Correio da Cidadania

Fim da crise econômica é ilusória e momentânea

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Temos lido e visto com freqüência notícias alvissareiras sobre o fim da crise econômica, especialmente daquela que se abateu sobre a economia brasileira desde o último trimestre de 2008.

 

Em resposta às políticas econômicas, houve sucessivas reações dos mercados externo e interno nos dois últimos trimestres em termos de produção, emprego, comércio externo e consumo interno. A partir destes sinais, especula-se sobre o fim da crise econômica e a retomada do ciclo de crescimento da economia mundial e, dentro desta, da economia brasileira. Mas esta é apenas a parte visível e conjuntural de um fenômeno mais complexo: o funcionamento da economia mundial e sua tendência recorrente a crises financeiras nos últimos 30 anos, cada vez mais freqüentes e profundas.

 

As medidas de salvação financeira e reativação da economia produtiva que o governo Obama desencadeou na economia norte-americana, há pouco mais de seis meses, aparentemente funcionaram no sentido de repor nos trilhos os vagões principais da composição sistema financeiro/complexo habitacional/indústria automobilística. Mas há também medidas direcionadas à mudança do padrão de consumo energético, manejo ambiental e implantação de um sistema público de saúde.

 

Por sua vez, aqui no Brasil, os efeitos secundários da crise externa chegaram mais fracos. O comércio externo sofreu retração menor, pelo fato de que sua ligação principal era e é com "produtos básicos", enquanto que a demanda interna manteve-se relativamente protegida nos segmentos de mais baixa renda, que dependem dos gastos de política social (ao redor de ¼ do PIB).

 

Houve também desonerações fiscais importantes, dirigidas ao setor automobilístico e a certos segmentos de bens duráveis, que também funcionaram no sentido de se contrapor ao declínio de vendas nesses setores. Mas foi principalmente a queda na taxa de juros que liberou recursos fiscais (do superávit primário) para se contrapor à queda de arrecadação tributária. Esta, juntamente com o aumento dos gastos primários requeridos para fazer política fiscal anticíclica, pôde ocorrer sem aumento líquido significativo da Dívida Pública, porque os juros internos cadentes viabilizaram declínio do superávit primário.

 

Todo esse arranjo de superação da crise econômica interna e externa mantém até aqui intocados os elementos estruturais do sistêmico econômico. Vou me restringir ao caso brasileiro porque aqui é mais profunda a resistência estrutural. Nossas relações econômicas internacionais continuam sustentados pelo binômio abertura integral ao capital financeiro externo e especialização na produção de "commodities". Nosso padrão de consumo de bens duráveis industriais continua a expressar um perfil de prioridades, reflexo da estrutura da riqueza concentrada na sociedade. Nosso padrão de emprego continua a reproduzir baixos salários, ocupações precárias, com crescentes requerimentos de compensação pela política social. Não há sinais de aumento do desemprego aberto (desempregados procurando emprego). Nossa matriz energética e política ambiental continuam cativas do modelo herdado do "desenvolvimentismo" do pós-guerra. Nossa estrutura agrária ultra concentrada tende a se concentrar mais ainda, face à especialização ao estilo "plantation for export" que vimos perseguindo.

 

E finalmente há uma economia política que sustenta esse pacto de poder, hoje fortemente ancorado nos setores primários exportadores e na liberalização financeira.

 

Esses elementos estruturais intocados, resistentes de forma subliminar ou agressiva a mudanças, no sentido de um novo estilo de desenvolvimento, são os ovos da serpente que infelizmente irão repor mais adiante os termos da crise econômica, social e política do Brasil.

 

Não nos iludamos com aparências, por mais que nossos desejos de ver a luz no final do túnel sejam legítimos.

 

Infelizmente, o momento da crise econômica atual não provocou iniciativas para desencadear mudanças mais profundas no sistema econômico. Daí que praticamente todas as ações adotadas se restringiram a políticas de reativação da demanda agregada pré-existente, sem abrir perspectivas para gestação de projetos alternativos em quaisquer dos domínios estruturais supracitados.

 

A menos que inovações venham a ocorrer, fruto do debate sucessório de 2010, nosso ajustamento de política econômica ora em curso reforça os fatores de desigualdade social e desequilíbrio ambiental, sem melhorar qualitativamente a dependência do capital estrangeiro. Por tudo isto, a nossa crise econômica continua, ainda que tenhamos recuperação do crescimento do PIB.

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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Comentários   

0 #3 oops!Raymundo Araujo Filho 19-08-2009 11:16
Ainda sei somar. O três, no lugar do 5 foi erro de digitação.
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0 #2 Comemoração vaziaRaymundo Araujo Filho 19-08-2009 09:27
Hoje, o governo comemora a realização de 138 mil empregos no mês de Julho. Dizem que a crise está para trás, etc. e tal.

Afirmei, inclusive em algum comentário aqui no Correio, que esta crise foi pré fabricada e atendia a três pontos, para avanço do Capital: 1) Oligopolização maior dos vários setores na área financeira e industrial, 2) Permitir o assalto ao erário, desta vez diretamente, aos cofres públicos, e com justificativas para a opinião pública "mais do que razoáveis", 3) Diminuir os salários médios dos trabalhadores, através de larga demissão, com posteriores recontratações, 4) ajustar os Programas de governo, à qualificação de Mão de obra, sob a perspectiva do empresariado e do capital, 5) Abater a capacidade reinvindicatória dos trabalhadores (e nisso a maioria das lideranças colaboram de forma "estupenda".

Ora! O governo comemora um resultado que é 30% inferior ao mesmo período do ano passado. O Brasil regride na balança de exportados, tendo os produtos primários avançado nas planilhas, nos fazendo retornar aos tempos de D. João VI (abertura dos Portos, mas só para saída). O salário médio dos brasileiros cai a cada semestre, nos mostarndo que quem paga a criação de "novos' empregos, é o próprio trabalhador, e não algum desenvolvimento.

O mais espantoso, é vermos gente que se diz de esquerda, a apoiar esta entrega, apenas se atendo à questão elitoral.
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0 #1 Pergentino Mendes dre Almeida 19-08-2009 08:58
Cumprimentos ao Guilherme.O que ele escreve é animador: sinaliza uma das primiras reações públicas não-conformistas diante das versões alvissareiras dos que querem se iludir que esta seria uma última, passageirjra,efêmera crise do Capitalismo Finaneiro. E reação lúcida. Precisamos discutir melhor esse tema, não podemo continuar a aceitar a verdade oficial como fizemos na década de 90 até hoje.
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