional e internacional. Ela tem na cabeça quase todo o empresariado nacional, assim como o estrangeiro aqui instalado, com destaque para as frações financeira e agrária dessa burguesia. Também participa dela a classe média alta composta de pequenos e médios empresários e de empregados civis e públicos de altos salários.
 
Convém destacar que, infringindo a Constituição, não ficaram fora da coligação vencedora várias instituições estatais judiciárias, policiais e militares. E nunca é demais relembrar o que muitos comentaristas têm acentuado: tudo indica, como em vários momentos do passado, que a CIA, o famoso serviço de inteligência dos Estados Unidos, não só não ficou neutra no processo, como ajudou na divulgação intensa das fake news produzidas no exterior.
 
Nessas condições, 2018 tornou-se um ano em que todos ficamos a perigo. Os direitos democráticos, tanto os efetivos quanto os formais, constantes da Constituição de 1988, podem ser jogados no ralo. Afinal, quando um presidente eleito considera “natural” eliminar “uns 30 mil”, um governador eleito considera “juridicamente legal” um atirador de elite eliminar “bandidos armados à distância”, e um general cotado para uma pasta ministerial considera que direitos humanos são apenas para “humanos direitos”, subvertendo não só a Constituição Federal, mas também a Carta das Nações Unidas e a compreensão mundial a respeito, o alerta deve ser total. Realmente, ficamos todos a perigo.    

Wladimir Pomar

Escritor e Analista Político

Wladmir Pomar
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