“A Reforma Trabalhista é a vitória do Brasil colônia sobre o Brasil do desenvolvimento”
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- Gabriel Brito, da Redação
- 19/07/2017
O governo Temer, apesar de ser o mais reprovado da história, conseguiu aprovar um projeto crucial para o redesenho das relações sociais e econômicas brasileiras. Sobre a Reforma Trabalhista que engendra o processo, entrevistamos o economista João Sicsú, ex-diretor de Política e Assuntos Macroeconômicos do IPEA, que não tem dúvidas: acima de tudo, trata-se da reafirmação do Brasil Colônia sobre o Brasil do Desenvolvimento.
“A ideia é especializar o Brasil na divisão internacional da produção, a respeito de itens como petróleo bruto, açúcar, carne bovina e suína, minério de ferro, madeira. Essa será a participação do Brasil, enquanto os países avançados continuarão a fazer produtos sofisticados. Gosto muito da seguinte comparação: imagine um contêiner cheio de soja; vale muito pouco. Imagine outro cheio de tablets e chips; vale muito. É a diferença entre ser colônia e metrópole no século 21”, explicou.
Diante da chuva de falácias midiáticas e a inexplicável paralisia dos representantes oficiais do mundo do trabalho, pouco vale o debate político e ideológico. Basta nos atermos às questões econômicas para compreender aquilo que alguns especialistas já chamaram de rearranjo geral a serviço de uma base econômica de padrões neocoloniais, ancorada na superexploração do trabalhador e da natureza. Pela frente, uma quase certa destruição do mercado interno e rebaixamento do padrão médio de vida.
“Vai cair toda a arrecadação, não só previdenciária. Vai acontecer que o mercado doméstico ficará mais fraco pela queda generalizada dos salários, o que significa que os estados da federação vão sofrer, já que o ICMS será menor. Os lucros de quem produz para o mercado interno serão menores, portanto, PIS, COFINS, também irão cair. Vamos demorar muito para recuperar a posição que tínhamos em 2014”, sintetizou.
A entrevista completa com João Sicsú pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como analisa a aprovação da reforma trabalhista?
João Sicsú: A Reforma Trabalhista é apenas uma das propostas deste governo para realizar um projeto maior, no caso, a transformação do Brasil em colônia moderna. Uma colônia moderna é aquela que faz diversos produtos básicos, diferentemente das colônias do século 16, que giravam em torno de um produto. Hoje, com o território todo ocupado e explorado, são vários produtos, mas todos eles básicos.
A ideia é especializar o Brasil na divisão internacional da produção, a respeito de itens como petróleo bruto, açúcar, carne bovina e suína, minério de ferro, madeira. Essa será a participação do Brasil, enquanto os países avançados continuarão a produzir tablets, chips e outros produtos sofisticados.
Assim, vamos entrar no jogo pelo lado dos trabalhadores de baixa qualificação e baixos salários. Nossos produtos têm baixo valor agregado e muito peso. Gosto muito da seguinte comparação: imagine um contêiner cheio de soja; vale muito pouco. Imagine outro cheio de tablets e chips; vale muito. É a diferença entre ser colônia e metrópole no século 21.
A proposta da Reforma Trabalhista reduz os custos do trabalho aqui, justamente para o Brasil ficar mais competitivo na exportação dos produtos básicos. Isso enfraquece demais nossa economia, pois a Reforma Trabalhista no fim das contas reduz salário, reduz a remuneração do trabalhador e enfraquece o mercado doméstico. Nenhum empresário vai ficar mais competitivo que o outro que produz no mercado doméstico, pois todos terão seus custos reduzidos. Mas em relação a quem produz para o exterior foi um ganho, através da redução de custos, o que deixa o Brasil mais competitivo na exportação de produtos básicos.
Tem partes específicas também importantes, como trabalho intermitente, contrato do trabalhador autônomo exclusivo etc. Mas é preciso entender a proposta como projeto de transformação do Brasil em colônia moderna com três características: latifúndio, trabalho semiescravo e produção de itens básicos, não só agricultáveis, mas minerais e extrativistas.
Correio da Cidadania: Como responder as alegações a respeito da antiguidade das leis trabalhistas? Tendo um lado verdadeiro, o que poderia ser feito nesse sentido para atualizá-las de acordo com as nuances do mundo atual?
João Sicsú: A ideia de atacar as leis de trabalho é assim. Tais leis existiam de forma fatiada desde antes dos anos 40, mas foram consolidadas na referida década, tendo sofrido inúmeras mudanças desde então. É inadequado partir dessa coisa de falar que é bom porque é antigo, ou é ruim por ser antigo. Não quer dizer nada, não é argumento.
Temos de pensar o seguinte: o século 21 tem de ser o do desenvolvimento, da superação da miséria, da igualdade de oportunidades, do desenvolvimento civilizatório. E as leis trabalhistas deveriam ser reformadas para consolidar e ampliar direitos dos trabalhadores. Esse é o sentido moderno de desenvolvimento, que visa superar todo o atraso brasileiro e mundial, como a fome, algo inaceitável no século 21, assim como a ausência de educação de qualidade, moradia digna. Isso é inaceitável.
Portanto, deve se modernizar as leis trabalhistas neste sentido. Um exemplo é que deveria se reduzir a jornada de trabalho, para, aí sim, se criarem mais empregos. Uma reforma que reduzisse a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais geraria mais empregos. Questão aritmética. Se o trabalhador tem menos expediente, é necessário contratar outro.
Outra bobagem sem fim é a ideia da manutenção de direitos gerar desemprego e barrar o crescimento. Basta olhar para poucos anos atrás, com as mesmas leis trabalhistas que agora chamam de entrave: o Brasil cresceu, reduziu a pobreza e gerou milhões de empregos com carteira assinada. O Brasil precisava de ampliação de direitos trabalhistas e sociais. Essa reforma vai jogar o Brasil para o atraso, para a vida do mercado doméstico fraco. O país pode crescer, mas será para fora, não para usufruto da população.
Correio da Cidadania: Acredita que haverá aumento da formalização, como se alega nos setores empresariais?
João Sicsú: Não há relação alguma entre uma coisa e outra. Uma coisa é certa: haverá precarização das relações trabalhistas. Nada pode ser mais precário do que a relação intermitente. É a coisa mais precária que pode existir. O trabalhador iniciar o mês sem saber da sua renda ao final, pois depende de demanda empresarial.
O autônomo exclusivo é a escravidão formalizada. “Você é de um só dono e trabalha apenas quando teu patrão deseja”. Mas o mais grave é a ideia do negociado sobre o legislado. É vale tudo. Tem muita gente achando que vai se dar bem porque poderá negociar diretamente com o patrão. Mas não existe negociação individual com patrão. Patrão estabelece regra geral. Quem quiser se adéqua, quem não quiser vai embora, porque tem outro querendo a vaga.
No mesmo pacote, vem a Lei da Terceirização. Por exemplo, um tempo atrás, surgiu uma categoria nova de pessoas, os “concurseiros”, pessoas que estudavam pra passar em concursos, ou depois de passarem em um continuavam estudando para passar em outros melhores. Pois bem, no último final de semana participei de uma reunião dos bancários, onde foi falado que hoje em dia a pessoa entra no Banco do Brasil e não se importa muito com o que acontece dentro do banco, porque só quer ganhar seu dinheirinho enquanto não passa no próximo concurso.
Bom, agora não vai haver mais concurso algum. O Banco do Brasil e a Caixa vão contratar empresas que prestarão serviço de caixa, por exemplo. A quantidade de bancários será muito reduzida. O caixa, tal como o vigilante e a limpeza, vai ser terceirizado.
Correio da Cidadania: Essa possível formalização se daria em que condições? Muita pejotização e terceirização?
João Sicsú: É só precarização. Formalização só se for junto com a precarização, só assim para ter alguma chance de se concretizar. Antes se podia ter uma empregada doméstica informal, ainda que se corresse algum risco, já que a lei é mais clara e objetiva hoje em dia, mas de qualquer maneira o patrão podia ter uma doméstica informal. Agora basta formalizar como prestadora de serviços na forma de Pessoa Jurídica.
Pode até aumentar a formalização da precarização, mas não a formalização com direitos trabalhistas e sociais. Bem ao contrário, isso certamente vai diminuir. É possível que as domésticas não formalizadas virem PJ, portanto, formaliza-se a precarização. Pessoa jurídica é uma empresa; empresas não tiram férias, não têm 13º salario, não têm licença maternidade, empresas não ficam grávidas.
Correio da Cidadania: Como isso deve incidir na arrecadação previdenciária? A porteira da Reforma da Previdência foi aberta de vez?
João Sicsú: Vai cair toda a arrecadação, não só previdenciária. Vai acontecer que o mercado doméstico ficará mais fraco pela queda generalizada dos salários, o que significa que os estados da federação vão sofrer, já que o ICMS será menor. Os lucros de quem produz para o mercado interno serão menores, portanto, PIS, COFINS - que deveriam ser previdenciários, mas entram no bolo da arrecadação do Tesouro - também irão cair.
Não é só a Previdência, mas toda a máquina publica sofrerá queda de arrecadação. O trabalhador quando formalizado em carteira faz uma série de recolhimentos. Quando ele passar para PJ, arrecadará muito menos impostos, o que significa queda de receitas em todos os níveis, municipal, estadual e federal. O Brasil vai ser um mundo de milhões de trabalhadores precarizados e pauperizados, a receber e consumir menos.
Correio da Cidadania: Bem ou mal, poderá haver alguma recuperação do emprego e da renda? O que você prevê para a economia brasileira no próximo período?
João Sicsú: A economia brasileira, se houver algum tipo de recuperação, como indicou o primeiro trimestre, é no sentido que mencionei. O Brasil colônia crescendo, o Brasil em desenvolvimento decrescendo. O que houve no primeiro trimestre: cresceram as exportações, as atividades de transporte e armazenagem, e a agropecuária. Uma amostra do que o Brasil pode ser quando “crescer”, pois crescimento depende de estímulo a demandas, de alguém que compre o que é vendido, alguém que tenha vontade e poder de compra.
Isso depende muito das iniciativas do governo. Mas o governo não tem nenhuma iniciativa. Mantém a taxa de juros alta, só corta gastos de Previdência, do Minha Casa Minha Vida, que significam deixar de botar dinheiro na economia, deixar de gerar consumo e de gerar lucro empresarial. A política fiscal (de estímulo aos gastos) e a monetária (de altos juros) estão invertidas, o que estagna a economia na depressão.
Caímos em torno de 8% no último período, de modo que vamos demorar muito para recuperar a posição que tínhamos em 2014. Estacionamos no fundo do poço, descemos a ladeira e paramos lá embaixo. Ainda que haja crescimento voltado para fora, não recuperará o nível do produto de 2014. Portanto, as perspectivas para a economia brasileira são extremamente negativas e, com a possibilidade de crescimento do Brasil colônia, certamente haverá regressividade do Brasil do desenvolvimento.
Correio da Cidadania: Como um governo tão desmoralizado consegue aprovar projetos tão cruciais para a vida da população? O que dizer do papel das centrais sindicais em meio a isso, após esvaziarem a própria greve e não incentivarem nenhum tipo de protesto ou forma de resistência nos dias que antecederam a votação?
João Sicsú: Algumas centrais fizeram o enfrentamento que podiam, e houve aqueles que fazem o que sempre houve nesse universo, que é o papel de pelego. O enfrentamento dos que tinham mais combatividade e interesse na luta está muito limitado. Temos de repensar o papel, a forma de organização, as formas de luta dos movimentos sociais e dos trabalhadores.
O fenômeno que vemos no Brasil aconteceu na Europa. Os movimentos sociais vão à rua, se manifestam, tomam porrada e o Congresso aprova o que deseja. Estão completamente desligados do clamor social. Essa experiência toda é muito negativa, mas tem de ter como resultado uma profunda reflexão e transformação.
A questão não é saber quem é combativo e quem não é, quem tem agressividade e quem não. Temos de repensar de forma muito mais profunda como agir nas democracias e a favor das maiorias nestes tempos modernos. Temos de pensar em formas de luta, organização, comunicação e busca de hegemonia na sociedade. Frisemos: não é só no Brasil que grupos tomam o poder e realizam seus projetos. Apesar de a sociedade rejeitá-los, eles continuam dando a linha. É assim na Grécia, na Espanha...
Todas as manifestações e formas de luta dos trabalhadores e da sociedade do século passado e dos anos 90 não dão mais nenhum resultado. Basta lembrar a ofensiva neoliberal no mundo nos anos 80 e 90. Primeiramente foi barrada, ainda que parcialmente, e eleitoralmente sofreram diversas derrotas. Porém, voltaram agora de forma bastante renovada, e aquelas formas de luta dos anos 90 têm resultados nulos.
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Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.
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