Correio da Cidadania

Vitor Santiago: “foi o Estado que fez isso comigo”

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Era véspera de carnaval, 11 de fevereiro de 2015. O Flamengo goleava a Cabofriense por 5 a 1, no Maracanã, pelo campeonato carioca daquele ano, com gols de Marcelo, Everton, Samir, Eduardo e Alecsandro. “Sassá” marcava o gol de consolação da equipe de Cabo Frio. Em todo o Rio de Janeiro, jovens trabalhadores costumam se juntar em bares para assistir o Flamengo jogar e nesse dia não foi diferente.

 

Vitor Santiago Borges, um flamenguista nato da Vila Pinheiro, no Complexo da Maré, se juntou com mais 4 amigos para ver o jogo. Ele estava recém-desempregado, após trabalhar três anos em uma empresa que distribuía materiais cirúrgicos, próxima de onde morava, e se dedicava a um curso técnico de segurança do trabalho. Mas naqueles dias festivos, ele estava mesmo celebrando a vida, como bem sabem fazer os brasileiros e em especial os cariocas.

 

“O carnaval começaria na sexta-feira e o que aconteceu foi de quarta para quinta. Estava há um mês desempregado, focado em cursos e estágios, era véspera de carnaval e eu estava esperando minha indenização do trabalho antigo, pois saí quando começaram os cortes de pessoal”, conta Vitor.

 

O “rolê” no bar foi um reencontro com um amigo, “nascido e criado no Rio”, que se tornara anos antes sargento da Aeronáutica e servia em Manaus. Estava de férias no Rio. “Então fomos assistir ao jogo e lá no bar combinamos o que faríamos ao longo do carnaval. Marcamos de ir à praia, essas coisas. Após o jogo, como ele estava de férias, eu não ia trabalhar e o Rio de Janeiro iria parar por conta do carnaval, então resolvemos esticar o rolê e fomos para outro lugar”, conta Vitor.

 

Após assistir ao jogo na quarta-feira de noite, Vitor e seus amigos voltavam de carro pra casa. Ao entrar na comunidade ligaram a luz interna do carro e baixaram os vidros e faróis – procedimento comum nas comunidades, tanto para se identificar às forças policiais, quanto às do poder paralelo. “Voltamos para a comunidade perto das duas da manhã e logo na entrada fomos parados pela primeira vez pelo Exército naquela noite. Foi na Vila do João, um pouco antes de eu chegar à Vila Pinheiro, onde moro”.

 

Ninguém devia nada

 

“Saímos todos do carro. Ninguém devia nada”, disse Vitor. Os militares checaram seus documentos e se deram conta de que ali havia um sargento da aeronáutica de férias, um empresário, um técnico de segurança do trabalho e mais dois amigos, também limpos. “Já fui estudante, também sou músico, já fiz muitas coisas envolvendo cultura, já dancei”, situa.

 

Irone Santiago, mãe de Vitor, comprova: “Vitor é musico, dançava e toda a comunidade sabe que ele é boa pessoa”.

 

O Complexo da Maré estava ocupado pelo exército brasileiro desde 2014, como medida de segurança para a realização da Copa do Mundo. Vitor não se lembra exatamente quando começou, mas que ficariam durante a Copa e depois sairiam. “Só que isso foi prorrogado até abril de 2015, dois meses depois de fazerem isso (e aponta para si próprio)”. Ele conta que os moradores não aceitavam a ocupação. Compreensível, afinal de contas, ninguém vai entender que um soldado possa revistar sua casa, sua bolsa e suas coisas a qualquer hora e qualquer momento, sem uma razão aparente. “Muitos batem de frente com essa situação”.

 

Liberados pelos oficiais que os pararam e viram que tudo estava em dia; documentos pessoais, documentos do carro e tudo o mais, apenas 15 minutos depois, dentro da comunidade, o carro foi alvejado por outro grupo de militares que também fazia parte da ocupação. Na Maré havia muitos soldados e muitos pontos de parada e controle. Passaram por um, não passaram pelo outro.

 

“O grupo que nos atacou não foi o mesmo que tinha revistado a gente antes. Estávamos passando em uma rua normal e movimentada, mesmo para o horário. Imagina uma rua de comunidade em época de carnaval, um monte de gente na rua, não era rua de boca, nem nada assim, inclusive tem uma creche nessa rua. Isso foi em frente a uma creche. Não havia qualquer sinalização. Uma coisa que eu deixo claro é que tenho 30 anos de idade, sou nascido e criado na comunidade, então eu sei como entrar, como sair e como me comportar lá. Se eu vejo o batalhão lá, se vejo soldado parando as pessoas, não sou idiota, eu me comporto. A gente estava com o vidro baixo, luz de dentro do carro acesa e rádio desligado – como manda o protocolo para andar na comunidade”, explica.

 

Essas são táticas de defesa de um morador de comunidade. Com ou sem polícia é assim que se deve fazer. Quantos casos de turistas alvejados por não adotarem esse procedimento são conhecidos? Também matérias de gente traída pelo GPS são comuns no Rio. Com este jornalista já aconteceu algo parecido uma vez, e por sorte o final não foi trágico. Há um código de comportamento e identificação nas comunidades cariocas. É esse saber entrar e sair do qual Vitor fala, códigos que precisam ser respeitados dada a realidade. Recomendações como manter o farol baixo, o vidro baixo, a luz interna ligada, o rádio desligado e não dar marcha ré ou fazer movimentos bruscos com o veículo.

 

“Esse comportamento é para evitar ser taxado como suspeito. Todo mundo anda assim. Você está numa área que tem poder paralelo, que tem intervenção militar etc., tem que saber como se comportar. Mas ali não tinha cone, nem jipe, nem soldado, nada. Nenhuma sinalização. Passamos e só ouvimos tiros, nem sequer conseguíamos saber de onde vinham”, relata.

 

Eles abriram fogo!

 

Quando abriram fogo contra o carro, sem que os jovens soubessem de onde vinha e nem o que estava acontecendo, com muito esforço o motorista conseguiu estacionar o carro e foi nesse momento que viram os soldados  correndo na direção deles, gritando e mandando todo mundo sair do carro.

 

“Quando ele conseguiu estacionar o carro eu já tinha sentido o primeiro tiro que pegou meu pulmão e minha coluna, me fazendo perder a sensibilidade total. Todos haviam saído do carro logo que estacionado, para que fossem reconhecidos. Eu fui o único que permaneceu no carro, isso porque o tiro pegou na minha coluna e eu perdi a sensibilidade total do tiro pra baixo, já não sentia minhas pernas e fiquei com medo de abrir a porta do carro e despencar para fora. Éramos cinco no carro e só eu fui ferido com gravidade. O motorista levou um tiro de raspão”, conta. Estilhaços da bala deste primeiro tiro invadiram seu canal medular, deixando-o paraplégico.

 

“E naquela gritaria”, prossegue Vitor, “os soldados batiam nos rapazes, forçando-os a se deitarem e se renderem, como se todos fossem bandidos. Tomei o tiro, apareceu um soldado gritando e mandando eu sair do carro enquanto todos estavam fora batendo nos meus amigos. Eu desmaiei por conta do tiro no pulmão que me deixou fraco. Quando acordei já estava fora do carro. Meus amigos disseram que eu consegui sair sozinho”.

 

Ele se lembra de estar do lado de fora e acredita que esse deve ter sido o momento que seu amigo sargento conseguiu mostrar a identificação e fazer com que eles trouxessem um resgate, um primeiro atendimento. “Me lembro de luzes de lanterna na minha cara e dali me colocaram dentro de um tanque de guerra, os mesmos militares que abriram fogo, me levaram para a Unidade de Pronto Atendimento, a UPA da comunidade.”

 

Vitor Santiago se lembra da forma como foi transportado para a UPA. “Na rua desmaiei de novo, e quando acordei vi tudo escuro e um cheiro de diesel muito forte. Aí olhei para cima e vi um soldado com a metade do corpo para fora segurando uma arma e me dei conta que estava sendo transportando dentro de um tanque de guerra. Dali, só me lembro de ter acordado sete dias depois do coma induzido, já no hospital”.

 

“Tudo errado”, resume, ao contar sobre o transporte em um tanque de guerra. Ainda denunciou que o carro, com dono presente e documentos em dia, sumiu. Não houve perícia e as provas que ele tem são fotos que os moradores tiraram na ocasião. Só.

 

98 dias de hospital, intimidação e mentiras

 

Vitor Santiago ficou 98 dias internado no hospital. Logo que chegou, foi posto em coma induzido por 7 dias e quando acordou ficou sabendo do segundo tiro, que atingiu sua perna. “Na hora eu não me dei conta, porque o primeiro tiro me tirou toda a sensibilidade na parte de baixo do corpo, não sentia as pernas. O tiro foi na minha perna direita. Entrou pelo lado de fora da coxa, fraturou o fêmur, atravessou e pegou a perna esquerda. Na perna esquerda pegou alguma artéria grande que da lesão para baixo impediu a circulação do sangue. Tive que amputar essa perna dias depois de voltar do coma”, lembra, com lágrimas nos olhos.

 

Os militares que o alvejaram a poucos metros do carro, onde Vitor se encontrava voltando para casa, alegaram que os rapazes trocaram tiros de dentro do carro com eles. Porém, de acordo com as fotos que Vitor mostrou à reportagem do Correio da Cidadania, não havia nenhuma avaria na frente do carro, mas marcas de tiros na lateral e traseira do veículo. “O carro tinha documento, tinha tudo. Só tinham trabalhadores voltando de um bar onde assistiram ao jogo do Flamengo; 15 minutos antes tinham nos parado e verificado documentação. E então abriram fogo aleatoriamente. Moradores ali da área disseram que esse grupo que nos atacou estava ali escondido. Não sei se esperando a gente, mas estavam escondidos por alguma razão”.

 

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Mudança de opinião

 

Antes do ocorrido, Vitor via a presença das forças de segurança do Estado como algo que trazia esperanças de melhorias na comunidade. Para ele, o projeto de pacificação serviria para o Estado entrar na comunidade e implantar políticas públicas, projetos sociais e “coisas positivas” no geral. “Eu andava com a minha filha na rua, e ela dava tchau pra soldado, eu parava com ela para mostrar o tanque de guerra. Uma vez um soldado ofereceu um pirulito pra ela. Normal, sabe? Eu estava com uma boa positividade em relação a isso, com esperanças de mudança. Aí acontece um negócio desse com um cara como eu, que de certo modo apoiava a ideia”. Essa é uma contradição que ele fez questão de apontar em si próprio.

 

Ele explica que seu apoio as forças de pacificação também não era incondicional, mas via possibilidade ou esperança de que iriam tirar crianças da rua para estudar e praticar esportes. “Quem é que pode ser contra uma coisa assim?”, indagou. “Mas nada disso aconteceu. Antes de mim, outras pessoas foram feridas ou mortas, depois de mim mais gente morreu. Um senhor lá perto de casa perdeu um braço com um tiro deles”.

 

Relatou ainda que recebia visitas de militares no hospital. “Os soldados, alguns deles de patente mais importante, iam todo dia me visitar. Mas não sei com qual intuito. Porque não me tiravam do hospital público para me colocar em um hospital do exército com melhores equipamentos, nem nada disso. Só iam me visitar e pronto. Perguntavam como eu estava me sentindo e iam embora. Eu acho que essas visitas tinham alguma intenção de abafar o caso, de me reprimir, para que eu não pudesse falar. Existia, com certeza, uma repressão ali. Iam me visitar a troco de que, se não me ofereciam nem um curativo? A cada dia era um sargento ou uma pessoa importante do exército diferente no hospital”, criticou.

 

Processando o Estado


“Não sinto revolta. Mas o projetil que me atingiu saiu de uma arma que foi disparada por alguém e esse alguém estava ali porque foi chamado por uma força maior. Então, o responsável pela entrada deles ali é quem tem que pagar. Quem pediu? O prefeito? Quem autorizou? A presidente? Então é isso, quem tem que pagar é o Estado, não uma pessoa, um bode expiatório. Estou bem na medida do possível, depois de tanta coisa se for alimentar a revolta, só posso piorar”, declarou.

 

Vitor e a mãe, Irone, estão movendo um processo indenizatório contra o Estado. Ele afirma que não quer que ninguém seja preso, ou seja, não quer individualizar a conduta de um soldado, mas responsabilizar as autoridades pelo ocorrido. Afinal de contas, a ação dos militares o deixou inválido e ele tem uma filha para criar.

 

“O dinheiro da indenização não é tão significante quanto a minha vida. Sempre fui contribuinte, sempre trabalhei como todo mundo, e de repente me encontro inválido. Onde que uma pessoa com 30 anos quer se aposentar por invalidez? Foi o Estado que fez isso comigo. Até agora não recebi nada do Estado. Noventa e oito dias no hospital e o governo do estado do Rio de Janeiro não me deu absolutamente nada, nem um esparadrapo”. Ele conta que a cadeira de rodas que usa foi doada pela comunidade, bem como equipamentos, curativos e votos de dias melhores.

 

“Isso aconteceu comigo em fevereiro de 2015 e a minha defesa ficaria na mão do Ministério Público. Em novembro minha mãe foi procurar saber o que estava acontecendo, o porquê da demora, e pasme: eu constava como testemunha e não como vítima”, conta. Ou seja, mesmo no estado em que se encontrava, Vitor foi citado no processo como testemunha dos soldados do exército contra o rapaz que estava dirigindo. “Não tinha absolutamente nada em relação à minha condição e o motorista ainda ficou preso um tempo. Já saiu, mas o nome está lá fichado na polícia como se fosse um criminoso”.

 

Na nova versão dos militares, abriram fogo porque o carro supostamente tentou atropelar um soldado, entrando em contradição com a versão inicial de troca de tiros. “O Estado não quer assumir a culpa. Isso aqui (e aponta para suas pernas) foi o que? Um acidente de moto? Um atropelamento?”, questiona Vitor. Mas e se o Estado assume essa culpa? Ele teria de assumir também que todo o projeto de segurança pública não funciona? Vitor e sua família tiveram então de contratar um advogado particular, e tirar essa grana do próprio bolso, para mover um processo contra a União.

 

Crítico, diz que o projeto de segurança pública já não funciona no Rio de Janeiro há muito tempo. E passa a não funcionar mais ainda em épocas festivas e de megaeventos no Rio de Janeiro, como também aponta a Anistia Internacional. “Não funcionou no Pan, na Copa do Mundo e não está funcionando nas Olimpíadas – e assim vai ser pra sempre se nada mudar. Essa violência se agrava nesses momentos”, questiona.

 

Vitor vai além na crítica aos tempos de megaeventos. Coloca que essa é a época de maquiar a pobreza e os problemas sociais. “Não tem outra maneira, o problema está na favela, então vai entupir a favela de polícia, para atacar quem tiver de atacar, sendo morador ou não. Eu sou morador e me atacaram, numa época festiva e importante para o Rio de Janeiro. Você vê que nos preparativos das Olimpíadas muita coisa aconteceu de errado”.

 

Ele cita, entre outras coisas, a diminuição das linhas de ônibus, “pra pobre não ir à praia se misturar com burguês e turista. O pobre tem que ficar no lugar de pobre, tipo aquele filme Bairro 13”, filme francês que retrata um futuro distópico em que os distritos pobres de Paris, além de altamente violentos, são cercados pelo exército e passa-se por controles militares para entrar e sair.

 

Distopia que pode ser vista também nas remoções de comunidades inteiras. “Tirar gente que já mora há 30 anos em tal canto para as Olimpíadas virem é um absurdo. As pessoas saírem e a área ainda estar vazia, com tapumes e coisas assim”, criticou, dizendo não entender a razão. O próprio Complexo da Maré, onde ele mora, é escondido por uma enorme muralha ao longo da Linha Vermelha, via de acesso ao Rio de Janeiro para quem vem da Rodovia Presidente Dutra. “Quando você passa na Linha Vermelha, está tudo cercado por um tapume que do lado de lá é lindo, cheio de fotos e pinturas, mas e o lado de cá? Ninguém quer saber”.

 

Diz ser curioso esconderem a comunidade como ela é, ao passo que fazem nessas épocas séries de exposições, “pra turista ver, com maquetes de casinhas coloridas”. Ou seja, privam a pessoa de ver o que realmente é a favela, para que a vejam com o olhar de quem patrocina tais exposições, não pelas histórias e pessoas que vivem na comunidade. Um emblemático exemplo de oportunismo na visão de Vitor Santiago.

 

A vida depois do ataque

 

Dona Irone aponta uma marca na cabeça de Vitor: “tenho certeza que foi uma coronhada”. O jovem não se lembra, provavelmente estava desacordado na hora do golpe, mas os olhos atentos de uma mãe não falham. Costureira e vendedora em feiras livres, Irone teve de diminuir seus compromissos com o trabalho para cuidar do filho, antes independente. Ela o ajuda tanto na recuperação da saúde quanto em questões jurídicas.

 

Dona Irone relata que uma amiga sua estava na UPA da Vila Pinheiro quando Vitor chegou por lá de tanque de guerra. “Ela viu o soldado que o levou, entrou chorando desesperado”, afirmou, mas não antes de dizer que trocaria tudo para não ver o filho nessa situação. “Ele tinha ido ver um jogo, como qualquer jovem, antes de ser alvejado”.

 

A primeira “porrada” que Vitor recebeu foi ao acordar, dar comando pro corpo e a perna não responder. Depois veio um médico, no mesmo dia, e falou que ele precisaria amputar a perna, pela própria vida. Ainda fez uma porção  de procedimentos médicos, incluindo cirurgia no pulmão. Mas o pior de tudo foi ficar 98 dias sem ver sua filha, já que esteve todo esse tempo na CTI. Beatriz tem hoje 4 anos e cobra o pai para ir passear, ainda sem entender muito bem – pela idade – a gravidade do ocorrido. Ele não é casado com a mãe da filha, mas mantém boas relações e moram próximos um do outro.

 

“Eu sou forte, o psicólogo do hospital ficou impressionado comigo. Imagina, você tomou dois tiros, fez cirurgia no pulmão, amputou perna, ficou paraplégico, daí acorda e sorri, faz piada e brinca com todo mundo que vem te visitar. O psicólogo não acreditava”, conta, abrindo um dos poucos sorrisos daquela tarde em que conversamos.

 

Ele espera que algo assim não aconteça com ninguém, por isso conta sua história. Em sua opinião, a comunidade deveria ser ouvida pelo poder público, especialmente em matéria de segurança pública. “Essa política de segurança pública precisa ser efetiva de verdade. Poxa, por que não sentam com a comunidade e perguntam o que ela precisa?”

 

Já a mãe, Irone, dispara contra as autoridades: “quando o povo de fato acordar vamos ter uma guerra civil, o povo não aguenta mais tanta violência. Outro dia o BOPE entrou e ficou fazendo 5h de tiroteio pesado. Por que só entram na comunidade às 5h da manhã quando o trabalhador sai para o trabalho ou ás quatro da tarde, quando é horário de saída de escola?”, questiona.

 

O que deixou Vitor mais frustrado foi a omissão do Estado. “Você liga atrás de ambulância e não tem ambulância: ou não tem combustível, ou a ambulância não entra em área de risco. Há uma total inversão de prioridades do Estado brasileiro”, critica, apontando a contradição desta situação com os gastos públicos deixados na realização dos Jogos.

 

Agora ele está se reerguendo. Começou a namorar uma moça que ajuda a cuidar de sua recuperação e, se antes tinha notoriedade na comunidade por suas qualidades artísticas, hoje é conhecido por sua inteligência e olhar crítico. “Estou sempre compartilhando com a comunidade coisas da Anistia, ideias de justiça global e virei um tipo de referência na luta pela paz e direitos humanos, mas não queria nunca na minha vida ter virado uma referência nesses termos”.

 

 

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Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania.

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