Correio da Cidadania

Atacar crianças, a nova operação da guerra de Trump aos imigrantes

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Algumas pessoas veem em Donald Trump um novo Hitler, guardadas, é claro, as devidas proporções.

Não vejo o presidente desse modo, embora, ele tenha algumas características notavelmente semelhantes às do ditador nazista. Para mim, Trump está mais para Herodes.

Ele se identificou com o tirano bíblico pelo ataque cruel e impiedoso, lançado contra milhares de inocentes crianças.

Trump não as matou, limitou-se “apenas” a traumatizá-las, separando-as dos seus pais, imigrantes detidos por entrarem ilegalmente nos EUA.

Ao perderem seus filhos, sem saber se voltariam, os pais também foram duramente atingidos.

Trump já foi indiretamente responsável pela morte de um deles. Aconteceu no centro de processamento de McAllen, Texas, onde se achavam detidos o imigrante ilegal Marco Antonio Muñoz e seu filho.

De repente, o menino foi arrancado das mãos paternas e levado à força para longe.  Diante desta cena dramática, o pai, tomado pelo desespero, suicidou-se.

Foi talvez a primeira baixa da “Tolerância Zero”, a guerra aos imigrantes declarada pelo presidente Donald Trump.

Mas, a lei de separação, uma das armas da guerra presidencial, não pegou nada bem.

A revolta foi generalizada. Em toda parte explodiram condenações, particularmente nos próprios EUA.

Até mesmo a esposa de Trump, a bela Melania, declarou-se condoída com a barbaridade desencadeada contra os filhos dos imigrantes ilegais.

Mas, não foi por ter sentimentos que The Donald acabou decretando o fim da separação dos filhos de seus pais e mães.

“Crianças chorando não me parecem boa política”, explicou pragmaticamente o presidente, numa reunião com alguns partidários graduados (CNN, 21 de junho). E resolveu recuar.

Mesmo assim, a ordem executiva feita para salvar a face do presidente pode não salvar os filhos dos imigrantes e seus pais de novas e dolorosas implicações.

Ela não deixa claro o que acontecerá com as 2.300 crianças, vítimas da taxativa “tolerância Zero”.

Espera-se que o governo se preocupe em reunificar as famílias. E rapidamente. Até agora, as autoridades interrogadas não sabem como isso será feito. A opinião dominante é que nada foi planejado para localizar as crianças espalhadas em abrigos por todos os EUA e determinar onde estão e quem são os pais de cada uma delas.

A esse respeito, diz Megan McKenna, da ONG Kids On Need of  Defense (The Nation, 22 de junho): “o processo de reunificação (das famílias) é um caos. Nós tentamos entendê-los, mas cada dia as coisas mudam. Não havia um plano... E ainda não há um plano”.

As perspectivas são de que haverá uma demora de muitos meses. Longos períodos, com as crianças angustiadas esperando pelo reencontro com seus familiares.

Diz o The Guardian, em 22 de junho: “de fato, os especialistas em bem estar de crianças igualam esta cruel prática (a separação) à tortura, citando danos irreparáveis e stress tóxico”.

Há mais dolorosas injustiças nessa guerra, onde só uma das partes ataca e a outra não tem como se defender.

Nem todos os imigrantes atravessam a fronteira atraídos pela fantasia do “sonho americano”. Para muitos deles, a motivação é diferente: salvar sua vida e as vidas de seus familiares.

Fogem de regiões assoladas pela violência, onde viver é sempre muito arriscado. Pedem que os EUA lhes concedam asilo, de acordo, aliás, com as leis internacionais.

Evidentemente o governo exige que provem que seu medo é justificável. No governo Obama, esses “requerentes de asilo” tinham direito de ficarem meses preparando seu caso, a ser julgado em cortes criadas para esse fim.

Já para Trump, imigração ilegal é crime e todos que entram nos EUA sem autorização legal são detidos e submetidos a processo criminal. Inclusive os que alegam estarem procurando asilo, com justificado temor do que sofrem nos seus países de origem.

Crianças desacompanhadas também são alvo desse tratamento. Pensem nas 2.300 crianças que estão separadas de seus pais e assim permanecerão por tempo indeterminado. Para todos os efeitos, elas estão desacompanhadas. E, nessa qualidade, terão de ser submetidas a um processo criminal.

O que torna tudo extremamente complicado para os pequenos imigrantes. Eles não têm como fornecer as informações necessárias a seus advogados. São seus pais quem sabem as razões da imigração da família, quem possuem documentos importantes para justificar seu caso.

Frequentemente as crianças estão completamente por fora. As menores muitas vezes mal conseguem articular palavras. Algumas ainda nem sequer sabem falar.

Nessas condições, a defesa tem suas chances reduzidas. Extremamente reduzidas quando não é exercida por um advogado, o que não acontece em 60% dos processos. O resultado é muito triste. Conforme afirma McKenna, 9 entre 10 crianças sem representante legal acabam sendo deportadas.

O fim da separação das crianças dos seus pais representa um alívio, mas não uma solução.

Mesmo depois do cancelamento da separação das crianças dos seus pais, o governo ainda dispõe de uma arma na sua guerra contra os imigrantes que entram sem o visto das autoridades estadunidenses: a operação Streamline.

Consiste em um processo com regras que o agilizam e restringem as chances de os “requerentes de asilo” serem atendidos.

Nos EUA, o processo criminal se realiza através de várias etapas, garantindo o direito dos réus de poderem apresentar a melhor defesa possível. Demora, é claro, meses, havendo recursos, até anos.

Na operação Streamline, os processos ganham uma rapidez absolutamente inusitada. Tudo se resolve em questão de dias, às vezes duram horas entre a acusação a sentença.

Os imigrantes são julgados em blocos que chegam a ter até 100 indiciados.
Os advogados dispõem de pouco tempo para ouvir os réus e formularem suas defesas. Inexiste a privacidade, garantida pelas leis, na relação advogado-cliente pois para prestarem as informações necessárias ao seu representante legal, os imigrantes são reunidos em grupos de cinco a seis. Essas reuniões duram tempo limitado. E se sucedem até todos os réus serem ouvidos. Em seguida, passa-se à audiência de julgamento. E à sentença, que não comporta recursos.

Como a imigração ilegal é considerada crime, os réus podem ser condenados a penas de prisão, que chegam a seis meses, antes de serem deportados.

Os especialistas criticam a Operação Streamline por sacrificar o direito constitucional à proteção devida aos réus.

Mas Trump nem se toca com esses detalhes. Para ele, o fundamental é livrar-se dos imigrantes ilegais existentes no país e barrar a entrada de todos os que tentarem entrar, tenham ou não bons motivos para requerer asilo.

Com essa promessa, ele acredita ter ganho a eleição. Tem de cumpri-la, de olho na conquista de um novo período na Casa Branca. Isso lhe “parece de boa política”.

Portanto, está empenhado em demonizar esses “latinos desagradáveis”, que ousam tentar partilhar as doçuras de viver nos EUA.

Foi com esse intuito que convocou um grupo de pessoas, que tiveram familiares vitimados por imigrantes ilegais, para contarem seus dramas a todo o público.

Tratou-se de uma ação da mais sórdida demagogia. Como se também não existisse gente assassinada ou ferida gravemente por seus compatriotas.

Estudo do Immigration American Council, baseado no Censo 2010 e em pesquisa da American Community Survey, demonstra que os imigrantes, legais ou não, têm menos probabilidade de cometer crimes ou serem presos do que as pessoas nascidas nos EUA.

Cerca de 1,6% dos imigrantes, entre 18 e 39 anos, estão presos. É menos da metade dos 3,3% norte-americanos da mesma faixa etária.

É de se crer que mais essa encenação de Trump, digna de um circo mambembe, seja repelida pelo povo. Se não for, a democracia vai mal nos EUA.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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