Correio da Cidadania

O que esperar de 2010?

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Pensar o que nos espera em relação ao próximo ano que se avizinha nos obriga a refletir sobre o que ocorreu em 2009. Ao final do ano passado, vivíamos o impacto dos sintomas mais agudos da crise financeira global, que já havia se manifestado desde o segundo semestre de 2007.

 

Naquele ano, a ação coordenada dos bancos centrais dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão deteve os efeitos mais fortes de uma crise que já era prevista por muitos. Contudo, um ano depois, em setembro de 2008, as fortíssimas injeções de crédito na economia e de ajuda financeira a empresas não foram suficientes para evitar medidas que se fizeram necessárias, como a estatização de grandes bancos na terra do Tio Sam e na Inglaterra, berços esplêndidos do pensamento econômico liberal.

 

Além disso, o banco de investimentos Lehman Brothers quebrou, surpreendeu ao chamado mercado com seu pedido de concordata e arrastou consigo inúmeras empresas da economia real e outras instituições financeiras.

 

Foi a partir desse quadro que as perspectivas apontadas para 2009 sinalizavam para uma forte reversão do ritmo do crescimento econômico do mundo, em comparação com os anos mais recentes, caracterizados pela expansão do comércio mundial, estimulada e impulsionada particularmente pela economia chinesa.

 

De fato, ao longo de 2009 observamos uma forte retração do comércio internacional, especialmente pelo fato de as economias mais desenvolvidas do mundo – Estados Unidos, Europa e Japão – terem sofrido fortes recessões, com impactos relevantes sobre a renda e o emprego de suas populações.

 

No plano internacional, a situação não se deteriorou de forma mais grave, em função do comportamento das economias da China e da Índia, que mantiveram, em 2009, forte crescimento, acima de 8% e de 6%, respectivamente.

 

Esses países dispõem de fortes controles estatais sobre os seus sistemas bancários e sobre os fluxos financeiros externos. Desse modo, souberam melhor se defender da reversão econômica que ganhou corpo a partir da crise, no segundo semestre de 2008. A Índia, além disso, por exemplo, soube reduzir rapidamente a sua taxa interna de juros e assegurar crédito a custo reduzido às suas empresas, na fase mais grave da turbulência global.

 

Aqui no Brasil, ao contrário, o Banco Central apenas iniciou um movimento de redução da taxa básica de juros em janeiro de 2009, e, ainda assim, de uma forma extremamente tímida.

 

Contudo, sob o ponto de vista fiscal, o Ministério da Fazenda procurou agir, liberando crédito, reduzindo impostos para determinados setores e aprovando uma pequena modificação no recolhimento do imposto de renda, com a aprovação de duas novas alíquotas para as pessoas físicas.

 

Porém, sofremos forte perda de postos de trabalho no último trimestre de 2008 e, somente no final de 2009, começou o retorno aos níveis de emprego da fase anterior à crise de 2008. Em termos de crescimento econômico, 2009 não nos deixará saudades. Embora não devamos ter um recuo do PIB, a propalada aceleração do crescimento poderá produzir apenas uma tímida expansão do produto interno, abaixo de 1%, em relação a 2008.

 

Esse resultado somente não será pior em função da demanda por produtos primários, puxada pelas economias asiáticas. A especialização do Brasil na exportação de produtos agrícolas e minerais responde a essa procura. Ao mesmo tempo, a política de valorização do salário-mínimo e os programas de transferência de renda aos setores da população mais vulneráveis mantiveram aquecida a demanda interna por bens de consumo e alimentos, de uma população sabidamente carente e que sustenta a sua capacidade de compra com os esquemas de crédito oferecidos, com dilatados prazos de pagamento e altíssimas taxas de juros.

 

Sob o ponto de vista da produção, devemos também destacar o processo de aquisição e fusões em curso no meio empresarial, do setor financeiro ao varejista, concentrando capitais e fortalecendo o domínio do mercado em torno de um número ainda mais seleto de corporações.

 

O crescimento econômico estimado para 2010 estará influenciado pelo baixíssimo crescimento do PIB em 2009. Mesmo assim, dependendo do comportamento da economia global, que caso venha a sofrer uma nova crise – o que não se pode descartar – nos jogará novamente em uma dinâmica recessiva, conforme ocorreu na virada de 2008 para 2009.

 

Continuamos, portanto, dependendo do que vier a ocorrer na economia global. Nesse ponto, outra preocupação que devemos ter é com o processo de valorização do real frente ao dólar e a volta do déficit em nossas transações correntes, que tenderá a se ampliar.

 

Para o pensamento e estratégia dos liberais, esse é um problema que tende a se resolver com maior liberalização financeira e atração de investimentos externos diretos, que impulsionarão ainda mais o forte processo de desnacionalização da economia brasileira.

 

Para os que defendem um projeto nacional de desenvolvimento, articulado com uma integração solidária com os países da América do Sul, este é um caminho nefasto, pois enfraquece os instrumentos de política fiscal e monetária adequados para objetivos que deveriam se voltar para a distribuição de renda e riqueza, em prol dos trabalhadores.

 

A melhor tradução desse dilema é o contínuo, acelerado e gigantesco endividamento do Estado brasileiro. Parcela considerável do orçamento público é comprometida com o pagamento de juros, sem que haja nenhuma tendência de mudança desse quadro. A contrapartida disso é a degradação de políticas públicas essenciais ao bem estar da população. A falência do sistema de saúde pública, do serviço de transportes públicos de massa, das políticas de saneamento ou a estagnação da política de reforma agrária são exemplos gritantes do retrocesso social que estamos vivendo.

 

O governo atual - apoiado por uma intensa máquina de propaganda midiática, sustentado pelo seu próprio discurso e pelas opiniões de analistas e especialistas afinados com o processo em curso na economia brasileira desde os anos noventa - procura dar legitimidade às suas opções de política.

 

Apresenta-se a melhor distribuição pessoal da renda entre os trabalhadores como se fora evidência de uma melhor distribuição funcional da renda, imaginando-se um Brasil onde não existissem capitalistas, donos de empresas ou rentistas; apresentam-se os números mais variados possíveis para se mostrar que a quantidade de pobres diminui, com limites de renda per capita para a definição de miseráveis, pobres e ricos que não resistem a um olhar minimamente crítico e coerente à realidade; ou se apresentam os números mais estapafúrdios sobre o endividamento público, para se evitar a constatação do grave quadro de insolvência que vivemos.

 

Todas essas questões poderão ser mais bem discutidas, ao menos em tese, durante a campanha eleitoral à presidência da República, no ano que vem.

 

Mas, aqui, o problema é a posição assumida pela maior parte da esquerda, absolutamente neutralizada, em sua grande maioria, pelo lulismo.

 

Cooptada ou neutralizada, essa verdadeira ex-esquerda, massa de manobra de políticos como Lula, Sergio Cabral ou Eduardo Paes, para que fiquemos em exemplos da mediocridade reinante, ao menos no estado em que vivo, deixou de ser crítica do modelo liberal-periférico e apenas pensa em se aproveitar de benesses que o poder lhes confere, por menores que sejam.

 

A variável da mudança, dentro de um quadro como esse, está depositada na esquerda que não se rendeu, ou não se vendeu, e que poderá se utilizar do espaço da campanha eleitoral para esclarecer, polemizar e preparar melhores condições para uma refundação da luta política no país.

 

Paulo Passarinho, economista, é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

 

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