Correio da Cidadania

A irrealista meta de julho de 2011 no Afeganistão

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Com o deslocamento gradativo de dezenas de milhares de efetivos norte-americanos do Iraque para o Afeganistão, muitos talibãs estariam refletindo sobre a possibilidade de renunciar às armas e se integrarem aos poucos à sociedade patrocinada pelo Ocidente desde a ocupação do país, logo após o atentado terrorista de setembro de 2001.

 

As condições desdobrar-se-iam em três: anistia, mesmo oficiosa; proteção inicial do governo, a fim de evitar represálias dos antigos partidários; e auxílio financeiro, com o objetivo de permitir seu ingresso na economia regular. Assim, a atividade militar seria posta de lado e o processo de reintegração civil concluído.

 

Além da ampliação dos contingentes, a atuação das tropas otanianas alterou-se, a partir do momento em que se estabeleceu um tipo bem definido de alvo: os líderes das ‘células’ insurgentes.

 

Em vez da quantidade, materializada desde o início do conflito para grandes capturas, prevalece atualmente a ação específica, voltada para a anulação dos comandantes locais, seja por aprisionamento, seja por assassínio. Operações especiais têm sido executadas no sul do território afegão e em torno da capital, Cabul.

 

De maneira simultânea, o governo afegão politicamente se inclina a acolher os arrependidos, desde que rejeitem de maneira firme seus antigos laços com a Al-Qaeda e renunciem à resistência armada. Do outro lado, muitos oposicionistas avaliam o êxito de sua resistência bélica. Caso a atuação otaniana prevaleça, eles não terão influência no futuro cotidiano do país.

 

Aos olhos do Ocidente na região, a aplicação de força militar com vistas a estruturar uma reconciliação parece ser o único caminho viável no momento, após quase um decênio de confrontos; em vez da contenção constante da militância fundamentalista, a cooptação, com o fito de estabelecer-se uma transição, favorável, se possível, aos desígnios anglo-americanos.

 

Por outro lado, os mais renitentes movimentam-se baseados no cronograma de retirada final dos efetivos otanianos – julho de 2011. Desta forma, absorvem-se recuos ou mesmo reveses, materializados na dissidência, como transtornos temporários, logo toleráveis no curto prazo. Entrementes, a coligação norte-atlântica pondera que a saída somente ocorrerá se houver o encolhimento real da guerrilha extremista.

 

À primeira vista, não parece crível o estabelecimento de um amplo arranjo político em solo afegão, a ser viabilizado em tão curto espaço de tempo. Em um primeiro momento, seria bastante difícil fixar a atenção das principais lideranças para temas maiores, de execução iminente, relacionados à recuperação da castigada infra-estrutura e à formação do corpo burocrático - em especial, policial e militar.

 

Até o momento, pululam denúncias de corrupção ou de ações malfeitas sem encaminhamento adequado por parte das autoridades afegãs pró-ocidentais. A ausência de rigor local nas apurações fortalece o discurso moral da resistência. Os esforços norte-americanos com vistas a reduzir a malversação administrativa terminaram por constituir uma força tarefa, liderada por um oficial-general.

 

Além do mais, o governo deve preparar-se de modo conveniente para os foros internacionais. Assim, há a necessidade de compor um serviço diplomático permanente, com a finalidade de integrar gradativamente o país na comunidade global – anteriormente à investida dos Estados Unidos, o Afeganistão mantinha relações institucionais com apenas três países: Arábia Saudita, Paquistão e Emirados Árabes Unidos.

 

Questões locais, de feitio clânico, tenderiam a sobrepor-se e dificultariam a coordenação de metas nacionais. O desafio é evitar que rivalidades entre o sul e o norte do país desemboquem em nova confrontação, como na década de 90, o que possibilitou a ascensão dos talibãs.

 

Portanto, a meta de julho de 2011 é irrealista, uma vez que não se solucionou a contento nenhum dos problemas afegãos.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de História da mesma instituição.

 

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