Rio Grande do Sul, 1979:
o ano vermelho
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por Mário Maestri
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Em 1979, a crise econômica e a luta pela redemocratização agitavam fortemente o Brasil. Então, o Rio Grande do Sul conheceu uma sucessão de duras greves que assinalou o renascimento do movimento sindical gaúcho, após 15 anos de repressão. Por sua importância, a paralisação dos bancários destacou-se entre esses movimentos.

Em abril, devido à pouca mobilização da categoria, uma assembléia do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Porto Alegre lançou campanha por reposição salarial e propôs a antecipação da greve, de novembro para setembro, data-base da categoria no centro do país. Em 2 de setembro, o sindicato da capital apresentou lista de reivindicações que pedia 86% de reposição salarial, estabilidade para delegados sindicais, antecipação da data-base, entre outras exigências. No dia 5, os bancários de Porto Alegre iniciavam maciça greve, à qual aderiram, rapidamente, os bancários de Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas, Rio Grande, Santa Maria e Santo Ângelo.

Em razão de sua amplitude e significado, a ditadura mobilizou-se para reprimir rapidamente o movimento. Declarou-se a ilegalidade da greve e a intervenção no sindicato. Olívio Dutra e Felipe Nogueira foram presos e destituídos dos cargos de presidente e diretor da entidade. Outras prisões ocorreram. O prefeito designado da capital proibiu reuniões no auditório Araújo Viana, local das assembléias sindicais.

No dia 10, o Tribunal Regional do Trabalho do RS propôs mediação que pouco concedia e exigia o imediato retorno ao trabalho. Ela foi aceita pelos sindicatos do interior, isolando o movimento da capital. No dia 19, uma assembléia dividida determinou o fim de uma paralisação. A greve concluiu-se com grave derrota. Centenas de bancários foram demitidos e as lideranças classistas tiveram os direitos sindicais cassados. Apenas a antecipação da data-base e magros ganhos materiais foram obtidos.

No mesmo ano, agricultores e suas famílias criaram um acampamento na Fazenda Natalino, à beira da estrada Passo Fundo-Ronda Alta, após serem expulsos da Reserva Indígena de Nonoai. A iniciativa dava início ao MST.

Também em 1979, a capital gaúcha e, em menor grau, o interior foram sacudidos por greves e paralisações de metalúrgicos, professores, vigilantes, operários da construção etc., que enfrentaram o autoritarismo militar e patronal. Também suas reivindicações foram apenas parcialmente atendidas, quando o foram.

À exceção do movimento dos bancários, dos metalúrgicos e dos professores, as greves e paralisações dos trabalhadores das outras categorias foram espontâneas, apoiando-se comumente em militantes de organizações clandestinas de esquerda.

Esse verdadeiro ano vermelho constituiu divisor de águas da história gaúcha. Com ele, os trabalhadores romperam com o imobilismo grevista determinado por quinze anos de ditadura e de repressão e avançou a consciência da necessidade da organização política e sindical autônomas. Nos anos seguintes, acompanhando o movimento do centro do país, o sindicalismo classista gaúcho, junto com militantes de esquerda, com a esquerda católica e com pequenas organizações marxistas, fez avançar a organização do Partido dos Trabalhadores no RS.

Em 1982, o pequenino e combativo PT apresentou Olivío Dutra como seu primeiro candidato ao governo do RS. Jair Soares, ligado à ditadura, venceu as eleições com apenas 34,1% dos votos, devido a uma apuração que ainda hoje causa discussões. Pedro Simon, do PMDB, obteve 33,5%, e Alceu Collares, do PDT, 20,4%. Visto como proposta sem futuro, o PT recebeu apenas 1,32%.

Hoje, mesmo sendo a vitória de Olívio Dutra desdobramento direto das lutas de 1979, o registro do transcurso dos vinte anos daquelas jornadas limitou-se a alguns artigos na imprensa nanica. Quase como se esses anos de confronto direto com o estado e com o capital, quando o movimento social determinava e enriquecia a ação política, não tivessem nada mais a ver com o presente.

A incapacidade da esquerda atual de se ver e de se inspirar nas raízes classistas e anti-capitalistas que a pariram e a embalaram certamente é metáfora sobre as razões da crise de identidade e de rumos que a imobiliza, quando vivemos a maior crise jamais conhecida pelo moderno Estado brasileiro. Com ou sem razão, em época ainda próxima, o partido da estrela branca sobre campo vermelho era chamado de "agente da subversão" e de "promotor do ódio classista" e jamais de "partido da boquinha".


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