Correio da Cidadania

Setor nuclear, nacionalismo, soberania, mídia e dominação

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Ao setor nuclear brasileiro, foi sempre dedicada atenção nacionalista, em várias épocas. Contudo, por ser um país com inúmeras carências e tantas opções energéticas, este setor não foi mais desenvolvido, o que seria benéfico para a própria sociedade. Porém, o que foi feito representa um razoável avanço para um país de desenvolvimento tardio.

A posição brasileira sobre questões nucleares em fóruns internacionais sempre foi de extremo compromisso com a nossa sociedade. O evento mais característico da retidão de um representante nosso ocorreu com o Almirante Álvaro Alberto quando da proposição do governo estadunidense quanto às reservas do mundo de tório e urânio, chamada de Plano Baruch. Em resumo, este plano determinava que elas ficariam sob o controle de uma agência internacional, sobre a qual os Estados Unidos teriam forte influência.

Nesta oportunidade, o Almirante votou contra a proposta, que ele chamava de "tentativa dos Estados Unidos de desapropriar as reservas mundiais" e propôs o Princípio das Compensações Específicas, que significava que nenhuma transação comercial com minerais estratégicos deveria ser realizada com o pagamento em moeda, mas através do fornecimento de tecnologia. Os países subdesenvolvidos, em geral donos de reservas, forneceriam o minério desejado em troca do recebimento de tecnologias.

O Almirante Álvaro Alberto foi também o idealizador da compra de três centrífugas para o enriquecimento de urânio, na Alemanha do pós-guerra, que ainda estava sob o controle norte americano, e de trazê-las para o Brasil. Esta operação não resultou em sucesso. Entretanto, prova que ele sabia, em 1954, sobre a importância desta tecnologia para o Brasil.

No ano de 1962, a criação do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), junto com a construção do reator de pesquisas Argonauta, concluído em 1965 com 93% de índice de nacionalização, representou uma reação do Brasil ao programa “Átomos para a Paz” dos Estados Unidos, que buscava criar dependência dos países em desenvolvimento àquele país com relação à tecnologia nuclear.

Dando um salto na história de uma dezena de anos, durante o governo do general Geisel, em 1975, o Brasil fechou o Acordo Nuclear com a Alemanha, que era muito ambicioso, mas tinha preocupação com a transferência da tecnologia nuclear para o Brasil. Como consequência desta transferência, por exemplo, o Brasil, há anos, fabrica as recargas de elementos combustíveis para as usinas de Angra I e Angra II. Durante a construção de Angra II, tecnologias foram absorvidas e uns poucos componentes foram fabricados na NUCLEP. Infelizmente, o conhecimento está sendo perdido por falta de continuidade na construção das usinas.

O auge da demonstração de querer o melhor para a sociedade brasileira ocorreu com a constituição do Programa Nuclear Paralelo. O objetivo último sempre foi dotar o país da potente arma de defesa, o submarino de propulsão nuclear. Sabe-se que nenhum país do mundo vende este submarino. Assim, o Brasil é obrigado a desenvolver as tecnologias necessárias para possuí-lo, sendo as principais o enriquecimento do urânio e a construção do reator compacto. O submarino necessita do desenvolvimento de outras tecnologias, mas, relacionadas com a energia nuclear e com alto grau de complexidade, são estas duas.

Com relação ao desenvolvimento do enriquecimento de urânio, houve grande sucesso, graças à equipe da Marinha e do IPEN, coordenada pelo Vice-Almirante Othon Pinheiro da Silva. As ultracentrífugas desenvolvidas por ela tinham um desempenho acima das melhores existentes à época. Entretanto, o maior valor desta equipe não foi a sua cultura técnica, que era grande, nem a sua capacidade inventiva. Foi, principalmente, o seu comprometimento com a sociedade brasileira. Todos os membros da equipe se esforçaram para conseguir este grande feito.

No momento presente, o país vive o assédio de forças neoliberais e entreguistas. Mas a população começa a reagir, apesar de todo controle midiático que se tem sobre ela. Trata-se do maior controle de informações já visto no país. Nem os militares com seus censores com tesouras vetavam tanto o que o povo podia saber. Hoje, se não fossem as redes sociais, que buscam conscientizar a população, esta não saberia o que ocorre e, na próxima eleição, votaria contra os seus próprios interesses.

As relações interestatais e o desenvolvimento de cada nação explicam, em parte, a ascensão e a queda da vertente nacionalista em muitos países. Pode-se superpor a curva das decisões neoliberais e entreguistas ao longo do tempo com a curva do grau de soberania do país no tempo. Será notado que, quando o Brasil está em fase mais soberana, as decisões neoliberais e entreguistas são menores. Portanto, deve-se buscar aumentar o grau de soberania para usufruto da sociedade. Na atual fase dos Estados Nacionais, há extrema invasão dos países colonizados pelos colonizadores visando aumentar o grau de dominação.

Países com alto grau de soberania protegem seus mercados, seus setores estratégicos de indústrias e serviços, suas universidades fronteiras do conhecimento, suas fontes geradoras de tecnologia e sua cultura. Os brasileiros, enganados pelas empresas de comunicação de massa, em um sistema sem regulação, permitem que o país seja completamente dominado. Hoje, pode-se dizer que o Brasil é um relativo sucesso de dominação por capitais e países estrangeiros.

Em um novo formato de dominação de sociedades, forças armadas foram substituídas por eficientes empresas de entretenimento e comunicação. Não se desembarca mais em praias para tomar de assalto um país. Basta possuir uma forte empresa de comunicação e começar a divulgar inúmeros conceitos falaciosos, como, por exemplo:

1.      O Brasil pode se desenvolver, com aumento do IDH, graças à entrada maciça de capital estrangeiro no país.

2.      Não há setor industrial que necessite da existência de empresas estatais.

3.      Em setores com predominância de empresas privadas, são necessárias agências reguladoras para, dentre outros objetivos, proteger a sociedade.

4.      O Brasil pode ter sua segurança física garantida pelos Estados Unidos, não necessitando gastar em projetos militares custosos.

5.      Há mais de 150 anos, o Brasil não entra em conflito com nenhum dos seus vizinhos, o que corrobora a tese de não precisar ter forças armadas fortes.

6.      As barreiras à importação, também conhecidas como reservas de mercado, só servem para criar atraso tecnológico e ineficiência produtiva.

7.      Para atrair o capital estrangeiro, importante para nosso desenvolvimento, devemos minimizar os impostos de uma forma geral sobre a atividade produtiva.

Sempre fizemos parte da zona de influência dos Estados Unidos. Tivemos presidentes com maior preocupação com relação à soberania, como Vargas, Goulart e Geisel. Durante os governos Lula e Dilma, o Brasil chegou a mostrar “rebeldias”, na busca por maior grau de soberania, como quando se juntou aos países do BRICS, ao formar a UNASUL, ao participar da criação de um banco de desenvolvimento ligado ao BRICS, ao concordar em transacionar mercadorias em moedas dos países do BRICS, ao comprar caça e submarino com absorção de tecnologia, ao procurar desenvolver o submarino nuclear, ao aprovar o contrato de partilha para o Pré-Sal, ao apoiar a Petrobras ser a operadora única do Pré-Sal, ao exigir as compras legais, e assim por diante.
 
Todas estas atitudes, apesar de não terem agradado aos capitais internacionais, não podem ser consideradas nem agressões, nem hostilidades, pois simplesmente elas eram do interesse brasileiro. Este acréscimo de soberania tem sido perdido a partir do momento em que Temer tomou a presidência.

Por incrível que possa parecer, graças ao grande número de empresas estrangeiras instaladas no país, à nossa lei generosa de remessa de lucros, à debilidade das nossas forças armadas e à subserviência das nossas atuais autoridades, o Brasil está muito longe de ser um palco de guerra. Em outras palavras, nosso país tem aceitado, recentemente, todas as imposições colocadas pelo país imperial. Além disso, não estamos na fronteira entre potências mundiais. Um país do Oriente Médio, da Ásia Central e do Leste da Europa são possíveis palcos de guerra.

E não são poucos os conceitos fundados em mentiras grosseiras. Por exemplo: “o Brasil não precisa de Forças Armadas”, “a geopolítica é coisa de militar” e “comprar ou desenvolver armamentos é jogar dinheiro fora”. Resta procurar destruir todos eles, propositadamente colocados como verdades frente à população.

Existe um dado novo no setor nuclear, hoje quase paralisado. Empresas estrangeiras de construção e operação de usinas nucleares querem a mudança da Constituição para que ocorra o término do monopólio estatal neste setor.

Com isso, estas empresas irão concorrer com aquelas que produzem energia elétrica a partir de energia hidráulica, eólica, solar, em térmicas a partir de combustíveis fósseis etc. Certamente, as empresas estrangeiras de geração nucleoelétrica devem ter segurança que poderão gerar kwh (quilowatt/hora) mais baratos que aqueles gerados com as demais fontes. Está se analisando somente uma das aplicações da energia nuclear, mas ela é a que movimenta os maiores volumes de recursos.

Infelizmente, uma parte dos investimentos feitos no passado para o Brasil ter domínio desta tecnologia está sendo jogada no lixo. A maior tristeza de um país subdesenvolvido não é a carência de recursos para impulsionar os seus diversos projetos, mas é o fato de, tendo enormes carências, parte dos poucos recursos existentes ser jogada no lixo. Seria oportuna a elaboração, junto com a sociedade, de um projeto nacional a ser seguido por todos.

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Paulo Metri

Conselheiro do Clube de Engenharia

Paulo Metri
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