Correio da Cidadania

Lula e Obama: divergência em torno da política nuclear do Irã

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Ao longo de um quarto de século, ao ter como referência a derrubada do poder do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, o Irã havia sido no Oriente Médio um dos principais aliados dos Estados Unidos, ao lado da Arábia Saudita e de Israel.

 

A ruptura ocorreu em 1979, momento desfavorável para a presença estadunidense na região, por causa do segundo aumento abrupto da cotação do petróleo e da invasão do Afeganistão pela União Soviética. Mesmo nos dias atuais, a aproximação política entre a administração norte-americana e a iraniana, a despeito de inúmeras tentativas, não se viabiliza. A questão é uma das heranças do período bipolar.

 

Entre o advento da denominada Revolução Iraniana, movimento de feitio teocrático e antiocidental, e a Segunda Guerra do Golfo, em que houve a defenestração do ditador Saddam Hussein no Iraque, o país passou por um desgastante conflito de quase uma década – o do Irã-Iraque (1980-1988) – e, em face das características geopolíticas de seu entorno, desenvolveu um polêmico programa nuclear, considerado de matiz belicista aos olhos de parte do arco norte-atlântico, embora divulgado de forma interna como científico e pacifista.

 

Com a recente eleição de Donald Trump, do Partido Republicano, a presente perspectiva de distanciamento não deve modificar-se no curto prazo, até em função da perda parcial de atrativo econômico do Irã, uma vez que o preço do petróleo assenta-se em patamar modesto. Todavia, há poucos anos (2010), o valor do produto fixava-se em padrão mais elevado – de acordo com a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), quase o dobro do da atualidade (http://www.opec.org/opec_web/en/data_graphs/40.htm).

 

A consequência imediata foi o despertar da atenção de governos, como o do Brasil, ansiosos por sociedades recém-enriquecidas e menos industrializadas ou agrícolas por meio das quais seria possível renovar, através da diversificação das exportações, a esperança de recuperar suas combalidas finanças, estado advindo da crise financeira mundial de 2008. Portanto, Teerã era um alvo econômico de Brasília, a despeito da incisiva aversão ideológica de Washington ao regime visto como fundamentalista.

 

Entre 2009 e 2010, a Casa Branca, sob gestão democrata, decepcionava-se com o Planalto concernente ao governo persa, em vista do aspecto nuclear. Os Estados Unidos desejavam aplicar sanções ao Irã, porém o Brasil discordava de seu emprego, por avaliá-las contraproducentes – isolá-lo não barraria o andamento da execução da política nuclear, nem contribuiria para torná-lo mais democrático ou amistoso.

 

Ao contrário, tais medidas, se materializadas, dificultariam a atuação de organizações internacionais com o fito de supervisionar o controverso projeto energético. Posto o cenário de tensão entre a chancelaria estadunidense e a iraniana, o Itamaraty, ao ser questionado sobre sua posição de ceticismo quanto à destinação do programa persa, aludia ao caso do Iraque, acusado de armazenar armas de destruição em massa. Após a tomada norte-americana em 2003, apesar dos esforços de suas equipes de busca, elas não foram avistadas.

 

Na visão brasiliense, um lado enrijecer o posicionamento não ocasionaria efeito oposto no outro. Deste modo, o presidente Lula da Silva havia decidido manter sua viagem ao país médio-oriental, até em retribuição à visita ao Brasil do dirigente Mahmoud Ahmadinejad, de novembro de 2009, com o propósito de tentar o distendimento do quadro da época.

 

Malgrado a iniciativa da diplomacia brasileira, ela não teria impacto político naquela fase, uma vez que Washington optaria por encaminhar o tema de maneira multilateral, ao sediar a Cúpula de Segurança Nuclear no mês seguinte, maio de 2010, na qual intentaria relacionar o plano nuclear à possibilidade de utilização ilegal na política global, ou seja, vinculá-lo ao terrorismo.

 

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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

 

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