Correio da Cidadania

Estados Unidos: corporações versus população diante do Iraque

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No último passo de um total de oito (anos) de uma trajetória conturbada e desastrada, George Bush procura asseverar ao povo norte-americano - fiador duas vezes de sua jornada presidencial - que a atuação externa de seu governo impulsiona-se e, por conseguinte, há mais estabilidade nos territórios onde marcham tropas de seu país.

 

No dia-a-dia, se for concreta, a maior tranqüilidade, principalmente no Iraque, não se estende aos cidadãos de lá, nem altera a rotina dos de cá, no caso estadunidenses. Contudo, ela afeta positivamente um setor importante de ambos os lados: o das grandes corporações, em cujo seio labuta(ra)m figuras de expressão do governo dos Estados Unidos.

 

Mencionem-se dois apenas: Dick Cheney e Condoleeza Rice, homenageada com o seu nome em um navio petrolífero da Chevron, empresa para a qual trabalhou mais de uma década. Em 2005, a corporação retirou o nome, em vista da polêmica levantada - outro titular do Departamento de Estado, George Shultz, havia sido também honrado de forma similar antes de assumir o cargo durante a administração de Ronald Reagan.

 

Com vistas aos cidadãos iraquianos, há milhões de deslocados – as estatísticas são decerto imprecisas, mas estima-se que entre 10% e 15% da população foi obrigada a abandonar o seu local de residência ou mesmo sua cidade, a fim de minimizar as intempéries derivadas da confrontação em curso, como o desemprego maciço, por exemplo.

 

É possível que a relação entre o número de emigrados – tendo, por destino principal, a empobrecida Síria - e o de pessoas de formação superior esteja bem acima da média do país, o que significa, portanto, uma fuga de cérebros, sentida tanto atualmente, ao dirigir-se a atenção à contínua instabilidade política do país, como na sua reconstrução futura. Desprovido de capital humano, as perspectivas de recuperação do Iraque são desanimadoras.

 

Na execução da programação militar, preocupações humanitárias para a Casa Branca são postas em segundo plano. Em 2007, os Estados Unidos acolheram em seu território apenas pouco mais de mil e quinhentos refugiados de um total de até quatro milhões, vítimas tanto das investidas norte-americanas como das disputas entre xiitas e sunitas.

 

Ainda que tais empresas em foco se valham de seguranças privados – contractors – em suas áreas de exploração, sem a presença constante de combatentes regulares das forças armadas anglo-estadunidenses na maior parte do território iraquiano, os seus custos operacionais dilatar-se-iam bastante e a sua presença conseqüentemente se tornaria inviável, em função de restrições de seus acionistas, temerosos de dividendos bastante reduzidos ou de decréscimo do valor de seus títulos.

 

Entretanto, com relação ao governo norte-americano, há uma cornucópia de dinheiro, cujo funcionamento é garantido, de modo ininterrupto, pelos milhões de contribuintes do país, mesmo que contrários à manutenção do conflito. Sem os gastos bélicos iraquianos, o sistema de saúde poderia voltar a ser universal – cerca de 15% da população é desprovida de assistência médica por insuficiência de recursos financeiros.

 

Na presente campanha presidencial, nem os partidos, por meio de manifestos, nem os postulantes, por meio de discursos, mencionam a relação entre confrontação militar e recursos energéticos no Oriente Médio. A justificativa invocada é sempre a segurança, ao contraporem-se os Estados Unidos ao terrorismo, apesar de indícios quebradiços entre o Iraque e o terror, direcionado para a faixa norte-atlântica.

 

Destarte, há várias maneiras de se avaliar o êxito da estabilidade anunciada a altos brados pela Casa Branca. Contudo, nenhuma delas se sustenta –os preços do petróleo não se fixam sequer em um determinado patamar, ainda que novamente beneficiem grandes corporações lá instaladas, não populações ao longo do globo, em face de majorações intermitentes.

 

A alternativa seria os Estados Unidos retirarem-se do Iraque, mas os republicanos, diante da tibieza democrata em posicionar-se firmemente a favor de um retorno dos combatentes, vociferam que sair é trair o país, diante de toda a abnegação, em sua visão, ocorrida até o momento.

 

Falta ao Partido Republicano, no entanto, apontar se os mais sacrificados – os integrantes das tropas e as suas famílias - na execução da presente política externa norte-americana desejariam manter tanto altruísmo em prol da economia, não da política (democracia).

 

Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais na UnB.

 

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