Correio da Cidadania

Anti-infância

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Existe um consenso generalizado entre aqueles que vivem fora da esfera comercial do reino da auto-ajuda, de que o mundo está piorando. Os mais renitentes encontram sinais agora indefectíveis na situação ecológica do planeta, cuja gravidade já forçou até à mídia um tímido chamar de atenção.

 

Mas existe uma esfera da convivência urbana onde essa constatação é inequívoca: as reuniões de condomínio. Embora já não more em prédio, vivi durante anos em um e pude observar que há uma tendência praticamente geral neste tipo de organismo de gerenciamento da vida comunitária de proposição e aprovação de medidas anti-infância.

 

Em muitos anos de condomínio, jamais ouvi uma proposta a favor da ampliação dos espaços e da brincadeira das crianças. Pelo contrário: propõe-se calçar o pequeno gramado; espremer os poucos brinquedos para criar mais garagem; limitar o horário de brincadeira para que o barulho não perturbe o jornal nacional ou a novela; restringir a área permitida à circulação infantil; e por aí vai.

 

Em contra-partida, a segurança tornou-se uma obsessão que segue um padrão próximo à guerra preventiva do Bush. Câmeras são instaladas; luzes que acendem automaticamente nas calçadas e ofuscam o passante ou visitante; câmeras nos elevadores; dois portões na portaria; entregador de pizza não entra; e quem vai pegar a pizza não sai. E se perguntado se aconteceu algo que justifique o incremento das medidas e aparatos, a resposta é fácil: “ainda não”.

 

O contraste é revelador das tendências da nossa sociedade: o futuro é aprisionado pelo medo do presente.

 

A criança não pode pisar na grama; não pode brincar embaixo à noite; não pode gritar; não pode fazer tantas coisas que, depois, não é surpresa que seu melhor amigo seja a televisão.

 

Nossa sociedade já restringe fortemente os espaços de sociabilidade comunitária. A vizinhança dificilmente significa uma relação de intimidade e a rua, um lugar de encontro.

 

Nos prédios, existe a possibilidade de estimular este convívio ameaçado em um espaço bastante protegido. E, no entanto, os próprios moradores parecem encarar a convivência como ameaça e a brincadeira como barulho.

 

Proteger a infância é cuidar da humanidade. Permitir que a criança exerça o seu brincar, a sua sociabilidade, explore seu espaço, invente seus jogos, gaste sua energia, descubra o outro e a si mesmo através do grupo: isso é simplesmente uma escola para a formação de individualidades saudáveis.

 

Pelo contrário, a permanente restrição da iniciativa e do movimento vital da criança gera duas respostas. De um lado, forma indivíduos inseguros com relação à vida, aos outros e a si mesmas. Sem espaço para experimentar-se, com sua espontaneidade permanentemente tolhida pelo não, a vida se lhe afigura como um conjunto de limitações e não de possibilidades. Uma ameaça e não um convite.

 

De outro lado, a negação persistente estimula, a longo prazo, a busca de vivências clandestinas da transgressão. É tanta proibição que, quando realmente se quer, é melhor fazer escondido. Os limites entre o que é realmente perigoso e aquilo que o adulto proíbe por preguiça ficam indiscerníveis. Está arado o terreno no futuro para experiências proibidas não somente em casa, mas pela sociedade. A cisão da personalidade e os distúrbios psicológicos comuns do nosso tempo são apenas conseqüências.

 

A integração pessoal é um desafio ao capitalismo no plano da individualidade, e que começa pela infância. Por isso, a defesa da criança e da infância deve ser uma bandeira dos socialistas, em aliança tática com todos os vizinhos de bem!

 

 

Fábio Luís é jornalista.

 

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