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Futuro das telecomunicações
no Brasil é a subserviência, afirma Marcos Dantas
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O engenheiro Marcos Dantas, secretário-executivo
da Comissão Nacional de Política de Telecomunicações
da Federação dos Trabalhadores das Empresas de Telecomunicações,
está pessimista com o futuro do setor de telecomunicação
no país após a venda do sistema Telebrás. Autor de
A lógica do capital-informação, Dantas é
um estudioso na questão. Para ele, apesar da privatização,
o Estado vai ter que financiar a manutenção dos serviços
prestados pelas novas empresas: isto está previsto no artigo 81
da atual Lei de Telecomunicações: recursos orçamentários
da União, Estados e Municípios poderão ser utilizados
para cobrir os custos das empresas privadas, nas suas operações
deficitárias, conta. Leia a seguir a entrevista de Dantas.
Correio: Em recente publicação do Ibase, o senhor afirma que depois da privatização das telecomunicações seria necessário dispor de verbas públicas para manutenção dos serviços. O senhor pode explicar melhor? Dantas: As telecomunicações brasileiras foram completamente privatizadas. A partir de agora, as nossas teles e a Embratel passam a operar conforme a lógica do mercado e da maximização de lucros. Ocorre que, em telecomunicações, nem todos os serviços são lucrativos. A maior parte da telefonia residencial, por exemplo, não dá lucro às empresas operadoras, isto é, o custo para manter uma linha telefônica na casa de uma família costuma ser mais alto que a receita que essa família gera para a empresa, ao usar a linha. Até três anos atrás, cerca de 70% dos telefones residenciais davam prejuízos às teles. Essa relação pode ter melhorado um pouco depois dos tarifaços promovidos pelo governo FHC. É por isto que em cerca de 90% dos municípios brasileiros, as redes de telecomunicações são deficitárias: na grande maioria das nossas cidades, pequenas e pobres, as redes de telecomunicações servem quase apenas à telefonia residencial e ao pequeno comércio local. Manter essas redes custa mais do que as empresas conseguem auferir. Os novos proprietários privados não terão interesse em manter tais redes e continuar prestando serviços nessas cidades. Para que essas redes continuem existindo, será necessário empregar verbas orçamentárias municipais e estaduais. Isto está previsto no artigo 81 da atual Lei de Telecomunicações: recursos orçamentários da União, Estados e Municípios poderão ser utilizados para cobrir os custos das empresas privadas, nas suas operações deficitárias. Numa entrevista publicada na Folha de S. Paulo de 2 de agosto (e editada com o mentiroso título de Anatel descarta dinheiro público nas teles), o presidente da Anatel, Renato Guerreiro, tirou o seu da reta, dizendo que houve interesse de parlamentares para usar verbas públicas nas telecomunicações. Segundo ele, a União não fará isso, mas os Estados e municípios podem fazê-lo. Tenho a mais absoluta certeza: vão ter que fazê-lo. Correio: O senhor afirma que após a privatização os centros de decisão vão ficar no exterior. Como? Dantas: Até agora, todas as decisões sobre investimentos,
expansão, compra ou desenvolvimento de tecnologia, introdução
de novos serviços etc., eram tomadas em Brasília, sede da
ex-Telebrás e nas demais capitais do Brasil, onde se encontram os
escritórios centrais da Embratel e das teles. Agora, essas decisões
passarão a ser tomadas por board of directors que se reúnem
em Washington (sede da MCI), Madri (sede da Telefónica), Roma (sede
da Telecom Italia) e até mesmo em Lisboa (sede da Portugal Telecom).
Os diretores e executivos das empresas privatizadas (boa parte deles, brasileiros
acanalhados) se reportarão a esses board of directors e obedecerão
às suas decisões. As companhias estrangeiras que compraram
os sistemas brasileiros de telecomunicações vão olhar
para esses sistemas como parte dos seus sistemas mundiais e globalizados
e vão investir neles em função das suas estratégias
de expansão mundial. A partir de agora, a rede da Telesp não
será mais administrada em função dos interesses da
população paulista, mas como parte de uma grande rede mundial,
controlada pela Telefónica, que inclui a rede da Espanha, a da Argentina
e a de outros países. Os investimentos na Telesp vão depender
das prioridades da Telefónica. Na hora de optar onde alocar os seus
recursos de investimento, se ela achar o Chile, por exemplo, mais importante,
pode deixar a Telesp para mais tarde... E não existirá Anatel,
nem governo Lula que mude isso. Aliás, por que a Tele Norte-Leste
ou Telemar acabou nas mãos de um grupo de investidores brasileiros,
não tendo atraído o interesse de qualquer grande telefônica
estrangeira? Exatamente por que, do ponto de vista de companhias que operam
telecomunicações internacionais, os sistemas brasileiros
do Rio de Janeiro para cima oferecem parcos atrativos e uma enormidade
de problemas. É neles que está a imensa maioria dos municípios
brasileiros onde telecomunicações não dão lucros.
Correio: Com a eventual privatização das telecomunicações em outros países periféricos, como ficará a composição de forças e poderio econômico mundial? Dantas: Está em curso a consolidação de um novo tipo de dominação colonialista: o domínio através do controle da informação, que já podemos denominar infocolonialismo. Quem controlar as redes, os sistemas, os softwares, as possibilidades de desenvolvimento tecnológico, a capacidade de produção industrial, vai dominar o mundo no século XXI. Por meio do controle da informação, terão controle sobre os recursos naturais, as fontes de energia, as políticas de financiamento e alocação de capitais. Mais importante: produzirão a cultura industrial mediática que, espalhada pelo mundo, consolidará os padrões de hegemonia e dominação, no interesse dos novos infocolonizadores. Obviamente, os grandes vitoriosos, nesse processo, são os Estados Unidos e o Japão. Alguns países europeus, como a França e a Alemanha, outros da Ásia, como a Coréia e, sobretudo, a China, também devem permanecer no seleto clube dos infocolonialistas. É interessante observar o papel da Espanha, que soube transformar a sua Telefónica numa companhia capaz de colocar o país no primeiro mundo da informação. O Brasil, quando tinha a Telebrás, poderia também almejar um melhor lugar nesse mundo futuro, já muito presente. Ao liquidar com a Telebrás, reafirmou a sua opção preferencial pela miséria. Correio: O Brasil teria condições de condições de manter o controle sobre esse importante setor de forma competente e competitiva? Dantas: O Brasil precisava mudar a sua política de telecomunicações e o seu modelo de gestão das estatais. Na verdade, eu, pessoalmente, não defendo o modelo de gestão das estatais tal como existe hoje herança pervertida do modelo implantado no tempo da ditadura. Penso que as esquerdas entraram muito mal e erradamente nesse debate. Identificaram a política de privatizações como um projeto neoliberal e resolveram se bater contra. Foi um erro. Teria sido melhor defendermos alguma forma de privatização nacionalista das estatais. Em primeiro lugar, é preciso entender que empresas como Telebrás, Petrobrás e, muito menos, Vale do Rio Doce, nunca foram empresas públicas, mas empresas privadas sob controle acionário da União. Elas se encontram em ramos de negócios onde não cabe falar em empresa pública. Empresa pública extraindo minério?! Por isso, no tempo da ditadura, elas eram geralmente chamadas empresas de economia mista, o que as diferenciava das Comlurbs, Ceterbs, essas sim, empresas públicas. As empresas de economia mista resultavam de um pacto do Estado com a sociedade, esta representada pelos seus milhares e milhares de acionistas. A Telebrás, por exemplo, tem cerca de 4 milhões de pequenos acionistas. Neste pacto, entretanto, o Estado, após recolher o dinheiro dos investidores (isto é, do público), arvorava-se em detentor exclusivo dos poderes de decisão. O modelo funcionou durante a ditadura tecnocrática, mas revelou-se péssimo no regime democrático. Teria sido melhor democratizar de vez o controle dessas empresas, convocando os seus acionistas a assumirem o seu comando e reduzindo a participação do Estado às dimensões reais do seu capital, resguardados certos interesses estratégicos do país. É isso que os europeus estão fazendo: pulverizando as ações das suas empresas de telecomunicações e mantendo, nas mãos do Estado, uma parcela minoritária, porém estratégica. A Telefónica tem 12% de capital estatal: o resto pertence a bancos espanhóis e ao público (1,5 milhão de acionistas), sendo que ninguém pode ter mais de 10% do capital. A Portugal Telecom é 25% estatal e o resto está pulverizado nas Bolsas. A France Telecom e a Deutsche Telekom também vêm sendo privatizadas dessa maneira: cerca de 25 a 30 por cento das ações governamentais em ambas as empresas já foram transferidas para o público. A nossa Telebrás já era, há muito tempo, 20% estatal, mas, com estes 20%, o Estado controlava 51% das ações com direito a voto. Resultado: resolveu acabar com a companhia, vendê-la em pedaços para grupos estrangeiros e fez tudo isto usando o seu direito de acionista majoritário e autoritário. Foi muito difícil, demorado e, afinal, ineficaz, convencer a esquerda, a começar pelos próprios sindicalistas, da necessidade de lutarmos por um novo e mais democrático (não-estatal) modelo de empresa. A idéia da BRASIL TELECOM, em sua essência, era a de transformar a Telebrás numa empresa sob o controle de 4 milhões de brasileiros, no mínimo. Agora, ela está sob o comando e posse de alguns milhares de espanhóis, portugueses, norte-americanos, associados, a um punhado de banqueiros, especuladores, parasitas e testas-de-ferro brasileiros. Os que se opuseram à BRASIL TELECOM devem estar contentes. |
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