Correio da Cidadania

Chances concretas de guerra nuclear na Ucrânia

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Por que só a Rússia manteve armas nucleares após a queda da União  Soviética? - Russia Beyond BR
Valentin Mastyukov/TASS

No dia 27 de outubro de 1961, durante a crise dos mísseis de Cuba, a guerra nuclear esteve por um fio. Em presumido ataque naval dos EUA, oficial de submarino soviético impediu o lançamento de um torpedo nuclear, em revide. O capitão e um dos outros oficiais queriam, mas Vasili Arkhipov se opôs e, como seria obrigatório o consentimento dos três, o torpedo não foi lançado e o mundo se salvou.

A guerra da Ucrânia também passa por perigo semelhante. A escalada militar vem se acelerando e não será surpresa se uma das partes alcançar um patamar em que a lógica nuclear prevaleça.

Com a invasão em curso, os EUA e seu satélite, a OTAN, oferecem ampla ajuda militar aos ucranianos, porém, tomando o máximo cuidado para não provocar os russos. Não querem em hipótese alguma dar pretextos para Moscou iniciar uma guerra nuclear. Por sua vez, de mesma forma, o governo Putin procurava não ir longe demais visando evitar uma guerra com os norte-americanos e a OTAN.

As duas partes temem que, no caso de uma delas estar arriscada à derrota total, partiria para um lance nuclear, que acabaria pondo em risco a sobrevivência da humanidade.

Assim, os EUA até agora se negaram a fornecer armas e equipamentos militares de longo alcance, seus tanques e canhões mais pesados, lançadores de mísseis de primeira geração e seu sistema antimíssil Patriot, um dos mais eficientes do mundo – entre outros engenhos bélicos.

Os russos começaram usando os tanques e as munições mais velhos do seu arsenal, mantendo nos armazéns os assustadores foguetes e lança-mísseis apresentados na última parada militar em Moscou e os mais modernos e letais aviões de guerra, recentemente testados.

Rússia acumula forças

Na primeira fase da guerra, o exército do Kremlin avançou pelo Norte, em direção a Kiev; tomou parte do Sul, inclusive a cidade-chave de Kherson e se reforçou, a Leste, nas áreas do Donbass, governado por aliados locais desde 2014, além de ampliar seu controle sobre regiões antes ocupadas por tropas de Zelensky.

Os ucranianos resistiram e contra-atacaram meses depois, sendo os russos expulsos das proximidades de Kiev, do Norte e de cidades recém-tomadas no Leste e no Sul, obrigando o exército de Putin a abandonar a importante cidade de Kherson e a se retirar para o Donbass, habitado por maiorias de russos étnicos.

Para marcar a ideia de que não estavam em guerra com a Rússia, os EUA (e seu satélite, a OTAN) só forneciam à Ucrânia armas defensivas. E ainda exigiam que as forças de Zelensky evitassem lançar ataques a territórios da Federação Russa. Por fim, negavam-se a atender pedidos ucranianos pelo sistema antimíssil Patriot, que poderia ser usado por eles para atingir também aviões russos – sem contar outros armamentos de longo alcance, capazes de atingir território russo e detonar retaliações desmedidas.

O Pentágono temia que, ao serem diretamente agredidos, os russos poderiam responder, lançando bombas nucleares táticas (compostas por pequenas ogivas usadas em batalhas ou ataques limitados) ou bombardeando algum país vizinho membro da OTAN (New York Times, 9/12/2022).

Em qualquer desses casos, os primeiros passos de uma guerra nuclear EUA x Rússia teriam boas chances de serem desfechados.

Mas os ucranianos surpreenderam. Não se sabe se autorizados pelo Pentágono, mas com a provável colaboração de agentes ingleses, explodiram a grande obra da arquitetura russa, a ponte que ligava o território da Ucrânia à península da Criméia. Aparentemente, não se preocuparam com uma possível indignação russa. Mas ela aconteceu e foi forte.

Enfurecidos, os russos retaliaram: passaram a desencadear diariamente numerosos e devastadores ataques aéreos contra cidades em muitas regiões da Ucrânia para destruir as infraestruturas civis, deixando o povo sem água, luz e aquecimento justamente no inverno, a estação mais fria do ano, quando as temperaturas abaixo de zero são frequentes.

O objetivo é tornar extremamente difícil ou mesmo impossível viver na Ucrânia, forçando o governo Zelensky a aceitar um acordo de paz, aprovado, senão ditado, por Putin. Esta tática de guerra já foi usada muitas vezes por outros países, com resultados relativos.

A força aérea da coalizão liderada pela Arábia Saudita concentrou-se em devastar não só as infraestruturas civis do Iêmen, como também hospitais, escolas e depósitos de alimentos. Nas guerras de Gaza, Israel fez o mesmo, além de ter destruído o aeroporto da faixa. E na guerra do Vietnã, os esquadrões aéreos estadunidenses se obstinaram em lançar gases venenosos nas culturas agrícolas locais, condenando o povo à fome.

O bombardeio sistemático das infraestruturas civis da Ucrânia parece estar sendo eficiente. Neste mês, 50% delas já tinham sido destruídas, conforme o primeiro-ministro ucraniano, o general Denys Shmyhal.

Ucrânia no ataque

Indignados com a brutalidade dessa tática, os norte-americanos decidiram mudar sua cautelosa postura de só enviar a Zelensky armas defensivas. Fontes do venerável Financial Times, de Londres, informaram que os EUA passariam a atender pedidos de Kiev por armamentos de longo alcance, como foguetes, o sistema de defesa antimísseis Patriot e caças bombardeiros, capazes de atingir profundamente o território do país de Dostoievski.

As mudanças foram mais longe. Estaria sendo estudada a permissão de Washington para que as forças ucranianas usem estas poderosas armas em ataques contra alvos Rússia adentro.

Questionado a respeito da atitude de seu país diante desses ataques, Anthony Blinken, o secretário de Estado, respondeu: “nós não temos nem encorajado, nem autorizado ataques ucranianos no interior da Rússia”.

E uma fonte da Defesa disse: “quando eles usam armas que nós fornecemos, só insistimos que os militares ucranianos respeitem as leis de guerra internacionais e das Convenções de Genebra. São as únicas limitações, mas que incluem não atacar famílias russas e nada de assassinatos. Pelo que nos concerne, os ucranianos têm cumprido”.

Estão enganados, recentemente agentes ucranianos assassinaram a jovem jornalista russa Darya Dugina, em plenas cercanias de Moscou. A última escalada estadunidense, como se esperava, provocou ameaças mais duras russas.

Diante da provável entrada do sistema antimísseis Patriot no palco da guerra, o embaixador russo avisou que o lance seria um “passo provocativo pelos EUA que arriscaria consequências imprevisíveis (Libertarian Institute,14/12/2022)”.

Durante boa parte da guerra, Putin insinuou e mesmo chegou a anunciar que lançaria mão de armas atômicas caso a Rússia fosse invadida e seu governo posto em xeque.
Biden não deixou de responder, também reafirmando seu poderio nuclear e o caráter intimidatório das ameaças russas.

Apesar destes desvios, ambos estadistas sempre deixaram claro que nunca, jamais, em tempo algum iniciariam uma guerra nuclear. Apenas reagiriam a um ataque desse tipo. Ou seja, fechavam com uma estratégia retaliatória.

Até que, sentindo a viabilidade de uma derrota, depois das vitórias do exército ucraniano e da próxima entrada em ação de armas norte-americanas de longo alcance e poder devastador elevado, Putin ameaçou sair do sério. Ele começou entrevista coletiva, em 9/12, afirmando: “os EUA têm o conceito de ataque preventivo na sua estratégia. Nós, não. A nossa estratégia é retaliatória... Ela responde a ataques”.

A seguir explicou que a defesa russa primeiro detecta o lançamento de mísseis do inimigo e então responde “lançando contra ele centenas de mísseis que não podem ser detidos. Mas os mísseis inimigos cairiam no território da Federação Russa. Isso não pode ser evitado”.

Deixou em aberto a solução desse problema. O especialista em questões militares, Yakov Kedrov, declarou acreditar que Putin está pensando em mudar para o conceito do ataque nuclear preventivo, abandonando o ataque retaliatório até agora vigente (Pravda, 14/12/2022).

Ele e outras autoridades no assunto desconsideraram as afirmações do presidente russo numa reunião com o comitê de Direitos Humanos, sobre o uso de armas nucleares: “nós não ficamos loucos, estamos a par do que armas nucleares são. Mas não vamos brandir estas armas como uma navalha enquanto saímos pelo mundo. Certamente, procedemos de acordo com o fato de que nós as temos. Trata-se de um dissuasor (Pravda, 12/12/2022)”.

Compasso de espera

Esta estratégia pode ser mudada nos próximos meses. No momento, os dois lados parecem estar em um compasso de espera, embora os russos continuem com avanços lentos, como a tomada de áreas perto de Bakmut, no Leste, e os ucranianos se movam ligeiramente no Leste (NBC, 17/12/2022).

Um oficial dos EUA afirmou que muita coisa deve acontecer antes das forças de Zelensky lançarem uma prevista ofensiva na Criméia, sob o domínio russo desde 2014.

Os EUA estão preocupados com a possível reação de Putin diante desse possível avanço. Temem que o mandatário russo apele para o uso de bombas sujas (armas que combinam explosivos convencionais, como dinamite e material radioativo, como urânio) ou algum dispositivo nuclear. Isto seria ultrapassar a linha vermelha, conforme informou um militar norte-americano aposentado.

Mas significativa seria a retaliação de Putin caso fosse derrotado um ataque geral que ele estaria preparando para ser lançado no período entre janeiro e março.

Segundo o ministro das forças armadas ucranianas, o general Valery Zausby (Pravda ucraniano, 17/12/2022) os russos estariam acabando o treinamento de mais de 200 mil novos soldados, que estão se juntando a tropas já aquarteladas em Luhansk (no Leste uraniano) e em Belarus. Nessas duas regiões, Moscou já teria reunido armamentos suficientes para uma grande ofensiva.

As forças ucranianas deverão nas próximas semanas ser reforçadas por armamentos de longo alcance vindos dos EUA. Provavelmente ainda não contarão com o Patriot para enfrentar o exército inimigo, já que, em curto prazo, ele só poderia ser operado por soldados estadunidenses, não havendo tempo para treinar ucranianos no uso desse sofisticadíssimo sistema.

Há quem ache que Biden poderia até lançar mão dessa cartada, mesmo arriscando vidas de seus compatriotas, pois uma eventual derrota dos exércitos do Kremlin na batalha os deixaria em situação precária para continuar a guerra.

Só que, em vez de solicitar um acordo de paz, que certamente favoreceria os vencedores, Putin optaria pelo caminho da guerra preventiva, atacando com armas nucleares. Iniciando assim uma guerra forçosamente fatal, pelo menos, a todos os países envolvidos.

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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