Correio da Cidadania

São Paulo vê retomada do carnaval de rua e grande número de blocos

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O Brasil se prepara para se atirar em mais um carnaval, com praticamente uma semana de festas por todo o território nacional, para muitos o verdadeiro rito de passagem ao novo ano. Em São Paulo, o clima não é diferente e, inclusive, sente-se no ar uma sensação de novos tempos, com um número de desfiles de blocos carnavalescos (quase 200) altamente superior ao que vinha sendo verificado nos últimos anos.

 

Como tudo na vida, tal momento, marcado pela euforia e festividade quase sem limite, também tem seus traços políticos, desde a possibilidade de uso do espaço público até o próprio conteúdo das questões que serão entoadas pelas ruas.

 

“O nosso bloco do Saci da Bixiga surgiu a partir da necessidade de resgatar o carnaval para o povo, de forma verdadeira, sob o lema ‘diversão e contestação’. Hoje, te obrigam a pagar uma grana alta para poder participar, lá no Anhembi. Ou a ficar em casa vendo televisão”, disse Claudimar Gomes dos Santos, em entrevista ao Correio da Cidadania.

 

Claudimar também é um dos responsáveis pela manutenção do ECLA (Espaço Cultural Latino-Americano), berço do bloco, que neste ano sairá às ruas com tema “50 Anos de Resistência à Ditadura”, nos dias 1 e 4 de março, pelo centro de São Paulo. Na conversa, ele ainda falou sobre uma mudança de postura da prefeitura de Haddad, em relação ao uso das ruas e espaços públicos. “Um avanço”.

 

A entrevista completa, novamente realizada em parceria com a webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

 

 

Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, você pode nos contar como se deu a formação do bloco denominado Saci da Bixiga?

 

Claudimar Gomes dos Santos: Surgiu de uma ideia nossa no ECLA (Espaço Cultural Latino-Americano), no começo de 2010.

 

O nosso bloco surgiu a partir da necessidade de resgatar o carnaval para o povo, de forma verdadeira, pois o que existe hoje não é o carnaval popular tal como surgido. A burguesia se apropriou desse carnaval e o transformou em um evento. Te obrigam a pagar uma grana alta para poder participar, lá no Anhembi. Ou, melhor ainda, para orgulho da Rede Globo, obrigam a ficar em casa vendo televisão, engolindo tudo quanto é comercial que a TV impõe.

 

Mas entendemos que carnaval não é assim. É povo na rua, sem grande organização. Tem caráter anárquico e por isso nos recusamos a participar da União de Blocos de São Paulo. O carnaval tem de ser do jeito que se quiser, com a roupa que se quiser. No Saci, vendemos camisas, mas não são obrigatórias, para custear despesas. No mais, aceitamos doações, mas somente de sindicatos, organizações de trabalhadores e alguns outros companheiros. Fora isso, nenhuma outra forma de contribuição.

 

O bloco surgiu da ideia de resgatar o carnaval para o povo, sob o lema “diversão e contestação”. É muito gostoso brincar e ir pra rua, mas não podemos esquecer das questões sociais. No primeiro ano, saímos com o tema Moradia; no segundo ano, Democratização da Comunicação; no ano passado, Poder Popular Contra a Opressão; e neste ano, 50 Anos de Resistência à Ditadura.

 

Correio da Cidadania: Tem alguma relação com o chamado Cordão da Mentira, que promove desfiles com temáticas relacionadas à ditadura?


Claudimar Gomes dos Santos: O Cordão da Mentira é formado por amigos, parceiros, tocamos músicas uns dos outros. Não é a mesma coisa, mas eles se reúnem e ensaiam aqui no ECLA, onde se concentra o Saci da Bixiga.

 

Correio da Cidadania: Qual a participação do ECLA na formação do bloco e também quais os objetivos e esforços desse espaço em si?

 

Claudimar Gomes dos Santos: Sempre tive participação nas atividades culturais do PCB, partido no qual militava. E quando procuramos um espaço para alugar, vimos que esse, onde viríamos a instalar o ECLA, era muito grande. A ideia era apenas continuar com o cineclube. Mas como o espaço era bem maior, vimos que dava pra começar a abri-lo para os músicos, o pessoal do teatro, e deixá-lo apto a ensaios e apresentações. Assim, fomos desenvolvendo o lugar.

 

O problema era custear o espaço de forma independente. Então, colocamos um barzinho lá dentro, onde nós mesmos trabalhamos, para garantir a manutenção. É a forma que encontramos de manter a independência do ECLA. É um espaço aberto a todas as organizações e movimentos sociais de esquerda, além de todas as pessoas envolvidas na cultura e na transformação da sociedade.

 

Correio da Cidadania: Qual a expectativa para o Carnaval deste ano? E, dentro disso, como enxerga a relação do poder público de São Paulo com a ocupação das ruas e espaços públicos, inclusive com finalidades festivas?

 

Claudimar Gomes dos Santos: No ano passado, saímos com 3000 integrantes no Saci da Bixiga. A expectativa é de que o número aumente neste ano. Tivemos alguns avanços em relação à prefeitura. O Haddad baixou um Decreto que facilitou um pouco, a respeito do pagamento à CET. Por outro lado, sentimos uma certa resistência da polícia militar.

 

Na segunda-feira passada (17), recebi um telefonema do quartel da área, chamando para uma reunião dos blocos de carnaval, na terça, 10 da manhã. Imaginei que fosse reunião com todos os blocos daqui do centro, para discutir com a polícia como todos poderiam contribuir na organização. A surpresa foi que após chegar lá vimos que não tinha representante de nenhum outro bloco, a não ser o nosso. Conversamos e o major me fez todas as perguntas sobre as quais já tinha resposta, dentro de um ofício que já tinha sido encaminhado a ele. Tratava-se do número de participantes, trajeto, horário etc. Ficamos com uma certa preocupação porque nosso tema do ano é “50 Anos de Resistência à Ditadura”, o que talvez tenha chamado atenção deles.

 

No entanto, nunca tivemos nenhum problema nos três anos de desfiles. Participam crianças, de colo inclusive, pessoas de idade e a comunidade da Bela Vista, que por sinal nos cobra na rua a respeito de quando o bloco sairá.

 

Ficamos preocupados. Não por uma ação legal, porque eles não têm o que fazer quanto a isso. Nem o Estado e nem a polícia têm como agir legalmente pra impedir ou coibir a saída do bloco. Nosso temor é sobre algum tipo de provocação ou coisa parecida, para tentar inviabilizar e tentar jogar a culpa na esquerda, como sempre fazem.

 

Mas estaremos de olho, com colegas descaracterizados do bloco sondando todo o percurso. Apesar da presença da PM, teremos nossos companheiros de olho. E já adianto que se tivermos algum problema, terá sido por conta da polícia militar.

 

Correio da Cidadania: Ainda assim, você acredita que estamos num momento de mudança de rumos, com uma nova visão de política cultural, ao menos por parte da nova prefeitura, mais ativa e permissiva a tais eventos e formas de promoção da cultura e do lazer?

 

Claudimar Gomes dos Santos: Há uma política muito mais permissiva. Quando o bloco é filiado à União dos Blocos de SP, aparece no calendário oficial da São Paulo Turismo e fica isento de taxas. Aliás, ainda recebe verbas. Como somos independentes, e fazemos questão de ser, no ano passado pagamos uma taxa de R$ 2050 à CET. Neste ano, não pagamos, mas a prefeitura subsidiou. Ela que pagou a CET. Foi um avanço.

 

Além disso, estive em reunião na prefeitura nesta quinta-feira (27). Como disse, naquele dia o major me pediu a carta de autorização da CET e da prefeitura. Mas falei que só pegaria na semana seguinte. E que a prefeitura não emite nenhuma autorização. Ela simplesmente é comunicada. Como diz o artigo 5º da Constituição, o poder público só precisa ser comunicado da manifestação. Nada mais. Mas o major me obrigou a ir na subprefeitura da Sé. Relatei o problema e recebi uma carta da subprefeitura, na qual ela se dizia ciente da nossa participação. De toda forma, tivemos avanço.

 

Correio da Cidadania: Como vocês que desfilarão no Cordão da Mentira enxergam o Brasil de hoje, mais de 20 anos após a chamada transição democrática? Você faria relações entre o cinquentenário do golpe de Estado e a atual dinâmica das lutas políticas, dentro de um ano que promete ser efervescente?

 

Claudimar Gomes dos Santos: Falou bem. São mais de 20 anos da pseudo-transição democrática. Uma coisa é termos os direitos garantidos pela Constituição, a liberdade de manifestação. É bom. Mas tem governos, como por exemplo o governo do estado de SP, que ainda promovem ações típicas de quem está com saudade daquela ditadura, como se vê nas ações da polícia deste estado.

 

E é bom também lembrar que tal tipo de ação (ditatorial) já aconteceu recentemente, via polícias militares, na Bolívia e no Equador. E, por vias jurídicas, no Paraguai e Honduras. Enfim, há alguma coisa no ar que não são aviões de carreira.

 

Clique aqui para ouvir o áudio da entrevista.


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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.


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