A Batalha de Gênova (6):
A síndrome de Gênova

Por Gregório Maestri



Revoltados, tristes, com um gosto amargo de derrota na boca, os manifestantes voltaram para casa. O estado de espírito reinante foi denominado de "síndrome de Gênova". Entretanto, entre os manifestantes, dominava a vontade de luta, não a lassidão. Logo, a batalha de Gênova torna-se a batalha de toda a Itália.

Por toda a Europa, explode vasto movimento de solidariedade com Carlo Giuliani, com os presos, com os agredidos, com os humilhados de Gênova. Apesar do calor e das férias, por mais de uma semana, centenas de encontros, reuniões, sit-in, transmissões de imagens etc. sucedem-se na Europa e nas pequenas e grandes cidades italianas.

De segunda, 23 de julho, a quarta-feira, manifestações convulsionaram o centro de Milão. Na maior, na praça do Duomo, que reúne cem mil pessoas, o clima de emoção é indiscritível. Milhares de visitantes concentraram-se nos centros sociais para expressar o desgosto e a revolta. Esses momentos de intenso sentimento político e humano são aproximados aos vividos pela esquerda italiana nos míticos anos 1960-70.

Sobretudo na Itália, são pintados "graffitis" e "tags" nos muros de edifício públicos e privados que simbolizam o poder capitalista. Em Milão, centenas de jovens reunidos pelo centro social Bulk, de orientação anarquista, realizam enorme pintura em honra de Carlo na parede do prestigioso prédio da maior companhia elétrica italiana.

INDÚSTRIA DA INFORMAÇÃO

A população italiana destaca-se pelo consumo de informação. As televisões divulgam dezenas de jornais diários e mesmo as pequenas cidades possuem jornais e revistas. Dramatizados, os furos, polêmicas, notícias frescas alimentam incessantemente o milionário mercado midiático.

Essa verdadeira indústria consome a informação. Assuntos explosivos ganham as manchetes e desaparecem após vinte e quatro horas. No caso de Gênova, temia-se – e esperava-se – que os fatos fossem logo abandonados pela mídia, sobretudo devido ao período de férias, quando boa parte da população viaja para o mar.

Mais de quinze dias após a Sexta-Feira Negra, jornais, rádios, revistas, televisões continuavam comentando os sucessos. Cada dia apareciam novos elementos, fotos revoltantes, revelações clamorosas, histórias inacreditáveis.

Os manifestantes maltratados foram dezenas de milhares. Os que filmaram e fotografaram os fatos, também! Por primeira vez na história, tanta informação iconográfica e escrita circula graças aos meios alternativos de informação, pondo em cheque, parcialmente, o monopólio da mídia.

COM A MÃO NA BOTIJA

A imprensa nacional e mundial não pára de revelar imagens e depoimentos chocantes. Num dos últimos filmes veiculados, aparece Alessandro Perugini, vice-chefe da polícia de Gênova, não uniformizado – é um simples funcionário –, chutando, com quatro policiais, repetidamente, um manifestante, rendido.

Com a face transfigurada por um rito de prazer, Perugini bate com o joelho, várias vezes, no rosto do manifestante vergado, semi-cego por ferimento no olho. Enquanto o manifestante chora de dor, o vice-chefe da polícia chama outros policiais para participarem da festa! O jovem tentara proteger amigo batido sem motivo. Os dois estavam sentados, conversando, quando a política atacou.

As manifestações contra as violências sofrem salto de qualidade em relação às de Gênova. A neutralidade-dissensão da Oliveira da mobilização anti-G8 causou perplexidade e indignação. A credibilidade de sua acusação de que o Partido Refundação Comunista fora o responsável pela vitória eleitoral de Berlusconi foi corroída pela sua ausência no combate real à direita.

O direito de dissensão é tido como valor inalienável pela Itália democrática. Boa parte da juventude e da classe média considerava os direitos democráticos constitucionais como conquistas indiscutíveis. Os sucessos de Gênova demonstram a fragilidade das liberdades democráticas diante da ofensiva da direita.

CONTRA OU A FAVOR

A população italiana e a social-democracia dividem-se entre o apoio à ação da polícia e do governo e a defesa dos manifestantes e das liberdades democráticas. A divisão agrava-se pela defesa da direita de uma ação que os próprios fatos explicitam o conteúdo.

O PRC e os Verdes exigiram a demissão do ministro Scajola e a formação de comissão parlamentar de inquérito. Procurando acordo com a "Casa das liberdades", a Oliveira defendeu a ação da polícia em nome do "respeito às instituições" e aceitou a substituição da CPI por Pesquisa Parlamentar sem efeito jurídico e de curta duração – ela encerra-se em 20 de novembro.

O PRC defende que, em Gênova, não ocorreram "erros" e "excessos", mas "crimes" de Estado, e mantém a exigência de CPI. O comportamento da Oliveira deve-se também à vontade de elidir sua responsabilidade na organização do aparato repressivo. Berlusconi lembra que seu ministro do Interior apenas implementou o plano de defesa herdado do governo findo.

O vice-primeiro-ministro Fini, líder de Aliança Nacional, envolvido no passado com o terrorismo negro, justifica a morte do jovem genovês como "caso de legítima defesa"! Bertinotti, secretário-geral do PRC, definiu na câmara a "invasão da Escola Diaz" como "violação aos direitos constitucionais mínimos" e aproximou os fatos ao "Chile" da ditadura militar.

PERIGOSA IMPUNIDADE

O GSF organizou rede de trezentos advogados voluntários para coordenar os processos contra a polícia e a defesa dos manifestantes. Em reuniões e através da mídia, procuram-se testemunhas que apóiem processos contra os atos ilegais. Atualmente, chovem centenas de denúncias de sevícias, ofensas, prisões ilegais.

A divulgação das violências contribuiu para que a grande maioria dos detidos fosse libertada por prisão ilegal, fragilizando a demagogia do governo. Porém, 51 manifestantes encontram-se ainda presos. Oito processos, cinco contra a polícia, já foram abertos pelos advogados do GSF. Apesar das fotos, filmes e declarações, até agora, nenhum policial foi denunciado e sequer um processo foi aberto contra os carabineiros, polícia militar, que teve comportamento igual ou pior ao da polícia civil.

Um dos processos iniciados pelos advogados do GSF é sobre as relações entre a polícia e os Blacks Blocks. Ele é apoiado por documentos e por centenas de telefonemas de genoveses pedindo inutilmente a intervenção das forças policiais contra atos vandálicos.

A respeitada revista Diário exigiu oficialmente que os vértices da Polícia identifiquem o jovem dos Blocos Negros Blocks que abraça alegremente amigos policiais. As nítidas imagens do filme foram transmitidas por várias televisões do mundo. Por ter mostrado essas e outras imagens, o governo pediu a demissão de jornalistas da Rai 3, um dos três canais estatais.

Gregório Maestri, ítalo-brasileiro, trabalha e estuda em Milão.

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