Correio da Cidadania

7) O pacote favorece a reforma urbana e o cumprimento da função social da propriedade?

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Na ânsia de poder viabilizar o máximo de empreendimentos, o poder local ficará refém de uma forma predatória e fragmentada de expansão da cidade. O "nó da terra", na expressão de Ermínia Maricato, permanece intocado (uma vez que os instrumentos do Estatuto da Cidade – como o IPTU progressivo, a dação em pagamento e a urbanização compulsória não foram implementados em 99% dos municípios brasileiros) e seu acesso se dará pela compra de terrenos por valores de mercado (ou ainda acima destes) para felicidade dos proprietários de terra. O modelo de provisão mercantil e desregulada da moradia irá sempre procurar, no caso brasileiro, a maximização dos ganhos por meio de operações especulativas com a terra. Isso porque o mercado imobiliário no Brasil é eminentemente "patrimonialista" (no sentido de procurar a valorização de forma dissociada ou prevalente em relação ao circuito de reprodução produtiva do capital) e trabalha com incrementos na renda fundiária. O que quer dizer que grande parte do subsídio público para a provisão habitacional será capturada pelo capital enquanto propriedade, cujos ganhos são especulativos, ou seja, derivam da variação de preços dos ativos – mas também pelas grandes empresas que associam produção e rentismo sob o mesmo comando.

 

Do ponto de vista urbanístico, esse modelo favorece, no caso da provisão de 0 a 3 salários (mas não só), a produção de casinhas térreas em grandes conjuntos nas periferias urbanas ou mesmo em área rural que será transformada em área urbana (nesse caso o custo da terra, próximo a zero por m², permite o maior ganho de incorporação de renda diferencial possível). Basta lembrar que a mudança na legislação do uso do solo e a definição dos limites do perímetro urbano passam pelas Câmaras Municipais, que tradicionalmente representam os interesses dos principais proprietários de cada cidade e de suas entidades de classe. A máquina patrimonialista-rentista é posta a funcionar enquanto fortalece o modelo de espraiamento urbano, que é oneroso para o poder público e para a sociedade como um todo.

 

Não há nada no pacote que estimule a ocupação de imóveis construídos vagos (que totalizam mais de 6 milhões de unidades, ou 83% do déficit, segundo dados da Fundação João Pinheiro para o ano 2000), colaborando para o cumprimento da função social da propriedade. A existência desse imenso estoque de edificações vazias é mais um peso para toda a sociedade, pois são em sua maioria unidades habitacionais providas de infra-estrutura urbana completa, sendo muitos inadimplentes em relação ao IPTU (em diversos países da Europa, por exemplo, imóveis vazios pagam mais impostos dos que os ocupados, forçando seu uso). A constituição de fundos públicos para fomentar aquisição, desapropriação e aluguel subsidiado de imóveis isolados é uma política existente em diversos países como forma de minimizar o déficit, combater a ociosidade imobiliária e o espraiamento urbano, ao mesmo tempo em que permite o atendimento imediato de famílias em situação de risco e colabora com certa mistura social, inserindo-as em áreas já urbanizadas.

 

O que prevalece, contudo, é a lógica produtivista, de execução de novas unidades, que mais interessa ao setor da construção. Mesmo nesse caso, não há incentivo às construtoras para que promovam a produção adensada em áreas mais centrais, em lotes menores inseridos na malha urbana ou para reforma de edifícios (isso seria simples, por meio de um escalonamento de valores inversamente proporcional ao número de unidades habitacionais, de modo a privilegiar conjuntos e terrenos menores ao invés de grandes conjuntos periféricos, o que também favoreceria as empresas menores e locais).

 

O pacote, tal como proposto, irá estimular o crescimento do preço da terra como um todo (a menos que a cidade entre em colapso e os preços despenquem), favorecendo ainda mais a especulação imobiliária articulada à segregação espacial e à captura privada de investimentos públicos. Assim, a política habitacional de interesse social se tornará cada vez mais inviável, dado o crescimento do preço dos terrenos, o que poderá ser, ironicamente, mais uma justificativa, por parte do mercado e da tecnocracia, para que se atenda apenas as faixas de rendimento acima de 3 salários mínimos.

 

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