Correio da Cidadania

A ingovernabilidade burguesa do Brasil

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Uma verdadeira crise geral (catastrófica) sempre se apresenta sob duas manifestações principais. O derretimento da moeda nacional e o desabastecimento generalizado das mercadorias. Uma face econômica e outra social.  

A economia brasileira ainda não vive nem uma nem outra porque não depende só de si e de seus desastrados capitalistas para realizá-las totalmente. Depende necessariamente da senha que virá da totalidade do sistema capitalista mundial.

De todo modo, enquanto ela não chega, os capitalistas brasileiros fazem de tudo para apressá-la. Ou pelo menos ensinar ao distinto público como se materializará esse abstrato conceito de crise catastrófica.

Lição mais recente: o locaute (locaute, em inglês) das grandes empresas de transporte rodoviário – seguido fielmente pelos pequenos proprietários ("autônomos") de caminhões – passou para a atônita população do país uma pequeníssima amostra de como seria um desabastecimento generalizado de mercadorias.

A reclamação dos caminhoneiros tem fundamento. A equação dos custos e preços dos fretes não fecha. Cada vez menos encomendas de cargas, devido à paralisação econômica nacional e subida no preço dos insumos, o resultado é a situação pré-falimentar do setor de transportes de cargas rodoviárias.

E a situação atual do setor só pode piorar. Quaisquer que sejam os acordos atuais que os caminhoneiros fechem com o governo. Não se trata de um problema técnico isolado do setor de cargas rodoviárias. A mesma ameaça de próxima falência já acontece para a grande maioria dos setores e empresas capitalistas do país. Esse é o fundamento da grave situação política atual.

O locaute ainda permanecia com força nesta segunda-feira (28). Entra no seu oitavo dia de paralisação. Mesmo com os "acordos" de Temer, os bloqueios ainda continuam fortes. Talvez sejam interrompidos. Mas os estragos na ordem institucional já foram suficientemente grandes para abalar e apavorar ainda mais o espirito da parasitária burguesia brasileira.

Como a desprezível figura de Blairo Maggi, ministro da Agricultura do governo federal, proeminente líder da burguesia agrária nacional e parasitária do agronegócio. Ele declarou taxativamente que o país está na iminência de grave conflito social. Ou, nas suas próprias palavras: "a economia brasileira está sendo asfixiada. Todos estamos na iminência de um grave conflito social. E a saída está na política, mas é necessário algum tempo. Muitos me perguntam o que vai acontecer, qual o final disso tudo. Eu não sei!" (Valor Econômico, 27/05/2018)

O "rei da soja" tem razão. A situação foge do controle do frágil governo Temer. O problema deles são as novas forças sociais que podem emergir na esteira do locaute dos caminhoneiros. Na sequência, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), representante dos trabalhadores da Petrobrás, iniciou manifestações e uma greve de 72 horas.

A lista de reivindicações da FUP incluiu cinco pontos, um deles a demissão do presidente da companhia, Pedro Parente, confirmada logo depois. Os trabalhadores pedem também a redução dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha; a manutenção de empregos e retomada da produção interna de combustíveis; o fim da importação de derivados de petróleo; e a desmobilização do programa de venda de ativos e de privatização promovido pela atual gestão da estatal. O comunicado, que foi enviado neste sábado (26) à direção da Petrobras, contesta também a presença de unidades das Forças Armadas em instalações da Petrobrás.

As motivações de uma greve operária são sempre muito mais consistentes que as motivações puramente corporativas de um locaute de pequenos e grandes proprietários privados.

Neste meio tempo, os trabalhadores da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) cruzaram os braços no turno de 8 horas às 16 horas do sábado, 2, em solidariedade ao movimento de greve dos caminhoneiros, como informou o Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS).

Greves e locautes

Uma boa greve operária sempre é reprimida brutalmente pelas forças policiais. Locaute não. Locaute é uma coisa, greve é outra. Locaute é de proprietário (grande ou pequeno, tanto faz), greve é de trabalhador assalariado produtivo. Basta ver a reação do governo atual para uma coisa, que durou até agora, ou para a outra, dos petroleiros.

As manifestações da luta de classes assumem formas inesperadas. Ainda bem que seja assim. Se as coisas fossem mecanicamente previsíveis o Estado sempre encontraria formas de combater eficientemente e abortar as guerras e revoluções.

Aquilo que começou como um locaute da fração mais reacionária dos capitalistas nacionais e, de resto, em todo o mundo (grandes e pequenos proprietários de caminhões de carga) espalha-se espontaneamente para greves das frações mais combativas da classe operária.

O mais importante é o seguinte: independentemente da ampliação ou não do locaute dos capitalistas e das greves operárias, nas próximas semanas, os últimos acontecimentos indicam a irreversibilidade de nova e mais aguda etapa do processo de ingovernabilidade burguesa no Brasil.

Essa irreversível mudança de patamar da ingovernabilidade burguesa é o grande saldo dos últimos acontecimentos. Portanto, é neste processo de ingovernabilidade que deve ser centrada a análise.

A Crítica da Economia tem acompanhado de maneira especial, nos últimos quatro ou cinco anos, os detalhes mais íntimos e precisos desta atual ingovernabilidade. Trata-se, portanto, de continuar esse trabalho, não perder o foco do que realmente interessa na situação atual da luta de classes no Brasil.

Existem alguns fatos relevantes que aparecem com forças geradoras desta nova etapa de ingovernabilidade. Um deles, certamente o mais importante, é a capitulação do mercado à realidade de que a política econômica e de reformas neoliberais do governo Temer fracassou pesadamente.

E as empresas em geral, como observado acima, entram em regime pré-falimentar. O ufanismo dos capitalistas e da mídia do mercado metamorfoseou-se nas últimas semanas em indisfarçável pessimismo. A economia, que, nos últimos trimestres, se encontrava rigorosamente estagnada, no primeiro trimestre deste ano entrou no perigoso território abaixo de zero, de queda.

Essa queda deve aprofundar nos próximos trimestres. Segundo o último Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), um indicador antecedente que serve para o mercado como prévia do PIB, registrou retração de 0,13% entre janeiro e março em relação ao quarto trimestre de 2017. É o primeiro resultado negativo desde o último trimestre de 2016.

Sem saídas

Os demais indicadores da economia são generalizadamente desfavoráveis ao capital instalado no país: forte desvalorização do real frente ao dólar; além da indústria, queda na atividade dos principais setores da economia como serviços, agricultura, minérios etc.; estagnação com tendência de alta do desemprego da força de trabalho (quase 30 milhões de brasileiros desempregados e subocupados); queda do consumo das famílias; deflação persistente dos preços e dos lucros operacionais das empresas etc.

Esse agravamento da situação econômica era inesperado pelos economistas do mercado. Impacta de frente com os planos de reformas neoliberais e de privatizações do governo – principalmente da Petrobrás de Pedro Parente – digníssimo despachante dos fundos abutres e outras imundícies do sistema financeiro internacional.

E o mais importante: impacta catastroficamente nos já delicados esquemas de sustentação política do governo Temer e, principalmente, na eleição e posse de um novo presidente e novo Congresso – capazes de realizar a economia e as reformas que nem Rousseff nem Temer foram capazes.

Outro fato relevante com força geradora da nova etapa: a idealização de todos esses esquemas políticos encontra-se irremediavelmente comprometida sob o peso do reconhecido esfacelamento do tecido econômico de valorização das empresas – a própria realização da eleição ficou agora mais ameaçada do que nunca.

Detalhando um pouco mais os prolegômenos do processo real: na medida em que as variadas frações burguesas urbanas e rurais entram em pânico frente ao futuro econômico das suas empresas e das suas propriedades em geral – todos procuram ao mesmo tempo nos recursos fiscais e tributários do governo a solução para seus problemas. Para escapar da falência as variadas frações burguesas e imperialistas se dividem e se fragmentam em forças defendendo inarredáveis interesses particulares.

Por exemplo, a insolúvel discórdia entre uma parte dessas forças burguesas fragmentadas sobre o preço dos combustíveis, isenção de impostos e desonerações para empresas do setor etc., é consequência direta do atual processo de derrocada estrutural das condições de valorização do capital no país.

A franco-maçonaria burguesa esfacela-se em conflitos intestinos e vê apodrecer sua capacidade de administrar os interesses das classes dominantes em sua totalidade. A fragmentação administrativa se alastra em todos os níveis do Estado. A população em geral não tem mais a mínima confiança nas instituições e seus representantes superestruturais.

Neste quadro de crescente impasse institucional, a burguesia – e suas muito importantes ramificações orgânicas com Washington e demais potências ou instituições imperialistas – coloca na praça a possibilidade de nova e perigosa redefinição das peças no bagunçado tabuleiro institucional.

O delírio militarista

Há o reconhecimento crescente por essas classes proprietárias (nacionais e externas) que elas não são capazes desta vez de encontrar um candidato, como encontraram perfeitamente em Fernando Henrique e Lula da Silva em eleições passadas, para vencer a eleição, organizar o governo junto com o novo Congresso e, finalmente, realizar muitas reformas neoliberais e privatizações imperialistas.

Perdeu-se a ilusão da possibilidade de se criar um candidato/personagem que preencha nos cânones democráticos formais esses requisitos de um novo governo. Como observado acima, essa impossibilidade política decorre do fato que a missão de resolver a crise reservada ao futuro presidente é impossível de ser realizada.

Ora, se na realidade não rola, apela-se para os espíritos. Para, por exemplo, o grande mito de um salvador da pátria. Assim, a burguesia e pequena-burguesia brasileira são tomadas por um súbito sentimento de sebastianismo. Um retorno mítico a Dom Sebastião para organizar a ordem e o progresso da pátria amada esfacelada. Não mais de Portugal, mas do Brasil.

Existe, todavia, um problema. O Dom Sebastião da protoburguesia brasileira não passa de um mambembe e trôpego general de poluídas cinco estrelas, que já está circulando pela praça. Mas que quase não consegue mais se sustentar sobre as pernas e nem mesmo montar em seu cavalo manco.

Mas mesmo com essa caricatural figura, alimenta-se o clamor popular pela intervenção militar no processo constitucional nacional. Esse apelo a uma ditadura militar nos moldes das antigas dos anos 1960/70 é largamente difundido, por exemplo, entre os caminhoneiros que participam do locaute.

Mas o que faria esse D. Sebastião das casernas para destravar a economia? Absolutamente nada. Pelo menos nada que resultasse em algum tipo de mudança na complexa ordem atual. Os milicos dos "anos de chumbo" estão totalmente desatualizados para os problemas dos anos 2010/20.

Decretar novas reformas para empobrecer ainda mais a população trabalhadora? Mais ajuste fiscal para destruir de vez as finanças públicas? Isso não só agravaria ainda mais a situação econômica como a própria necessidade de repressão armada sobre a imensa população proletária dos morros, das comunidades, favelas, mangues e palafitas.

Além do mais, esse Dom Sebastião das sinistras casernas já está presente e agindo na realidade política brasileira atual. Está em todas as partes do território nacional, ora como Polícia Militar, ora como Força Nacional, ora como interventores, como no Rio de Janeiro, etc.

A grande mídia nacional, os produtores da cultura/entretenimento global de massa, artistas, atores, intelectuais da Universidade, o aparelho judiciário, a polícia federal, o próprio sistema eleitoral, as "leis antiterroristas", recentemente implantadas, o sistema presidiário etc. compõem um aparelho repressivo muito mais poderoso, totalitário, do que a antiga ditadura militar dos anos 1960/70. A repressão necessária aos trabalhadores já está presente, é suficiente para as necessidades da democracia no Brasil.

E qual o resultado? Não estão dando conta nem da "pacificação" da cidade do Rio de Janeiro. E nunca vão dar. Nem a Rocinha foi ainda "pacificada" pela intervenção do covarde exército de Temer/Jungmann. É esse mesmo exército, que não tem um tostão em caixa, que vai dar conta de colocar um milico em cada esquina de cada cidade dos 8.516.000 km² do território nacional? Missão impossível.

O que virá?

Por último, mas não menos importante, muito pelo contrário. Na atual conformação econômica e geopolítica global destes anos 2010/2020, os estrategistas do império, centralizados principalmente em Washington, são um pouco mais responsáveis que as burguesias cucarachas que eles criaram e controlam na América Latina.

Dificilmente Washington dará a senha de autorização (como sempre fizeram no passado e no presente) a esses seus desesperados capachos brasileiros para a aventureira tolice de romper em definitivo com a ordem constitucional e institucional do país. Nem mesmo "provisoriamente", com a promessa de que a eleição foi apenas adiada "por algum tempo".

Os estrategistas do império em Washington e alhures dificilmente bancarão essa idiotice de um mambembe sebastianismo tropical. Não porque eles sejam grandes beneméritos da paz, mas porque sabem de antemão que o cenário mais provável de um anacrônico e ineficiente regime militar na maior economia da América Latina apenas anteciparia a catástrofe social.

Sabem de antemão que a eclosão da guerra civil e a possibilidade de revolução no Brasil seria apressada com a ilusão burgo-imperialista brasileira, no desespero do atual vazio da ordem econômica e social em acelerado grau de putrefação, de tentar repetir agora o que eles fizeram com certa eficiência em 1964 e anos seguintes do século passado.

O que fazer então? Mesmo esses competentes estrategistas do Departamento de Estado e outras instituições da inteligência em Washington não sabem a receita a ser aplicada para seus vassalos burgueses brasileiros.

Tudo está em aberto. A única certeza é um enorme vazio histórico para o regime democrático e capitalista brasileiro.

E na esteira deste providencial vazio de fragmentações das classes dominantes e de apodrecimento de seu aparato militar e repressivo imperialista, a possibilidade da emergência material da velha toupeira, cheia de vontade para trabalhar e tentar, uma vez mais, revolucionar o mundo e enterrar para sempre essas velhas ordens e progressos de sufocantes pátrias e nações da civilização.


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José Martins é economista e coordenador do Núcleo de Estudos Políticos 13 de Maio.
O original encontra-se em criticadaeconomia.com.br/guerra-civil-no-proximo-pedagio/
 

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