Correio da Cidadania

Rio de Fevereiro

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Com um saldo terrível de seis pessoas mortas, centenas de árvores derrubadas e inúmeros danos materiais a residências, edifícios públicos e comerciais, à infraestrutura da cidade etc., tudo indica que os impactos da enxurrada que lavou o Rio de Janeiro são bem maiores do que teriam sido caso medidas básicas de prevenção e uma gestão minimamente decente de risco tivessem sido adotadas. Tendo gasto apenas 22% do orçamento previsto para controle de enchentes e contenção de encostas, é óbvio que o prefeito Marcelo Crivella (PRB) tem culpa no cartório.

Mas este texto pretende se dedicar a uma reflexão um pouco mais além (ressalto que isso não pode servir de modo algum para isentar nenhum gestor, a começar do prefeito da cidade debaixo d'água, de suas responsabilidades mínimas).

Haveria menos alagamentos não fosse o lixo nas galerias pluviais... A água não escoaria tão violenta se a cidade não fosse tão impermeabilizada... Os pobres seriam menos impactados se as construções fossem adequadas e fora de locais de risco... O alerta e o socorro seriam mais eficazes se um péssimo prefeito não tivesse sucateado órgãos responsáveis e cortado verbas para as ações durante enchentes... Os R$ 564 milhões que deixaram de ser repassados para ações de controle de enchentes e contenção de encostas certamente fizeram falta, e muita.

Mas é preciso, mais do que nunca, que se diga: as chances de uma tempestade como a que desabou sobre o Rio de Janeiro seriam menores se o planeta não estivesse mais quente do que há pouco mais de um século! Toda tempestade, no mundo de hoje, se desenvolve numa atmosfera com 46% a mais de CO2 e com temperatura 1°C mais quente do que a dos tempos pré-industriais e isso faz toda a diferença!

Para quem tiver interesse em se aprofundar um pouco mais, a Física por trás é relativamente simples, dada pela chamada "Relação de Clausius-Clapeyron" que estabelece que a pressão de vapor de saturação cresce (quase) exponencialmente com a temperatura. A consequência prática dessa relação é que a cada 1°C, a capacidade da atmosfera em armazenar vapor d'água cresce em aproximadamente 7%. Ora, se quanto mais quente a atmosfera, mais vapor d'água ela será capaz de armazenar, por conseguinte também haverá mais água para ser despejada depois que ele se condensar.

Claro, sempre choveu e sempre houve, ocasionalmente, precipitações extremas. Mas a conclusão é que eventos extremos de precipitação (e seus impactos como inundações, deslizamentos etc.) são exacerbados com o aumento da temperatura. Temos reiterado: um clima mais quente é um clima de extremos.
 

Evolução da temperatura média global (continentes e oceanos) de 1880 a 2018, segundo a NASA. Fonte: NASA-GISS.


E se é para falar de um clima mais quente, as evidências nunca foram tão nítidas após a divulgação dos dados consolidados de 2018 pelas agências dos EUA que monitoram o clima: NASA e NOAA. 2018 não foi um recordista (ficou em 4º lugar no ranking), mas os cinco anos mais quentes do registro histórico foram exatamente os cinco anos mais recentes. Os sete anos mais quentes são todos de 2010 para cá. Entre os 10 mais quentes, apenas 1998 não pertence a este século e é quase certo que 2019 vai chutá-lo para fora desse conjunto.

Prevenção é fundamental e seguiria sendo mesmo se não houvesse mudanças climáticas. Adaptação é essencial e seguiria sendo mesmo se estivéssemos fazendo direitinho o dever de casa de reduzir as emissões a fim de estabilizar o clima e conter o aquecimento global em patamares menos inseguros.

Mas não dá pra ficar nisso. No varejo. No local. Não dá mais para assistir a tragédias como a que se abateu sobre o RJ e não falar da relação de eventos extremos com o aquecimento global. Virão tempestades violentas com mais frequência e ainda maior intensidade a cada décimo de grau que a temperatura do planeta subir.

Combater as emissões de gases de efeito estufa (CO2, metano, óxido nitroso, halocarbonetos) é tarefa para lá de urgente. Abandonar os combustíveis fósseis, pôr um fim ao desmatamento e adotar outras medidas para evitar que a temperatura global suba descontroladamente é tão urgente quanto coletar o lixo e equipar a defesa civil.

 

Alexandre Araújo Costa é cientista do clima.

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