Correio da Cidadania

Em defesa do financiamento público

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O formato atual de financiamento das campanhas eleitorais é um fator incontrolável de corrupção.  Nos grandes escândalos que estarreceram a todos nas últimas décadas (PC Farias, pasta rosa, privataria tucana “no limite da irresponsabilidade”, mesa da Lunus, Delúbio-Marcos Valério, mensaleiros, sanguessugas, a lista é interminável), se puxar o fio da meada, em quase todos os casos, o móvel do crime é o mesmo: o financiamento privado das campanhas.

 

Além de atropelar a ética, esse tipo de financiamento engrossa o caldo das aberrações que marcam a nossa cultura política. As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo. O sistema de “lista aberta”, ao estimular a competição individual entre os candidatos, inviabiliza a campanha coletiva e programática. Resultado: guerra de todos contra todos, bases “personalizadas” e custo alto.  São pouquíssimos os países que permitem aos candidatos arrecadar e despender fundos de campanha, na maioria dos casos uma competência exclusiva das organizações partidárias. Aqui é a regra. Partidos fracos e sem programa nítido, os candidatos montam máquinas pessoais voltadas para a distribuição de bens e montagem de clientela.

 

Além de caras, as campanhas se organizam de tal forma que torna impossível a fiscalização efetiva sobre elas. Os dados sobre financiamento de campanha são um mistério profundo. A ferocidade da competição entre milhares de candidaturas individuais, que arrecadam e gastam fora de qualquer controle, criam um quadro caótico. A justiça eleitoral só acompanha e mal fiscaliza os gastos declarados do “caixa um”. Do “caixa dois”, os famosos “recursos não declarados” (uma pálida expressão na política da sonegação fiscal que grassa na vida econômica das empresas que contribuem) só se sabe quando estouram os escândalos.

 

Os dados, precários, pois se limitam aos gastos declarados, sobre os financiadores de campanha revelam que no Brasil, mais do que em qualquer outro país do mundo, há um peso desmedido das fontes empresariais. A contribuição cidadã, pessoas físicas, é diminuta (só para comparar: EUA, pleito de 1984, 10% dos eleitores registrados contribuíram. Brasil, pleito 1994, menos de 0,1%. Em número de pessoas: 10 milhões contra 75 mil).  Um pequeno número de grandes empresas domina o mercado de financiamento de campanha, particularmente o setor financeiro, as grandes empreiteiras da construção, a indústria pesada e, mais recentemente, os novos barões do setor privatizado.

 

Este é um formato de financiamento que, se mantido, perpetua o “status quo” e estreita os vínculos entre as elites políticas conservadoras e os interesses empresariais das grandes corporações, criando obstáculos intransponíveis para que novos valores e interesses sociais conquistem espaços nas instituições representativas. O cenário das últimas eleições (reduziu-se o espaço dos candidatos de opinião, escancarou a formação de bancadas das grandes corporações, a eleição presidencial foi a mais cara da história) é um belo exemplo da relação promíscua entre o poder público, os candidatos eleitos e aqueles que financiaram suas campanhas.  

 

Só há uma saída para quebrar o círculo vicioso: o financiamento público de campanha. Para garantir a independência e a viabilidade dos candidatos e dos eleitos ante o poder econômico, além de salvaguardar o princípio da igualdade na disputa, o financiamento público precisa ser exclusivo, com pesadas punições para quem violá-lo. Para funcionar de maneira justa, é necessário que se estabeleça um teto de gastos para cada cargo em disputa, além da montagem de um rigoroso aparato de fiscalização sobre o uso do fundo público eleitoral. O direito de voto assegurado de maneira igualitária ao cidadão requer que o direito de “ser votado” não sofra a interferência indevida do poder econômico. Esse é o sentido maior da luta em defesa do financiamento público.

 

 

Léo Lince é sociólogo.

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