Correio da Cidadania

O sequestro que antecedeu o golpe de Estado

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“Não tenho medo de dizer a verdade. Estou em um país livre. Não vou calar a boca e se eles querem me matar, que me matem. Por esse Processo de Mudanças darei minha vida”, declarou a prefeita Patricia Arce frente à turba.


Milícias dos chamados “Comitês Cívicos” da região de Cochabamba, na Bolívia – em sintonia com o fascista Luis Fernando Camacho, de Santa Cruz -, sequestraram e espancaram a prefeita Patricia Arce, do município de Vinto, durante quatro horas na última quarta-feira até ser resgatada pela polícia.

Apesar de surrada, obrigada a caminhar por três quilômetros de pés descalços, ter os cabelos cortados e o corpo pintado de tinta vermelha pela falange “Resistência Cochala”, a prefeita, do Movimento Ao Socialismo (MAS), partido de Evo, se manteve altiva. Mesmo diante das crescentes ameaças de uma turba com paus e pedras, Patricia Arce não renunciou ao mandato e reiterou, diante das câmeras, que daria a própria vida pelas transformações em curso no país andino.

“Não tenho medo de dizer a verdade. Estou em um país livre. Não vou calar a boca e se eles querem me matar, que me matem. Por esse Processo de Mudanças darei minha vida”, enfatizou Patricia.

EVO VITORIOSO NAS URNAS

Derrotado nas urnas em 20 de outubro com uma diferença de mais de 10% dos votos – o que pela legislação eleitoral boliviana garante a reeleição do presidente Evo Morales, que superou os 47% – o candidato oposicionista Carlos Mesa, do Comunidade Cidadã, disse desconhecer o resultado e alegou uma suposta “fraude”. A fantasia imediatamente foi respaldada por Camacho, que passou a organizar paralisações, perseguições e confrontações que já provocaram ao menos três mortes e duas centenas de feridos.

Diante do acirramento dos ânimos – açulado pelos grandes meios de comunicação privados -, prontamente o governo concordou com a realização de uma auditoria por parte do Tribunal Superior Eleitoral, com acompanhamento da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Sem argumentos, uma vez que havia chegado a até mesmo queimar urnas, a oposição passou a se negar a reconhecer a auditoria, expondo o seu autoritarismo, como bem denunciaram os movimentos sociais. A manifestação de 200 mil mulheres do movimento Bartolina Siza, em Cochabamba, deu a dimensão do quanto os setores golpistas são minoritários.

BASTA DE VIOLÊNCIA!

Na quinta-feira, o vice-presidente Álvaro García Linera fez uma conclamação para que a oposição aceitasse a via democrática e detivesse a escalada de violência, que só prejudica os setores mais vulneráveis da população. “Senhor Mesa, senhor Camacho, basta de promover a violência, aceitem a via institucional e democrática, a auditoria da OEA.

Não promovam mais violência e não prejudiquem mais às pessoas, não afetem camponeses, artesãos, comerciantes, artistas, vizinhos e pequenos proprietários que estão sendo maltratados por estas convocações”, ressaltou.

Conforme Linera, o fato de a oposição ter incendiado Tribunais Eleitorais em cinco departamentos, atacado comitês de campanha e provocado mortes nos enfrentamentos ocorridos no dia 30 de outubro, em Montero (Santa Cruz), e nesta quarta, na cidade de Cochabamba, são resultado do clima espraiado por Mesa e Camacho.

O renomado intelectual boliviano também citou o ataque de motoqueiros mascarados a uma marcha pacífica de mulheres das 16 províncias de Cochabamba; o fogo colocado na sede da Prefeitura de Vinto e os criminosos abusos cometidos por falangistas contra a senhora prefeita como exemplos de que tais setores passaram completamente dos limites, “uma vergonha mundial”.

Frente a tanta confrontação, apontou Linera, a melhor forma de solucionar o conflito é esperar os resultados da auditoria, já que esta verificação está em curso devido às denúncias feitas – sem provas – pelo candidato Carlos Mesa.

“Um partido ganhou, porém o partido perdedor diz que houve fraude e não apresenta provas, mas as esconde. Uma auditoria foi convocada para que se verifiquem os resultados. Assim é como deve ser resolvida a situação, pela via institucional, foi como aprovaram os países da região e as Nações Unidas. Basta de violência, basta de jovens maltratados, esperemos o trabalho da OEA”, acrescentou.

Em relação aos protestos realizados por opositores no centro da capital, La Paz, o vice-presidente assegurou que “nunca haverá intervenção enquanto forem pacíficos”, e “há marchas que sobem e descem sem que ninguém seja molestado”. O problema, esclareceu, é que quando chega a “hora do noticiário” da televisão, perto das 19 horas, ocasião em que “aparecem escudos, fogos de artifício e dinamites”. “Em manifestações democráticas não se pode intervir. Porém, quando se lançam bombas molotov e explosivo modificado contra a Polícia, quando se buscam feridos e mortos, não se tratam de manifestações. Trata-se de atentar contra a democracia”, concluiu. 

Nota da Redação:

Após pressões militares, os presidentes dos tribunais eleitorais e das duas casas legislativas renunciaram. Evo Morales recebeu ordem de prisão de policiais e, ao se dar conta da perda total do controle, sugeriu novas eleições. Mesmo assim, foi desalojado do Palacio Quemado por um movimento militar e renunciou à presidência da Bolívia. O líder religioso Luis Fernando Camacho afirmou ao público que a “pachamama não retornará. A Bolívia é de Cristo”. Não se sabe o que seria de seu destino até a publicação deste texto.

Leonardo Wexell Severo é jornalista.

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