Mil famílias fincam a
bandeira do MST em Porto Feliz
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Por Gilverto e Ivete Roldão
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A chegada foi às 5 horas da madrugada. Na escuridão, apenas iluminados pela lua e pelas estrelas, era possível se ouvir o barulho da água de um riacho junto com a conversa baixa e ainda um pouco assustada daqueles que deixaram o "quase nada" que tinham na cidade e vieram para a terra.

O senhor Manoel do Nascimento, um pedreiro de 64 anos, que há muito não conseguia emprego, veio de Guarulhos (grande SP) com a esposa e os quatro filhos. Trouxeram uma pequena lona, dois colchões, algumas panelas, feijão, farinha e biscoitos conhecidos como "biscoitos de vento". Essa é uma das mil famílias que ocuparam, no dia 7 de fevereiro um complexo chamado fazenda Capuava, em Porto Feliz, região de Sorocaba, no interior de São Paulo.

Assim que o dia clareou, começaram o trabalho. Foram derrubando os eucaliptos, roçando cada família um pedacinho de terra e construindo a sua casa. Nem o sol forte, o carro da Polícia Militar —que passou várias vezes pelo local observando o movimento— ou o cansaço de uma noite sem dormir fizeram com que homens, mulheres e crianças parassem antes de terminar o trabalho.

Ao fundo, as músicas cantavam a importância da terra, da luta e da reforma agrária. Meio-dia, seja no fogão a lenha improvisado ou no fogão a gás, o cheiro de comida misturava-se e cada um ia matando a fome como podia. Às três da tarde, a terra já tinha outra paisagem, o verde misturou-se ao preto das lonas e ao vermelho das bandeiras do MST fincadas na frente de muitas moradias provisórias.

A fazenda Capuava pertence ao grupo União São Paulo S/A. e possui plantação de cana, o que daria a ela a condição de terra produtiva, segundo os critérios do Incra. No entanto, os 11 mil hectares de terra que compõem a fazenda fazem com que ela seja considerada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra um latifúndio por extensão.

De acordo com Gilmar Mauro, liderança nacional do MST designada para monitorar a ocupação, a fazenda foi escolhida porque está localizada numa região importante e porque a Companhia União, segundo informação extra-oficial, possui uma dívida grande junto ao Banco do Brasil. Segundo ele, o MST sempre reivindicou as terras dos devedores do Banco do Brasil, como uma forma de ressarcir o Banco e para serem repassadas ao Incra para que se promova a Reforma Agrária.

No complexo composto por várias fazendas e até por usinas desativadas, poderão ser assentadas 2 mil famílias, o que vai gerar pelo menos 5 mil empregos diretos. A idéia da coordenação do movimento é plantar hortaliças para garantir alimentação para as próprias famílias dentro de um curto espaço de tempo, já que esse é o problema mais imediato. "Dentro da crise pela qual passa o país, não existe outra alternativa viável. Essa é a forma mais barata de resolver os três problemas básicos da população: a falta de trabalho, de moradia e de comida", afirma Gilmar Mauro.

O Sr. Manoel, o pedreiro que veio de Guarulhos, com palavras muito mais simples, concorda totalmente com o líder. Enquanto constrói o seu barraco, ele conta que há muito tempo só fazia bicos, já que as construtoras estão demitindo. Morou em Recife antes de vir para a grande São Paulo, mas nasceu na roça, em Campina Grande, na Paraíba.

Quando ficou sabendo da ocupação dos sem-terra, quis vir junto na hora. Sua esposa, Dona Sebastiana, concordou. Mesmo sem saber para onde estavam indo, acreditaram que a solidariedade seria maior ali. Isso ela já comprovou no primeiro dia. Para comer com o feijão e a farinha que trouxe, ganhou repolho e uma vizinha deu um pouco de comida na hora do almoço para seus filhos. "O feijão demorou para cozinhar, pois não tinha panela de pressão", conta ela, rindo da própria sorte.

Quando perguntados se estavam preparados para os próximos dias e para um possível enfrentamento com a polícia, o casal responde quase ao mesmo tempo: "com a força de Deus a gente vai conseguir".

Uma novidade nessa ocupação está sendo a presença mais efetiva de entidades urbanas, como sindicatos, comunidades religiosas, universidades, etc. O trabalho de base nos seis meses que antecederam a ocupação contou muito com a ajuda dessas entidades nas cidades da região de Limeira, Campinas, grande São Paulo e na própria periferia da capital, de onde vieram estas famílias.

"Isto significa um salto de qualidade no movimento", afirma Gilmar Mauro. "Ao mesmo tempo, mostra que as pessoas envolvidas no movimento social urbano reconhecem que esta é a única alternativa no momento." A ocupação, que começou no dia 7 com mil famílias, deverá dobrar, pois, hoje, segundo a coordenação, é muito fácil reunir pessoas que querem vir para o campo.

A situação na Justiça

No dia 8 foi concedida pela Justiça de Porto Feliz uma liminar de reintegração de posse. Dois advogados da região de Sorocaba, representando o MST, estão fazendo esforços para derrubar a liminar. No dia 10 a direção do MST esteve reunida com o comando regional da Polícia Militar. A PM se comprometeu em não interferir na ocupação até o dia 23 de fevereiro.

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