MST volta a fazer manifestações; governo responde com violência
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O MST iniciou na semana passada uma ofensiva para sensibilizar o
governo federal e a sociedade brasileira para a necessidade de maior rapidez e empenho na reforma agrária. Em diversas cidades do país, propriedades rurais e prédios públicos foram tomados pelos
manifestantes . Um trabalhador foi morto nos confrontos com
a polícia e muitos outros foram feridos. O
Correio publica nesta
edição trechos de dois documentos dos sem-terra: uma carta,
dirigida ao presidente da República, e uma nota à sociedade,
explicando por que o MST iniciou uma semana nacional de lutas.

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Carta ao presidente da República



"Senhor Presidente,

Recentemente recebemos uma carta aberta de seu governo, assinada pelo Ministro do Desenvolvimento agrário, Dr. Raul Pinto Jungmann, na qual propoê o dialogo entre o MST e o Governo. Apesar de discordarmos do tom acusatório da carta e das muitas inverdades nela contida, queremos manifestar a V.Excia, que o MST sempre dialogou com todos os governos estaduais e com seu governo.

Diante da proposta de dialogo oferecida por vosso governo, a Direção nacional do MST vem a sua presença solicitar-lhe uma audiência para tratar dos problemas relacionados com a agricultura brasileira, a agricultura familiar e a situação da reforma agrária.

Queremos aproveitar a oportunidade para manifestar-lhe que é de reconhecimento público, e em especial entre os estudiosos da agricultura brasileira e certamente o senhor também conhece, de que estamos vivendo uma grave crise no meio rural e um processo crescente de empobrecimento dos trabalhadores. No tocante a reforma agrária, apesar da falsa propaganda do seu Ministro, os dados oficiais divulgados pelo próprio INCRA revelam que até o 21 de dezembro de 1999, seu governo assentou por desapropriação apenas 25 mil famílias durante o ano de 1999.

O Modelo agrícola adotado por seu governo, as medidas decorrentes dele, a falta de eficácia da política de distribuição de terras e o desmantelamento que o INCRA vem sofrendo, é o que tem gerado cada vez mais pobreza no campo, o que leva os trabalhadores a se organizar e lutar por seus direitos. Por isso, nesse momento existem mais de 500 acampamentos com mais de cem mil famílias acampadas em todo Brasil. E são trabalhadores que se organizam não apenas no MST, mas muitas vezes de forma espontânea ou apoiados por seu Sindicato dos Trabalhadores Rurais, pela CPT, e por outros movimentos sociais, inclusive ao MAST de São Paulo, que é vinculado ao seu partido, o PSDB.

Por outro lado, nos últimos meses temos conversado bastante com seus Ministros, com o diretor do crédito rural do Banco do Brasil, com o Diretor do Pronaf e com o Presidente do INCRA. Todos eles nos dizem que nossa pauta é positiva, que concordam com 90 por cento de nossos pleitos, mas que estão dependentes dos Ministros da área econômica. Na semana passada o MST da Bahia esteve em negociações com o Ministro do desenvolvimento agrário e este reconheceu que não depende dele, e por este motivo, nenhum ponto da pauta foi sequer discutido.

Diante disso, propomos que V.Excia convoque para nossa audiência os Ministros da área econômica, em especial o Dr. Pedro Malan e o Dr. Pedro Parente.

Também, gostaríamos de ter presente outras entidades do Fórum Nacional de Reforma Agrária e movimentos sociais que atuam no campo, para que o nosso processo de negociação seja relacionado com a grave situação da agricultura e da reforma agrária e não apenas com demandas específicas que nosso movimento pleiteia.

Para seu conhecimento, estamos enviando em anexo nossa pauta de reivindicações, e também a tabela oficial do INCRA revelando o balanço oficial, de quantas famílias foram beneficiadas no campo, durante o ano passado.

Certos de Vossa atenção e vocação democrática, aguardamos vossa manifestação.

Atenciosamente,"

Gilmar Mauro/Gilberto Portes


Nota à sociedade brasileira


O governo Fernando Henrique Cardoso implementou um modelo agrícola, desde seu primeiro mandato, que representou a marginalização da agricultura nacional e o empobrecimento violento dos trabalhadores que vivem no meio rural. Denunciamos esse modelo há muito tempo. Não fomos ouvidos. Na reforma agrária, o governo preferiu a propaganda virtual do que a realidade dura e crua. Não é verdade que assentou 80 mil famílias, em l999. Os dados oficiais do INCRA revelam que foram assentadas apenas 25 mil, através da desapropriação.

Diante da gravidade da situação, os trabalhadores tem o direito e até o dever se organizar e lutar por sua sobrevivência. Durante o mês de abril e neste começo de maio, todas as organizações de trabalhadores rurais se manifestaram, com ocupações de terra, passeatas e mobilizações. Há nesse momento mais de 500 acampamentos envolvendo mais de 150 mil famílias, vinculadas ao movimento sindical, ao MST, à CPT, ao MLST e a outros movimentos. Estradas e prédios públicos foram ocupados para manifestar a gravidade da situação. Em nenhum deles houve orientação para depredar.

O Governo prefere novamente criminalizar os trabalhadores e suas organizações. O Ministro vai à imprensa acusar o MST de manter funcionários do INCRA como reféns. A própria entidade dos funcionários, a CNASI, refutou essas acusações. Estimula os governos estaduais a utilizar a violência para conter os justos reclames. Mais uma vez assistimos à violência desnecessária das PMs. Sempre dissemos que PM não resolve problemas sociais, só cria mais um, o da violência social. Além disso orientou para que as lideranças sejam incriminadas por formação de bando e quadrilha. As verdadeiras quadrilhas, reveladas pela CPI, estão muito próximas do governo.

Não bastassem os episódios vergonhosos da repressão das mobilizações pacíficas dos movimentos indígena, negro e popular, pela PM da Bahia, agora, assistimos a postura truculenta do Governo do Paraná. Durante o ano de 1999, houve dois assassinatos, oito casos de tortura, dezenas de despejos ilegais e 173 prisões arbitrárias. Só nos dois primeiros meses deste ano foram executados 12 desejos violentos, com 96 prisões e 46 feridos entre eles mulheres e crianças. Na semana passada, em manifestação contra a política agrícola do Governo Federal, pelo menos 1 assassinato, mais de 70 feridos, e a estúpida proibição de os trabalhadores rurais não poderem entrar na capital. Repete, o governo Lerner, atitudes do tempo do Feudalismo, quando os camponeses-servos eram proibidos de entrar nos castelos medievais.

De outro lado, a impunidade continua. O levantamento realizado sistemática e rigorosamente pela CPT revela, que nos últimos 15 anos foram assassinados no campo, 1.169 pessoas. Destes casos, apenas 58 foram julgados em Tribunais. Houve só 11 condenações. Oito dos condenados estão foragidos e apenas três cumprem pena. Denunciamos esta situação à OAB, à Câmara dos Deputados, ao STF, ao STJ, à ONU e OEA. Mas todos continuam impunes. E qual tem sido a atitude das organizações dos trabalhadores rurais? Temos procurado acima de tudo o diálogo.

Diante desse quadro, alertamos a sociedade brasileira para a tensão social que se agrava no meio rural, como consequência do modelo agrícola imposto. As populações do campo não estão se organizando por ideologia ou manipulação política, mas por terem seus direitos aviltados e suas possibilidades de vida digna negadas.




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