Correio da Cidadania

Entrevista com Suely Bispo: “somos as guerreiras do nosso tempo”

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Suely Bispo, atriz com mais de 20 anos de experiência na dramaturgia, tornou-se conhecida do grande público ao interpretar a personagem Doninha na novela Velho Chico (2016). Nascida na Bahia, e radicada no Espírito Santo, ela também é numeróloga, historiadora, mestre em Estudos Literários e poeta com dois livros publicados: Desnudalmas (2009) e Lágrima fora do lugar (2016).

A entrevista a seguir foi concedida a Andréia Delmaschio e Vitor Cei entre outubro e novembro de 2017, como atividade do projeto de extensão “Notícia da atual literatura brasileira: entrevistas”, que consiste em mapeamento da literatura brasileira do início do século XXI a partir da perspectiva dos próprios escritores. O Correio da Cidadania publicará algumas destas entrevistas. A primeira delas, com Ely Macuxy, professor e escritor indígena, pode ser lida aqui.


Você provém de uma dupla formação acadêmica: é graduada em História e Mestre em Estudos Literários. Além disso, trabalha como atriz de teatro desde 1994, tendo feito, em 2016, o seu primeiro trabalho na televisão, na novela “Velho Chico”. Há um diálogo entre essas diferentes funções e formações, no ato da escrita? De que modo o entrecruzamento de diferentes pontos de vista auxilia no enriquecimento da poesia?

O diálogo existe sim, porque para mim uma coisa não exclui a outra. Em uma entrevista eu já cheguei a dizer que a poeta é um dos meus personagens. De fato, a minha relação com a poesia se aprofundou a partir do teatro, com a minha experiência no grupo Guardiães da Poesia, com a atriz Margareth Maia, no início dos anos 90, na UFES. Então, o diálogo começou ali. Uma atriz que participava de um grupo de teatro que trabalhava, encenava poemas. Em 1996 escrevi meu primeiro poema, mas sempre digo, que não foi uma coisa planejada. Aconteceu inesperadamente. Depois o mestrado e a pesquisa sobre o poeta Solano Trindade. Eu já recitava os seus poemas e utilizava-os nas oficinas de teatro que ministrava. Quando a dissertação ficou pronta, o meu orientador, o Prof. Jorge Nascimento observou que a minha dissertação era muito histórica. Então realmente, eu não separo as coisas e tudo acaba se complementando. Diferentes pontos de vista sempre enriquece.

Como você define a sua trajetória literária? Houve um momento inaugural ou o caminho se fez gradualmente? Em que momento da vida você se percebeu uma escritora?

Acredito que o momento inaugural na escrita de poemas se deu como já falei inesperadamente, e nesse momento claro que ainda não me considerava escritora. Escrevia esporadicamente. Era sonho e intuição. Perdia o sono e só voltava a dormir depois que escrevia. Hoje entendo que o meu caminho se fez gradualmente, e no início eu não tinha muita consciência, mas o bom é que comecei guardar os escritos. Agora me recordo, que quando eu era criança, a professora de português falava que eu escrevia muito bem. Nessa fase também gostava de escrever e a primeira coisa que escrevi eu chamei de desenho novela (risos). Eu queria imitar as fotonovelas que eu lia muito, aquelas histórias românticas... eu tinha uns 9 ou 10 anos e escrevia e desenhava nos cadernos. Essas lembranças estão vindo há pouco tempo e acho muito engraçado. Nessa época gostava de ler os romances de Jorge Amado e na adolescência adorava Machado de Assis.

Não sei quando exatamente eu comecei a me considerar escritora. Acho que foi mais a partir do reconhecimento das pessoas. Antes de publicar poesia, eu já tinha sido publicada na área de História, artigos e o primeiro livro que publiquei foi “Resistência negra na Grande Vitória: dos quilombos ao movimento negro” (2006), que teve muitos problemas de revisão e atualmente estou finalizando uma segunda edição revisada e ampliada desse livro. Mas só comecei a me considerar poeta quando decidi publicar Desnudalmas, em 2009, e só em 2016 veio o segundo de poesia: Lágrima fora do lugar, sete anos depois. Nesse ínterim fiz o mestrado, escrevi a dissertação, (escrevi também muitos poemas que estão em Lágrima...nessa fase do mestrado), publiquei alguns artigos nesse período, roterizei e criei um espetáculo poético sobre o escritor Miguel Marvilla, em 2014. César Huapaya classifica “Um recital para Miguel Marvilla” como espetáculo conferência. Fui publicada em 2015 numa coletânea de artistas negras feministas eróticas, em São Paulo, junto com escritoras e desenhistas de todo o país, o coletivo Louva-deusas. Um livro lindo! Adoro essa publicação. Esse ano de 2017 fui homenageada pelo coletivo Afro-tons, com a publicação da coletânea de jovens escritoras e desenhistas negras, com o livro denominado de “Zacimbas a Suelys”. Assinei o prefácio do livro “Amorodé – poemas afro-brasileiros”, de Marcos Cabral. Um livro com poemas só sobre orixás. Achei uma ideia fantástica e o autor no final do ano passado me convidou para escrever o prefácio. No dia 25 de novembro de 2017, alguns dos meus poemas, que foram traduzidos para o francês, pela atriz Rosi Andrade, serão recitados em praça pública, num evento que combate a violência contra a mulher, em Paris. Então, o caminho foi se construindo gradualmente e o reconhecimento também. As coisas foram acontecendo e coisas maravilhosas, graças a Deus.

A coletânea de poesia e prosa de mulheres negras capixabas intitulada De Zacimbas a Suelys presta uma homenagem a você, evidente a partir do título. Ali, seu nome é alinhado ao da princesa angolana escravizada no século XVII e trazida ao norte do Espírito Santo, que hoje é considerada, pelo movimento negro, símbolo de luta e resistência. Como historiadora, que tal lhe parece essa homenagem? Por que a história de Zacimba Gamba é praticamente desconhecida, mesmo entre os habitantes do estado em que ela viveu, não fazendo parte sequer das aulas de História do Ensino Fundamental?

Bem, eu nunca esperei tanto, mas já que aconteceu o sentimento de gratidão é incomensurável. Foi uma emoção muito grande no lançamento. Na verdade encaro como uma grande responsabilidade, pois é uma representação simbólica muito forte esse alinhamento, como se eu fosse o símbolo máximo na contemporaneidade para essas novas artistas negras no Espírito Santo. É muita responsabilidade! Sempre faço questão de lembrar de escritoras negras contemporâneas que começaram antes de mim, como a dramaturga Vera Viana e Elisa Lucinda. Assinei a orelha do livro e lá afirmei que somos as guerreiras do nosso tempo, como foi a quilombola Zacimba Gaba. Essa é a identidade que nos une.

Agora sobre o desconhecimento da história da Zacimba Gaba sabemos que a História que aprendemos nas escolas brasileiras é eurocêntrica, não só a História, as outras disciplinas também. Todo o ensino se dá sob essa perspectiva a partir da Europa, apesar da Lei 10.639/03, que instituiu o ensino da história da África e da cultura negra no Brasil, essa prática continua. Sendo assim, figuras como Zacimba Gaba e tantas personagens negras tornam-se invisíveis. Já passou da hora de mudar essa perspectiva, mas infelizmente pra complicar vivemos um momento de retrocessos e isso tem se refletido na educação.

Como você vê a recepção de sua obra?

No geral sinto que a recepção é positiva, mas não sei se consigo dimensionar isso. A partir do momento que você lança um trabalho, as pessoas podem gostar ou não. Na verdade não me preocupo muito com isso. O que sinto é que o público é muito carinhoso comigo. Às vezes me surpreendo quando vejo algum artigo que se refere a mim e eu nem estava sabendo, que coloca meu nome ao lado de Elisa Lucinda, Bernadete Lyra, Deny Gomes. Quando cheguei de Salvador, essas mulheres foram as primeiras referências de escritoras no ES. Outro dia vi no Google um jovem poeta lá em São Paulo me citando como uma de suas referências. Esse ano a professora Joana D’arc Herkenhoff escreveu um artigo que faz parte da sua pesquisa de doutorado e lá está: “A poesia afro-brasileira de Suely Bispo”. Grande honra! Ela que escreveu a biografia do Miguel Marvilla e me conheceu quando foi me assistir na estreia do recital sobre ele. Eu realmente não tenho a dimensão, nem nenhum controle sobre isso, mas percebo que o saldo é positivo. Ainda bem!

Em todos os âmbitos (cultural, acadêmico, científico, literário...), sempre convivemos com o silenciamento da voz da mulher, especialmente da mulher negra. Nos seus textos, em contrapartida, o leitor se depara com uma constante autoafirmação da voz poética da mulher negra. Quais são as dores e as delícias de se produzir uma obra poética nos tempos atuais e falando a partir da tripla marginalidade que significa ser mulher, negra e capixaba?

Realmente a situação da mulher negra na sociedade é a de maior opressão e discriminação, ainda maior que a do homem negro. Dados estatísticos comprovam. Não é uma condição fácil e romper com isso muito menos.

Eu penso que essa autoafirmação de ser mulher negra está mais evidente em alguns poemas como Oxum e Filha de Iansã. Ainda tem mais outros que se referem à identidade negra, como Negra alma e Corpos assinalados e mais alguns. Eu até gostaria de escrever mais sobre o tema, mas ao mesmo tempo quero falar de outras coisas também. De qualquer forma, é uma mulher negra que se afirma quem está falando e que se permite falar do que quiser. Gosto quando a Joana D’arc Herkenhoff afirma, que muitos pertencimentos identitários entrelaçados são confrontados a se manifestar na minha poesia: ser mulher, ser negra, ser poeta. O ser erótico também está muito presente na minha obra. Acho que Herkenhoff me define muito bem quando diz:

“A poesia de Suely encarna a vibração autêntica de um viver poético transitivo, transcultural, em travessia para o outro. (..) relacionar a poesia de Suely ao conceito de literatura afro-brasileira não lhe reduz o alcance, mesmo se consideramos que ambos os livros não se restringem a essa dimensão. Significa, antes, reconhecer o mérito da sua poesia encarnar de tal modo a negritude que ela não é mero acessório ou adorno étnico, mas parte epidérmica de sua obra, como o é em sua vida” (HERKENHOFF, 2016, p. 10).

Poderia haver melhor definição?

A delícia de tudo isso é realmente ter uma voz, se apropriar de um discurso ancestral e se permitir dizer e expressar tanta coisa. Sair do campo da invisibilidade que tentam nos confinar. Isso pra mim é muito caro, até porque sou uma pessoa de natureza tímida, mas é prazeroso falar, mesmo das coisas mais dificeis. Fico feliz também por ver que tantas mulheres estão nesse movimento aqui no Espírito Santo e em todo o Brasil. É certo que temos que romper muitas barreiras, mas ser mulher, ser negra ou ser capixaba não deve ser um limite. Acho que o mais difícil vem quando decido publicar e ter que lidar com a parte pragmática do ofício. Desnudalmas foi mais fácil porque fui aprovada pela Lei Vila Velha. Lágrima fora do lugar foi publicado sem patrocínio. Quando vi que não tinha sido aprovada num determinado edital pensei: nem assim calarão a minha voz. Eu vou publicar de qualquer jeito. E assim foi. Mais uma vez contei com a boa sorte de ter uma editora como a Cousa, que deu um tratamento especial à obra que teve uma edição primorosa e o livro é um sucesso. Então, não me deixo abater pelos nãos, mas tenho que admitir que não é fácil.

No livro Lágrima fora do lugar, lançado em 2016 pela editora Cousa, você faz uma singela homenagem ao ator e poeta pernambucano Solano Trindade. Existe uma influência desse a(u)tor sobre o seu trabalho? Com que outros autores(as) brasileiros(as) você procura dialogar?

Como eu sempre digo, Solano Trindade faz parte da minha vida. Essa relação começou a se estreitar a partir de 2004, quando fiz um recital na semana da consciência negra, com poemas como Cruz e Souza, Waldo Motta, Elisa Lucinda e Solano Trindade. Em oficinas de teatro utilizei a sua poesia e no ano do centenário em 2008 fiz homenagens a ele no Estado. Depois veio o mestrado. Tudo isso eu conto na dissertação. É uma relação de identidade com esse autor que fala de coisas tão familiares como o ser negro, crítica social, mulher negra. Ele está inserido dentro da chamada Literatura afro-brasileira, e eu certamente sigo os seus passos. O fato dele ter sido ator é outra fato nos identifica. A família  mantém vivo o seu legado no Embu das Artes (SP), com atividades no Teatro Popular Solano Trindade e em 2016, foi emocionante fazer o lançamento de Lágrima fora do lugar nesse espaço também.

Em Lágrima fora do lugar, além de Trindade acontecem diálogos com outros escritores, como no poema “Lágrimas inconscientes”, que faz referência explícita ao conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa. Também Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade. Até com John Donne, que é um autor inglês que tenho menos familiaridade dialoguei. Confesso que a princípio tive medo de parecer pretensiosa, mas depois relaxei porque sei que tudo aconteceu de forma muito natural. São autores que foram impactantes para mim. Sinto falta de dialogar mais com as mulheres. Lembro que esse ano, ao reler Hilda Hilst, isso aconteceu e escrevi um poema que se refere claramente a essa escritora que admiro tanto. Em Lágrima tem também o poema “Orides”, dedicado a Orides Fontella e Alexandre Moraes.

Tem ainda o poema “Dolly” em que eu cito o meu amigo José Carlos Perim, o Zeca Perim, que faleceu em 2016. Ele também era escritor, mas publicou apenas  Afrodite, a ilha, um livro de contos. Os poemas engraçados que escrevi foi ele que me inspirou. Acho “Dolly” um poema engraçado e também “Alma de Calcinha” veio de uma provocação que ele me fez. Esse ano já escrevi um poema pensando nele. Poucas pessoas sabem que ele também escreveu poemas para mim. São poemas belíssimos, onde ele me transformou em musa. Nós tivemos uma breve, mas significativa correspondência literária.

Na apresentação ao livro Desnudalmas, de 2009, o ator e diretor de teatro Paulo DePaula observa: “a sensibilidade da poeta se mistura à religiosidade e se envereda pela mitologia yorubá e através dela expõe a exuberância do sensualismo físico”. Lendo os poemas, no entanto, o leitor se depara com uma religiosidade que extrapola o âmbito dos signos yorubá, como no poema “Johrei”, ou nos versos de “Axé e luz”, em que a voz poética se autodenomina “negra espírito japonês”. Esse ecletismo ainda guia a sua existência? Como se dá a ligação entre o yorubá e o johrei?

Sim, o ecletismo me guiará sempre. Sou uma pessoa de mente aberta. Como já disse em outra entrevista, o Renato Santos me definiu como uma pessoa transcultural. E sou mesmo. Em termos religiosos fui criada como católica, estudei até em escola de freira. Quando entrei na universidade tive um período agnóstico, mas depois me aproximei das religiões afro. Queria ser do candomblé, acho linda a religião, os mitos, gosto de ir, de ver, do batuque, das danças, da comida e nunca vi o diabo por lá. Vi orixá que é outra coisa. Mas senti o chamado espiritual do Johrei, que é uma prática oriental de origem japonesa. As práticas litúrgicas são diferentes, mas a ligação pra mim se dá através da ideia de ancestralidade, que é muito forte tanto nas religiões de matriz africana, como nas religiões orientais que cultua os antepassados. Religião deve ser religação com o divino, mas a forma como isso se dá depende da cultura de cada povo. As diferenças culturais devem ser respeitadas e as escolhas religiosas de cada um também. É o que penso.

Aos observadores exógenos, como eu, uma das belezas e forças das religiões de matriz africana parece ser justamente o não apagamento da sensualidade, a presença do corpo no culto. Esse traço vai de encontro, por exemplo, ao que acontece nas religiões de origem europeia e nas seitas neopentecostais que hoje se alastram pelo país, encabeçando uma verdadeira jornada inquisitória de apelo moralista contra manifestações artísticas em que são retratados aspectos da sexualidade humana. Ainda que haja fortes indícios de um fomento financeiro de origem política patrocinando-a, uma grande parte da população tem aderido a essa ideologia e propagado-a de diversos modos, especialmente por meio dos multiplicadores clássicos das ideologias, como a família, a igreja, a escola e as outras mídias. Que sensação têm hoje, no Brasil, os adeptos de religiões africanas? Como trabalhar com o corpo, matéria-prima do teatro, num contexto tão pobre e reacionário como este?

Não é apenas sensação, é uma triste realidade o preconceito, a discriminação, a intolerância e a perseguição as religiões de matriz africana. É uma total falta de respeito. A sensação só pode ser essa.

Quanto ao papel do artista nesse contexto, o que posso dizer é que nós continuaremos e  resistiremos. O nosso trabalho é expressivo e criativo. Reflexivo também. Quem é artista vai continuar criando, independente de qualquer coisa. Algumas poucas vezes, tive que tirar a roupa em cena. Recordo que há cerca de dez anos fiz isso na peça Flor de Nanã, do diretor César Huapaya, com o Teatro Experimental Capixaba. Nunca aconteceu nada demais. No máximo algumas pessoas se retiraram silenciosamente da plateia. Isso acontecia mais em cidades do interior. Se fosse hoje acho que seríamos apedrejados.

O que você tem lido? A partir de um recorte pessoal, que escritoras ou escritores recomendaria a quem quer ampliar o conhecimento do que se vem produzindo atualmente na literatura brasileira?

No início desse ano eu reli Odes mínimas: da morte de Hilda Hilst e pela primeira vez li O diário rosa de Lora Lamby, que achei muito divertido. Se ela estivesse viva seria apedrejada também. De certa forma, ela foi na sua época, porque esse livro não teve uma boa recepção. Mais do que erótica, literatura obscena. Quero dar sequência lendo mais a sua prosa, pois sempre li a poesia. Gosto muito dela. É uma das minhas preferidas.

Esse ano li muito os autores do Espírito Santo: Sérgio Blank, Alexandre Moraes, Caê Guimarães, Luca dos Passos, David Rocha, Fabrício Fernandes, Eduardo Madeira, Waldo Motta leio desde sempre e volta meia. Miguel Marvilla e Marcos Tavares também. Aline Dias, Sara Vervolet, Brunella Brunello. Admiro muito essas jovens escritoras. Quero pesquisar mais Vera Viana e as Zacimbas, como me refiro as escritoras do livro de Zacimbas a Suelys.

Tem muita gente produzindo não sei se dou conta de indicar, mas em Literatura negra Conceição Evaristo é uma grande referência contemporânea. Edimilson de Almeida Pereira, Ele Semog, Hélio de Assis são poetas que gosto muito. Na dramaturgia, Aldri Anunciação, que ganhou o prêmio Jabuti com Namíbia, não!. Lázaro Ramos, Ana Maria Gonçalves são nomes de destaque atualmente. Mas tem muito mais gente.

Você está escrevendo algum livro no momento? Quais são os seus projetos para a área cênica?

Atualmente estou finalizando a revisão do livro A resistência negra na Grande Vitória: dos quilombos ao movimento negro – 2ª ed. Revisada e ampliada. Esse livro que foi publicado em 2006, mais de 10 anos depois busquei dar a nova cara do movimento negro local, principalmente o movimento de mulheres negras, de jovens e dos estudantes negros na Universidade Federal do ES. Foram os setores que responderam as solicitações para trazer as informações mais atuais. Esse livro já está quase indo para editora.

Poemas inéditos tem vários e um novo livro de poesia deve acontecer, mas ainda vou esperar de um a dois anos para publicar. Sonho transformar em livro a minha dissertação do mestrado A importância da obra de Solano Trindade na Literatura Brasileira. Tenho um livro infanto-juvenil também para publicar.
Na área cênica quero continuar com Um recital para Miguel Marvilla por tempo indeterminado, mas penso também em nova peça. Tenho um ideia fantástica que devo colocar em prática brevemente, pelo menos começar a pesquisa. Mas quando está no plano das ideias eu não falo. Sempre penso retomar Shakespearianas, meu primeiro trabalho solo, porque o público que me assistiu naquela época (anos 90), sempre pede para eu voltar.

Atualmente, no Brasil e em diversos outros pontos do globo, vivemos a ascensão de uma onda reacionária que traz em si matizes racistas, fascistas, misóginos e homofóbicos. Gostaríamos que você nos ajudasse a compreender: onde estava guardada tanta monstruosidade? Houve um ponto ou marco crucial para a detonação de uma circunstância como esta que vivemos hoje? O que você imagina ou espera como desfecho para o atual estágio da humanidade?

O mundo virtual é como o mundo real.  Ainda que haja muita confusão mental e manipulação, penso que o que tem se mostrado atualmente sempre esteve lá: o facismo, o racismo, o machismo, a homofobia e todo tipo de discriminação.  O ponto de deflagração é a própria globalização, os avanços tecnológicos e a velocidade da informação, que não permite mais que as coisas fiquem ocultas. Os atores sociais que lutam pelas conquistas dos seus direitos e buscam seus espaços de visibilidade. Ao mesmo tempo que houve avanços, por outro lado vem a reação conservadora.

Vivemos  na era da visibilidade, da exposição excessiva. Hoje todo mundo tem que aparecer, nem que seja mostrando o que tem de pior. Todo mundo tem opinião, mesmo sobre assuntos que elas não dominam, mas tem que se expor. As pessoas perderam também o pudor, perderam a noção de espaço privado e espaço público. Não existe mais essa separação. O mundo virtual é só o reflexo do real.

As novas tecnologias são os novos brinquedos da humanidade. Fica todo mundo fascinado olhando para as telas de computadores e celulares, etc. Sempre brinco dizendo que de tanto se olhar pra essas telas, as cabeças ficarão quadradas. De certa forma, isso já acontece. A onda reacionária e o comportamento intolerante demonstram que as visões estão se estreitando. Não posso adivinhar qual vai ser o desfecho dessa história, mas se continuar do jeito que está, com certeza não será dos melhores. O caminho para um bom desfecho passa sobretudo pela educação e a recuperação de valores morais e éticos, para que a humanidade possa se reeducar e aprenda a se ter um equilíbrio nisso tudo, com base no respeito ao outro e a sua diversidade. Seria muito bom não só para os seres humanos, mas para o planeta inteiro, que a mentalidade, os sentimentos e o comportamento avançassem na mesma proporção das tecnologias. Eu  não vejo outra saída.

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