Correio da Cidadania

A morolidade

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Redigir a constituição de uma sociedade é uma difícil tarefa e seus relatores assemelham-se a sábios. Os constituintes convivem com teses ideologicamente antagônicas e são obrigados até a conviver com objetivos espúrios dos que querem ganhar compensações por seu posicionamento. Contudo, mesmo supondo que todos estão imbuídos da vontade de atender às necessidades da sociedade, ainda assim divergem graças às diferentes visões de mundo que carregam.

 

A Constituição de 1988 mostra, em determinados tópicos, a consequência de sofisticados acordos de pensamentos conflitantes, maturados com muito dialogo e vontade de acertar. Pode-se dizer que, nesta elaboração, não houve prevalência do pensamento neoliberal sobre o da soberania, nem vice versa.

 

Houve prevalência da razão e do interesse social. Apesar de não estar escrito, pode-se dizer que os constituintes de então reservaram setores da economia de grande impacto social ou com caráter estratégico do ponto de vista geopolítico e os que continham alta tecnologia para pertencerem ao Estado, enquanto os demais foram entregues para a livre iniciativa.

 

Questões, como a recém-citada, mostram a multiplicidade de objetivos da nossa sociedade e a nossa capacidade para inteligentemente satisfazê-los no interesse social. Em períodos recentes, até mesmo na ditadura militar ou no auge do neoliberalismo, quando se dizia que a história não traria pensamentos novos, sempre tivemos uma sociedade complexa com objetivos múltiplos. O reducionismo a um objetivo único, a ser obtido a qualquer custo, ou melhor, a quaisquer baixas satisfações dos demais objetivos, não traz o bem estar ideal da sociedade.

 

O juiz Moro me faz lembrar um problema de Pesquisa Operacional em que, no centro de uma cidade, é colocado um guarda de trânsito em cada cruzamento de ruas. Cada um deles carrega consigo o controle do sinal existente no seu cruzamento. Todos recebem a diretriz: “busquem melhorar o fluxo de veículos, no seu cruzamento, em todas as direções e sentidos”. Nesta situação, os sinais não são controlados por um programa de computador, que visa minimizar o tempo médio de espera de todos os veículos em todos os cruzamentos do centro da cidade. O resultado do uso dos guardas como controladores dos sinais é um trânsito caótico. Ou seja, o conjunto de otimizações de microproblemas não traz, necessariamente, a otimização do macroproblema.

 

Como grande objetivo da nossa sociedade, pode ser considerada a melhoria do bem estar social. Objetivos específicos são o crescimento, a distribuição de renda, a melhoria da qualidade de vida, a melhoria dos índices de educação e os de saúde, a diminuição do nível de corrupção etc. O juiz Moro é um daqueles guardas que só consegue ver o seu cruzamento e não vê o fluxo total do centro.

 

Ele está ajudando a conter a corrupção no país, ao custo de destruir a engenharia nacional, quase extinguir a maior empresa brasileira (um orgulho nacional por mostrar que somos capazes de desenvolver tecnologias de águas profundas melhores que as das empresas dos ditos desenvolvidos), contribuir significativamente para derrubar o PIB, aumentar o número de desempregados e até denunciar supostas fraquezas de um herói nacional, aquele que coordenou competentemente o desenvolvimento do enriquecimento de urânio, tecnologia possuída só por seis países do mundo.

 

Pelas notícias correntes, o juiz Moro não peca só pelo seu autismo com relação aos valores dos diversos objetivos da sociedade. Ele também tem a tendência a incriminar unicamente os políticos da base do governo. E não é verdade que na oposição só existam homens perfeitos. Mas, até aqui, as acusações só levariam a suspeitar que ele está dentro de um buraco, acreditando que os horizontes do mundo estão nas bordas do buraco.

 

Contudo, algumas consequências dos seus atos nos fazem suspeitar que ele beneficia o capital estrangeiro. No caso da entrada da Engenharia estrangeira no país, ele criou o caos necessário para que  pudesse entrar. Quanto à entrega do Pré-Sal às petrolíferas estrangeiras, pode-se dizer que o enfraquecimento da Petrobrás, por ele causado, resulta no argumento principal das forças entreguistas para a sua entrega, pois “a Petrobrás não tem mais a capacidade de explorar o Pré-Sal”. A crucificação do pai da tecnologia nuclear da Marinha atrasa a entrada de submarinos de propulsão nuclear para defender as riquezas da nossa costa e as rotas de nossos interesses.

 

Além disso, parece que o juiz Moro não compreende que as leis são feitas por homens, seres falíveis, inclusive em alguns casos corruptos, eleitos através de conluio com a mídia convencional, que sempre acobertou seus erros. Portanto, a realidade é que existem leis injustas. Sei que não cabe ao juiz, nas decisões, corrigir tais leis. No entanto, existem momentos em que os juízes têm graus de liberdade para decidir sem desrespeitar a lei. Juízes que têm ódio a determinados acusados, por razões diversas não constantes dos autos, e não têm equilíbrio humanitário, extrapolam em suas ações.

 

A falta de respeito do juiz Moro para com o homem que tirou 36 milhões de pessoas da miséria me choca. Só quem pertencia à classe dos miseráveis e conseguiu migrar para uma condição melhor sabe bem definir quem é este homem. Quantos governos se passaram e a percentagem dos miseráveis continuava sempre a mesma na estatística... Os governos anteriores consideravam a miséria como um acontecimento inexorável e buscavam canalizar o sentimento de compaixão para um assistencialismo insuficiente, que só servia para nos libertar da culpa de tê-los ao nosso lado.

 

Um miserável é um ser frágil politicamente, que não se expressa bem, não sabe reivindicar seus direitos e até não entende a desumanidade que lhe impõem. É preciso ser um humano especial, sensível, para priorizar os miseráveis. Pois Lula se lembrou deles, os indefesos, em suas ações, caso contrário não teria tido o imenso sucesso que teve na melhoria das condições de vida deste grupo.

 

Sobre os miseráveis, lembrei-me que usualmente eles saem da face da Terra antes de atingirem a vida média da população, pois têm carência alimentar, contraem as doenças da pobreza e não têm atendimento médico. Pode-se até considerar estas mortes antecipadas como assassinatos dos governantes das épocas passadas. Assim, pode-se dizer que Lula salvou alguns miseráveis da morte antes do tempo natural.

 

Os trabalhadores da classe menos abastada, mas não miseráveis, também se beneficiaram da “era dourada dos pobres” dos governos Lula, através de aumentos reais de salário, aumento da oferta de empregos e outros benefícios sociais. Pergunte a um desempregado se ele prefere um tomador de decisões que combate o roubo e desemprega ou o inverso. Não se surpreenda com a resposta.

 

Além disso, faz parte da nossa cultura o uso de acusações de roubalheira para retirar homens de bem da política, artimanha utilizada em geral pelos mais corruptos. Assim foi com as acusações infundadas a Getúlio sobre o “mar de lama do Catete”. Jânio Quadros tirou o general Lott da disputa presidencial usando a imagem de uma vassoura com a qual iria varrer a corrupção. O caçador de marajás se mostrou, depois, como um grande corrupto. Todos eles fizeram suas campanhas com a ajuda da mídia convencional. O último citado, que é o caso mais recente, foi com a ajuda específica do grupo Globo.

 

Finalmente, olhando todo o imbróglio existente hoje no nosso país, posso dizer que Moro, com seus seguidores, os morolistas, que inclui todos facilmente identificados com sua causa e outros pouco visíveis, como a CIA e a NSA, abastecedores de resultados de espionagens, com o apoio irrestrito dos grupos conservadores e da mídia convencional, a vilã oculta, sempre travestida de boa moça, manipuladora das consciências da sociedade, indutora da aceitação do sofrimento, pregadora de falsas esperanças, de onde nada surgirá, são os mentores do caos.

 

 

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Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.

Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br/

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