“É hora de recolocar capital contra trabalho no centro das lutas ou teremos ainda mais problemas”

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Detalhes: Gabriel Brito, da Redação; 28/01/2020

Entre o desalento e o rebaixamento ideológico de setores oposicionistas ao atual governo, que não permite atacar as causas básicas do mal estar social da população, 2020 começa com ares de naturalização do consórcio que ocupa o poder central. Sociopatas que fazem referências abertas ao nazifascismo, fundamentalistas religiosos e delinquentes comuns tocam em frente um país que pisa fundo na direção da precarização geral da nossa sociabilidade. E para muita gente tudo parece que se resolverá com mais uma rodada eleitoral. Sobre as barreiras que se devem superar, o Correio da Cidadania entrevistou o ex-deputado e jornalista Milton Temer.

“O estado de desalento da esquerda tem razão de ser. Seus corretos enfrentamentos parlamentares não encontram, no entanto, repercussão social correspondente por conta do grau de desmobilização e descrença política e ideológica que o período do lulopragmatismo impôs, por conta de uma falaciosa “governabilidade”, fundada numa suicida conciliação de classes. Numa suicida renúncia à luta por transformações estruturais da sociedade”.

A despeito dos juízos de valor que se faça da prioridade quase unânime nas esquerdas a respeito da liberdade de Lula, a quase nulidade de enfrentamentos aos pilares da crise verificada em 2019 precisará de capítulos mais combativos, antes que a agenda de desmonte total se estabilize.

“Superar a fase da legítima campanha do Lula Livre, e empenhar-se na divulgação das denúncias do que o povo trabalhador tem a perder com o avanço desenfreado das contrarreformas propostas pelo governo miliciano e protofascista que ora nos infesta. E agir de forma independente do que é ditado pelos interesses, legítimos, porém pessoais, de Lula”.

A entrevista completa com Milton Temer pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Tivemos um 2019 um ano repleto de atos que tentam reorientar o Estado brasileiro na direção do ultraconservadorismo, ao mesmo tempo em que diversos casos de corrupção giram em torno do governo de extrema-direita, o que se refletiu em recente pesquisa que afirma ter aumentado ainda mais a percepção popular sobre a corrupção da classe política brasileira. Tudo isso com considerável morosidade oposicionista. O que vislumbrar para este 2020?

Milton Temer: Por esses fatos citados, nada de muito diferente. A estrutura de apoio ao governo miliciano-protofascista é consistente o suficiente para segurar reveses de entressafra. O que não exclui, evidentemente, que, num surto de arrogância, Bolsonaro crie tal problema para as classes dominantes, os maganos do grande capital, que decidam substituí-lo por Mourão. O que, do ponto de vista dos segmentos do mundo do trabalho, nada representaria como mudança real.

Correio da Cidadania: Acredita que o governo de Bolsonaro tem espaço para aumentar sua popularidade e se estabilizar?

Milton Temer: Todo governo autoritário tem espaço para aumentar a popularidade e se estabilizar. Basta para tanto, de um lado, ter o apoio das classes dominantes e sua mídia partidarizada. E ter como contraponto uma esquerda fragmentada, desalentada e pouco capaz de ocupar espaços de denúncia, mobilização e resistência. Hitler, Pinochet e Petain contaram com amplo apoio popular até pouco antes de suas derrocadas, a despeito de todos os crimes contra a humanidade que cometeram ou acobertaram.

Mas o tempo não os favorece. A ordem natural do processo capitalista termina por revelar contradições e antagonismos geradores de clima de quase barbárie social. Se então a esquerda combativa tiver reencontrado sua capacidade de enfrentamento, o quadro pode se reverter. O que, espero, se dê antes de 2022.

Correio da Cidadania: Como enxerga a atual situação das esquerdas, que parecem começar o ano mais em clima de lavagem de roupa suja, com controvérsias ideológicas se escancarando em público?

Milton Temer: O estado de desalento da esquerda tem razão de ser. Seus corretos enfrentamentos parlamentares não encontram, no entanto, repercussão social correspondente por conta do grau de desmobilização e descrença política e ideológica que o período do lulopragmatismo impôs, por conta de uma falaciosa “governabilidade”, fundada numa suicida conciliação de classes. Numa suicida renúncia à luta por transformações estruturais da sociedade, naquilo que o próprio porta-voz do primeiro mandato de Lula, André Singer, classificou como “Pacto Conservador de Alta Intensidade”, compensado por um “Reformismo Fraco”.

Os detalhes do que isso significa estão no seu “Os sentidos do Lulismo”, editado em 2012 pela Companhia das Letras e atualizados pela obra de 2018, “As Contradições do Lulismo”.

Correio da Cidadania: Como avalia os movimentos de Lula, ainda a maior referência do campo popular e progressista, após sua saída do cárcere?

Milton Temer: Firmes como estaca no brejo, para utilizar uma expressão vocalizada pelo sociólogo Leo Lince. Vão de uma radicalidade retórica na denúncia legítima dos abusos cometidos pelos inquisidores de Curitiba, nos encontros em seus casulos de “incondicionais”, a uma repetição de propostas de alianças – Marta Suplicy, que votou pelo impeachment de Dilma – responsáveis em grande parte pelo desmanche da hegemonia petista.

Há também questões éticas envolvendo cardeais, no executivo e no legislativo, no estabelecimento de tenebrosas transações contra o público pelo privado. Junto com a rendição ideológica, se mantêm como problema a superar se pretende dar credibilidade ampla a suas análises conjunturais.

Correio da Cidadania: As esquerdas não estão demasiado reduzidas ao jogo eleitoral neste momento?

Milton Temer: Sem dúvida. Das mais moderadas às mais combativas. Pelas razões acima relatadas.

Correio da Cidadania: O que fazer para sair do atual cerco conservador e, como tanto se diz, voltar a dialogar com as massas de forma concreta?

Milton Temer: Superar a fase da legítima campanha do Lula Livre, e empenhar-se na divulgação das denúncias do que o povo trabalhador tem a perder com o avanço desenfreado das contrarreformas propostas pelo governo miliciano e protofascista que ora nos infesta. E agir de forma independente do que é ditado pelos interesses, legítimos, porém pessoais, de Lula.

Acrescente-se a isso tudo o contexto fragmentário gerado pelas chamadas “pautas identitárias” e seus por vezes questionáveis “lugares de fala”. Se o sentido de luta totalizante, mundo do trabalho contra o do grande capital, não voltar a prevalecer rapidamente, teremos ainda mais problemas. É hora de recolocar essa divisa no centro das nossas noções.

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Gabriel Brito é editor do Correio da Cidadania.