Sistema tributário piora a distribuição de renda

Por  André B. Ripa

Nestes tempos de pacote fiscal é muito comum ouvir pessoas reclamando das medidas do governo, mas dizendo que não havia alternativa, que sem o pacote seria pior. Será que isso é mesmo verdade? Será que não há alternativas melhores para equacionar as contas públicas?

Sem qualquer sombra de dúvida, a resposta é não. Parte da resposta diz respeito à redução dos juros (que hoje são a principal causa do déficit público) e à melhora da qualidade do gasto público. Estas são questões fundamentais, mas, neste artigo, vamos nos ater a discutir possíveis alternativas para o aumento da arrecadação de tributos.

Para entender quais são estas alternativas, vale a pena comparar a composição da receita tributária no Brasil e nos países desenvolvidos —o que é uma boa indicação de quem paga (e quem não paga) os impostos. Como se vê na tabela abaixo, há duas diferenças que chamam a atenção: a tributação muito mais elevada da renda das pessoas físicas nos países desenvolvidos, e o peso muito maior dos impostos indiretos no Brasil. Vamos começar por este segundo ponto.

Composição da receita tributária      
      em % da carga tributária total
      Países
    Brasil Desenvolvidos
Imposto de renda - pessoas físicas   6,6 26,8
Imposto de renda - empresas   8,5 8,2
Seguridade social   21,2 25,1
Impostos indiretos   48,8 30,5
Impostos sobre o patrimônio   3,6 5,4
Outros tributos   11,3 3,8
Total   100,0 100,0
Obs. Dados para o Brasil referem-se a 1997. Para os países desenvolvidos os  dados referem-se à média não ponderada para os países da OCDE em 1996. Fontes: Secretaria da Receita Federal e OCDE. Elaboração própria.      

Atualmente, quase metade da carga tributária brasileira corresponde a impostos indiretos, ou seja, impostos recolhidos pelas empresas que são repassados ao preço dos produtos. Este é o caso dos impostos sobre o valor agregado (ICMS e IPI) e também daqueles incidentes sobre o faturamento (Cofins e PIS/Pasep). Na verdade, a participação dos impostos indiretos é ainda maior, pois parte dos tributos registrados como "outros tributos" (como a CPMF e o IOF) também acabam sendo repassados ao preço dos produtos.

Em última instância, quem paga os impostos transferidos ao preço dos produtos é o consumidor. Mas quem será que paga mais: o rico ou o pobre? Vários estudos mostram que, no Brasil, a relação entre os impostos indiretos pagos e a renda é maior para os pobres que para os ricos —apesar da redução da alíquota do ICMS e IPI para alguns produtos da cesta básica. Isto se explica porque os ricos utilizam uma parcela maior da renda para poupar e para adquirir bens patrimoniais (como imóveis).

Mas a estrutura tributária brasileira não é ruim apenas porque seu principal componente são impostos indiretos regressivos (que oneram mais o pobre que o rico). Ela é ruim também porque o imposto progressivo mais usado nos outros países —que é o imposto de renda das pessoas físicas— tem um peso ínfimo na carga tributária (6,6% no Brasil contra 28,6% nos países desenvolvidos).

Um dos motivos para esta pequena participação do imposto de renda das pessoas físicas é que a alíquota máxima do imposto (hoje em 27,5%) é baixa relativamente a outros países. O motivo principal, no entanto, é que no Brasil rico não paga imposto de renda, escapando da tributação por várias vias, como por exemplo o registro de despesas pessoais como gastos de empresa ou a simples sonegação.

Como todos sabem, quem paga imposto de renda no Brasil é a classe média, que tem o imposto descontado diretamente do contracheque. Ou seja, mesmo o imposto que deveria contribuir mais para a melhora da distribuição de renda (tributando mais os ricos que os pobres) acaba não cumprindo esta função.

Ora, as mudanças tributárias propostas no pacote fiscal —aumento da CPMF e da Cofins— apenas contribuem para agravar as distorções de um sistema que penaliza mais o pobre que o rico (é verdade que a CPMF também pega as transações financeiras dos ricos, mas a alíquota é baixa, e seu principal impacto é o aumento dos juros e o repasse do tributo para o preço dos produtos).

Não adianta aceitar o debate sobre ajuste fiscal nos termos colocados pelo governo. Não adianta discutir se o melhor é a CPMF, a Cofins ou a criação de um imposto sobre a gasolina: todos são tributos ruins que afetam mais a população de menor renda.

O verdadeiro debate é: quem vai pagar a conta do ajuste? Mais uma vez o governo optou por penalizar toda a população para poder pagar juros aos ricos. Mais uma vez evitou-se atacar o problema central da estrutura tributária brasileira que é o fato dos ricos não pagarem impostos e os pobres pagarem impostos demais sobre os bens que consomem.

Infelizmente, este é um tema poucas vezes abordado, e nas poucas vezes em que o governo é questionado, foge pela tangente dizendo que é muito difícil fechar as brechas pelas quais os ricos escapam da tributação. Esta é uma grande mentira, pois há várias formas de fechar estas brechas.

Uma das maneiras de fazê-lo é reduzindo o espaço para a contabilização de despesas pessoais nas empresas. A outra, e mais importante, é através do cruzamento de informações que o governo já possui, comparando, por exemplo, a movimentação financeira com a renda declarada pelos indivíduos, ou comparando o patrimônio com a renda das pessoas.

Se o governo não o faz é porque sua base política não o permite, e porque tem medo de enfrentar os ricos, temendo que retirem seu capital do Brasil. Triste é o nosso País, em que os capitalistas têm todos os benefícios e direitos do capitalismo, mas nenhum dos deveres e responsabilidades, porque o governo tem medo de enfrentá-los. Medo de cobrar impostos, medo de mandar ricos para a cadeia, medo de baixar os juros....