Correio da Cidadania

Horizonte sombrio

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Há pouco tempo, escrevi um artigo (No reino do curto-prazo) destacando a dependência do governo, em seu processo de tomada de decisões, de situações conjunturais de curto-prazo.

 

Esse é um dos elementos que evidenciam a total subordinação do país a diferentes circunstâncias econômicas, sem que tenhamos um norte estratégico definido. Vivemos, assim, a ausência de um projeto de nação que estabeleça metas e objetivos nacionais a serem atingidos no curto, médio e longo prazos, através de meios e instrumentos factíveis e racionais. Algo que no passado era denominado de planejamento.

 

Vivemos, na verdade, a realidade de um país que navega nas ondas circunstanciais das pressões de um mercado globalizado e cada vez mais concentrado e altamente competitivo. O Brasil atual (com as suas estruturas de poder) passa a ser, desse modo, um administrador de pressões e interesses que surgem dos pólos mais dinâmicos do atual jogo global, notadamente corporações transnacionais e financeiras.

 

Frente, por exemplo, à fase da crise do capital que se abre a partir de 2007/2008, e que no momento aponta para o agravamento da situação de crise na Europa, com a possibilidade de a Grécia deixar a área do euro, o governo procura se agarrar a qualquer expediente que lhe garanta que a economia brasileira possa ter, agora em 2012, uma taxa de crescimento um pouco maior que a obtida em 2011.

 

Para tanto, Guido Mantega, o ministro da Fazenda, apresentou nesta semana um novo pacote de incentivo ao consumo, especialmente voltado para a indústria automotiva. Reduções na cobrança do IPI, diminuição do IOF em operações de crédito às pessoas físicas, liberação de recursos de R$ 18 bilhões dos depósitos compulsórios do Banco Central para “irrigar” o crédito e taxas de juros mais reduzidas no BNDES foram as principais medidas anunciadas.

 

Um dia após esse anúncio, o próprio ministro, em depoimento no Senado, admitiu que houve pressões das montadoras na elaboração do pacote. Com os seus pátios cheios de automóveis, as fábricas ameaçavam com demissões ou férias coletivas os seus empregados.

 

O governo tenta um pouco mais do mesmo. No início da crise, em 2008, o governo apostou na demanda interna, no consumo das famílias, para garantir taxas positivas de crescimento. Perdeu em 2009, com o resultado negativo do PIB, mas ganhou folgadamente em 2010, um ano eleitoral e que garantiu a eleição de Dilma à presidência.

 

Contudo, o quadro atual é diferenciado. Com a expansão das vendas a crédito no país, com um custo financeiro muito elevado, por conta das altas taxas de juros, há um endividamento acumulado bastante elevado e o nível de inadimplência das famílias começa a preocupar. A renda real dos trabalhadores somente se eleva nos estratos mais pobres da população, assim como o próprio emprego. Mesmo em um contexto de redução das taxas de juros, nota-se que os pátios das montadoras revelam que existe uma saturação da demanda por automóveis – assim como de outros bens de consumo duráveis – que dificilmente será de fato revertida com as medidas anunciadas.

 

A alternativa de se buscar através do incremento dos investimentos uma saída para a reversão do baixo crescimento econômico também parece problemática. No plano privado, as incertezas provocadas pela própria crise não nos possibilitam imaginar uma mudança no patamar de investimentos que nos últimos anos temos observado, mesmo com o endividamento contraído pelo Tesouro para incrementar a atuação do BNDES junto aos seus clientes privados. Pelo lado da iniciativa direta do Estado, a ditadura fiscal do superávit primário nos impede de qualquer esperança de uma mudança na atual taxa de investimento do setor público.

 

Complicando um pouco mais o quadro em que se debate o governo, nas últimas semanas a saída de dólares do país se intensificou. A acentuada queda nas cotações do Ibovespa revela essa pressão de venda de ações, especialmente por parte de investidores estrangeiros, mas também por parte de especuladores brasileiros.

 

A curiosidade dessa situação – que fez com que nessa semana o dólar chegasse a ser negociado a R$2,10, obrigando o Banco Central a vender parte de suas reservas internacionais para fazer a cotação da moeda americana recuar – é que há muito pouco tempo a preocupação do governo era com a excessiva valorização do Real. Tal qual uma biruta de aeroporto, parece que a sensibilidade das autoridades econômicas depende dos ventos de cada momento.

 

E essa “fuga do risco” por parte dos especuladores é certamente a maior preocupação do governo. Nos últimos anos, nossa vulnerabilidade externa aumentou enormemente. Além de termos deixado para trás os anos em que o saldo comercial do país cobriu as despesas com o pagamento da nossa conta de serviços, entre os anos de 2003 e 2007, desde 2008 temos contraído crescentes déficits em conta corrente, cobertos pela entrada de capitais para aplicações financeiras ou para a aquisição de ativos reais.

 

O professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, em recente trabalho (Governo Lula e o nacional-desenvolvimentismo às avessas, publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, de fevereiro de 2012), aponta que o passivo externo total do Brasil (o conjunto dos compromissos do país com os estrangeiros) evoluiu de US$ 343 bilhões, no final de 2002, para US$ 1,294 trilhão.

 

Descontando-se desse passivo total os investimentos diretos dos estrangeiros (investimentos em ativos reais: fábricas, terras, supermercados e demais negócios produtivos), temos os dados do chamado passivo externo financeiro (aplicações em bolsa e títulos financeiros, incluindo títulos da dívida pública). Em 2002, o total desse passivo era de US$ 260 bilhões e, em 2010, alcançou a cifra de US$ 916 bilhões.

 

Esses são passivos que rapidamente, em um momento de crise, podem conformar uma forte pressão por liquidez, com o objetivo de serem retirados do país, produzindo fortes pressões sobre o mercado de câmbio. Reinaldo Gonçalves destaca que, mesmo ao se levar em conta as elevadas reservas internacionais do país – sempre lembradas como um poderoso instrumento à disposição do governo –, a situação não é confortável: em 2002, esse denominado passivo externo financeiro líquido era de US$ 222 bilhões; em 2010, ao final do governo Lula, já havia atingido US$ 628 bilhões.

 

Além disso, sob o ponto de vista estrutural, não há nenhum indício de uma leve reversão que seja do quadro de desequilíbrio corrente das contas externas. Ao contrário, e os resultados de 2011 e deste 2012 demonstram claramente, há um crescimento cada vez mais robusto do déficit da conta de serviços, puxado pelas remessas de lucros, dividendos e juros da dívida externa, ao mesmo tempo em que a tendência é de uma redução do saldo comercial do país.

 

Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.

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