Correio da Cidadania

Raposa do Sol, juros e Isabella Nardoni

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O presidente Lula é mesmo um homem de sorte. Não fosse o caso Isabella Nardoni, que comoveu e mobiliza o país, dois assuntos estariam tomando muito mais a atenção dos brasileiros, ambos bastante negativos para o governo federal: o conflito entre os "arrozeiros" e indígenas da reserva de Raposa do Sol, que quase descambou no final da semana passada para uma crise militar; e o aumento da taxa básica de juros, a Selic, em meio ponto percentual.

 

É possível até que os dois temas voltem à baila quando o caso Nardoni esfriar, o que pelo visto não vai acontecer tão cedo, tamanha a cobertura que a bárbara morte da garota vem recebendo na mídia, mas até lá é provável que tanto o conflito em Roraima quanto o debate em torno da decisão do Copom também tenham esfriado.

 

No episódio de Raposa do Sol, talvez pior para o governo do que o conflito em si e polêmica em torno da operação da Polícia Federal para retirar os não-indígenas da reserva tenha sido a reação do general Augusto Heleno, comandante-geral da Amazônia, que criticou abertamente a política de Lula para os índios. Inabilmente, o presidente tentou dar um cala-boca no militar, e recebeu de volta uma ameaça velada do Clube da Aeronáutica: "Que o presidente não se atreva a tentar negar-lhe [ao general Heleno] o sagrado dever de defender a soberania e a integridade do Estado brasileiro", diz uma nota divulgada na sexta-feira. O princípio de crise em um setor tão sensível do governo foi debelado com o recuo do presidente na advertência formal ao general, que deveria ser feita pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da demarcação da reserva de Raposa do Sol, que deve ocorrer em breve, pode tanto encerrar a crise (se o STF decidir pela inconstitucionalidade, dando razão aos militares, neste caso o governo terá fazer uma nova demarcação, descontínua e preservando a fronteira, como defende o general Heleno) ou ganhar um novo capítulo, se os ministros decidirem pela legalidade da demarcação contínua – neste caso, caberá à Polícia Federal realizar a retirada dos arrozeiros, que não parece uma tarefa das mais tranqüilas.

 

Já o episódio do aumento da taxa de juros certamente voltará à tona na próxima reunião do Copom, mas até lá muitas das vozes hoje críticas acabarão se rendendo ao pragmatismo de Henrique Meirelles. Ademais, este é um tema que os economistas gostam de debater, mas que desperta pouco interesse do povão. No fundo, e Lula sabe disto, a grande maioria da população se importa mesmo é com o controle dos preços, especialmente dos alimentos. A estabilidade reelegeu Fernando Henrique e ajudou Lula em 2006 e não vai ser um aumento pontual na taxa de juros que vai alterar a popularidade do presidente. No meio acadêmico, porém, a estratégia de Meirelles é vista como ineficaz por muitos analistas, para os quais simplesmente não existem no Brasil as condições de pressão sobre a demanda que o Banco Central está enxergando.

 

Lula, porém, realmente tem mais sorte do que o resto dos mortais: nos dois casos ocorridos na semana passada, ele teve a inusitada ajuda da oposição. Sim, tanto no episódio da alta dos juros como no de Raposa do Sol, o presidente foi socorrido não pelos seus companheiros da base aliada, muitos dos quais criticaram duramente o aumento dos juros, mas pelos adversários do PSDB e DEM. Os senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM) e Agripino Maia (DEM-RN) declararam em alto e bom som que a alta da Selic foi uma decisão acertadíssima, que se fazia necessária, e hipotecaram solidariedade a Henrique Meirelles. Já na crise com os militares, o mesmo Virgílio fez um discurso inflamado desqualificando o general Heleno e censurando os termos em que o comandante havia se pronunciado - segundo o tucano, um militar da ativa não pode realizar pronunciamentos de caráter político.

 

Como se vê, Lula tem tanta sorte que quando lhe faltam companheiros para a defesa em temas espinhosos, a oposição não se faz de rogada e dá uma mãozinha ao presidente. Realmente, Fernando Henrique tem mesmo que invejar Lula...

 

Luiz Antônio Magalhães é editor de política do DCI e editor-assistente do Observatório da Imprensa (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/).

Blog do autor: http://www.blogentrelinhas.blogspot.com/

 

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