Correio da Cidadania

A constância do Fisco galináceo

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Um antigo companheiro de repartição fazendária, leitor do meu último artigo – Titica de galinha –, protesta contra a afirmação contida ali, de que o componente do reino animal que melhor representa o Fisco federal é a galinha, e não mais o leão.

 

Realmente, em matéria de voracidade e de apetite pantagruélico, o leão ganha da galinha. Utilizando esse atributo como predominante, o leão ganha da galinha, até porque o apetite federal tem sido tão intenso e ele está tão desenvolto em suas comilanças que, surpreendentemente, devora as galinhas que poriam, no futuro, os ovos de ouro. Come tanto, fome arrecadatória alucinada, que compromete o futuro do universo de contribuintes, suas vítimas, e vai além do que seria razoável e adequado à capacidade contributiva.

 

Lembrei, a esse leitor, que um dos atributos deferidos à galinha pela linguagem popular não foi, pensadamente, atribuído ao Fisco-galinha. Trata-se da volubilidade e inconstância das suas preferências sentimentais, em terminologia mais atual, preferências sexuais.

 

Realmente, entre os atributos do Fisco-galinha, nesse referido artigo citado – de ir enchendo o papo de grão em grão, vôo curto, pegando apenas a classe média e a trabalhadora, e sua base de operação ser o poleiro, com todos os sedimentos que o compõem –, não foi mencionada a sua volubilidade.

 

Efetivamente, há uma constância federal no ataque aos bolsos dos contribuintes e caixas das empresas que é imprópria à galinha. O método de ir pegando aqui e ali, ir ciscando para se alimentar, é incapaz de alcançar os poderosos, cauteloso que é na escolha de quem moer, pegando os indefesos econômica e politicamente – a classe média e a trabalhadora; por isso a minha eleição de galinha como símbolo representativo do Fisco. Como toda eleição, apresenta imperfeições. Concordo que a escolha não é perfeita e que tem inadequações.

 

Não sou biólogo, veterinário ou bicheiro, para meter-me a utilizar animais nos meus artigos. Mais prudente ficar na área em que ganho a vida – a tributária. E nessa, volto a utilizar uma qualidade desclassificatória da galinha como representante do Fisco Federal. A constância em importunar e infelicitar o padecente tributário.

 

É que nesse início de ano, nesse hiato, entre as festas do final de 2008 e o início de 2009 e o carnaval que se aproxima, o calendário tributário está concentrado no imposto de renda.

 

Há um trabalho que vem de longe, para descaracterizar o conceito de renda, para centrá-lo na receita e nos rendimentos brutos. Na pessoa física, existem os rendimentos auferidos pelas pessoas, retiram-se as deduções (despesas necessárias à obtenção desses rendimentos e outras consideradas socialmente úteis ou relevantes) e finalmente se obtém a renda. Na pessoa jurídica, há a receita bruta, retiram-se os custos e despesas operacionais e se tem o lucro.

 

Rendimentos e receita não constituem renda a ser tributada. Tem havido tentativas de prostituir a definição de renda, esboçada na Constituição e descomposta no Código Tributário Nacional. A Lei Complementar nº. 104, de 10/01/2001, que introduziu dois parágrafos ao artigo 43 do referido Código, que realiza a definição precisa do que seja renda, foi conspurcada pela introdução desses dois elementos – rendimentos e receita. Tentativa frustrada, mas que deixou registrada a impropriedade e a tentativa prostituidora.

 

Violência maior tem sido a restrição, no imposto de renda da pessoa física, ao princípio da personalização do imposto. Observá-lo implicaria prover uma série vasta de hipóteses de deduções, para diferenciar os seus contribuintes, na apuração final desse tributo. Tão limitadas são as deduções hoje previstas, tão insuficientes para dar efetividade à personalização desse imposto, que em realidade está-se tributando rendimentos brutos, o que vai, se houver adicionalmente uma gota d’água representativa da cupidez arrecadatória, configurar tributação sobre rendimentos brutos, o que é inconstitucional. Outro dia o presidente Lula exortou o povo a consumir mais. Para tanto, há que se melhorar as disponibilidades de recursos em seu poder. Um caminho é reduzir a espoliação tributária no imposto de renda.

 

Osiris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.

 

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