Correio da Cidadania

Desatar os nós do desenvolvimento

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O discurso que prevaleceu no movimento de adesão de parte considerável da direita da esquerda à candidatura Aécio foi o de que a sociedade civil unificada exigia mudanças que o governo Dilma não contemplava. Nessa sociedade civil eram incluídos não apenas as classes sociais intermediárias, ou o conjunto da pequena-burguesia, mas também os setores ou frações da classe trabalhadora assalariada que teriam ascendido à condição de classe média. Sem esquecer, é lógico, o empresariado. Ficariam de fora apenas os setores “ignorantes” e “desinformados” das classes “baixas”.

 

Teria se configurado, desse modo, uma frente única social capaz de tirar o Brasil do abismo a que teria sido levado pelas políticas econômicas “desastrosas” do governo Dilma. Sem se aperceber que as propostas tucanas reconduziriam o país à devastação dos anos 1990, a direita da esquerda mergulhou de ponta cabeça naquela ilusão da sociedade civil unificada. Para piorar, também se alimentou acriticamente de uma campanha de calúnias, mentiras e agressões que não se assistia desde 1989. A campanha de Collor contra Lula, naquele ano, foi transformada em coisa de amadores.

 

Apesar disso, as urnas de 26/10 enterraram a teoria da sociedade civil unificada. Demonstraram que parte da sociedade civil real, formada pelas diversas classes sociais reais da sociedade brasileira, tendo como maioria a classe dos trabalhadores assalariados, está relativamente vacinada contra as mentiras forjadas pelo partido da mídia e os chiliques do sistema financeiro nas bolsas de valores. E, também, contra as decisões do Mercado, esse ente mitológico que pretende governar a ação de todos os governantes, e que realizou uma ação unificada, incisiva e aberta contra Dilma, como há muito não se via nas campanhas eleitorais.

 

Por outro lado, as urnas também evidenciaram um descontentamento real, de setores consideráveis da pequena-burguesia e de setores populares, contra o governo e o PT. Esse descontentamento tem por base a falta de clareza no enfrentamento de casos de corrupção, em especial aqueles que envolvem petistas. Deita raízes no baixo crescimento da economia, apesar do paradoxo da taxa de emprego continuar alta. É alimentado pelos preços exorbitantes e pelos picos de inflação do tomate, da abobrinha, do quiabo e dos produtos industrializados. Cresce com os problemas de transporte, saúde e educação. E atinge níveis de paroxismo com o aumento da violência social e policial.

 

Foi esse descontentamento que permitiu à oposição de direita atrair a direita da esquerda e tornar tão apertada a vitória de Dilma no segundo turno. Descontentamento que só pode ser revertido com uma estratégia de desenvolvimento econômico e social que solucione e/ou mitigue os principais problemas estruturais da sociedade brasileira. Uma estratégia, política ou projeto de âmbito nacional que não pode ser conformada apenas por políticas parciais e, ainda por cima, dispersas.

 

Pouco adianta ter políticas de aumento da produtividade da força de trabalho para supostamente obter altas taxas de crescimento do PIB. Ou praticar o diálogo e fazer concessões para o setor privado, devolvendo-lhe o "espírito animal" na construção e operação da infraestrutura e no funcionamento dos mercados. Ou fazer desonerações para os setores oligopolizados, na esperança de que reduzam preços e mantenham empregos. Afinal, convivemos com os altos juros impostos pelo sistema financeiro e o “espírito animal” do setor privado prefere jogar nos altos preços administrados e no cassino rentista.

 

Precisamos de uma política, projeto ou estratégia unificada que tenha como objetivo alcançar taxas médias anuais crescimento de 4% a 5%. Só desse modo será possível absorver o "exército de reserva" que permanece como lumpen-proletariado e constitui a base principal da violência urbana. Só desse modo será possível dar dinamismo à economia brasileira, resolver os problemas básicos de transporte, saúde, educação e saneamento urbano, reconstruir a infraestrutura industrial e agrícola, e ampliar de forma consistente os avanços sociais já conseguidos.

 

Para materializar tal objetivo de crescimento é necessário elevar as taxas anuais de investimento para cerca de 25% do PIB. O que exige uma participação mais incisiva do Estado, ou dos recursos públicos, nesses investimentos. Em termos práticos, isso demanda juros mais baixos, para reduzir as despesas com a dívida pública. Demanda também taxas de câmbio administradas, para elevar a competitividade externa dos manufaturados nacionais. Exige uma reforma tributária, que taxe o capital fictício e dê lucratividade ao capital investido na produção. Coloca na ordem do dia a necessidade de criar um ambiente econômico de maiores oportunidades e concorrência. E impõe ao Estado criar empresas locomotivas que tracionem os elos privados médios e pequenos das cadeias produtivas nacionais e deem maior consistência às exportações.

 

Em outras palavras, é fundamental realizar um crescimento ampliado da produção industrial e agrícola, neste caso principalmente de alimentos para o mercado interno. E fazer com que tal crescimento da produção sirva não para a centralização do capital em poucas mãos, mas para a melhoria das condições de vida da maior parte da sociedade. Ou seja, a redistribuição da renda gerada pelo aumento da produção deve alimentar não só a reprodução ampliada do capital, mas também a reprodução ampliada da força de trabalho, evitando conflitos sérios entre consumo e investimento.

 

É evidente que, nas condições brasileiras, essa estratégia terá que incluir um novo tipo de regulação dos investimentos estrangeiros, de modo que tais investimentos se voltem para o setor produtivo e contribuam para o desenvolvimento das forças produtivas nacionais. O que exige uma legislação apropriada que inexiste hoje.

 

Em termos gerais, sem uma estratégia, política ou projeto desse tipo, que desate o nó do desenvolvimento econômico e social, será impossível dialogar com as forças políticas da direita da esquerda, assim como com os setores sociais da pequena-burguesia e das camadas populares atualmente descontentes. Portanto, será impossível desatar o nó político. Dificilmente se poderá criar um ambiente político de frente única, que isole a grande burguesia, em especial sua fração financeira, assim como os setores reacionários. E que permita uma mobilização social capaz de fazer com que o Congresso realize as reformas políticas democratizantes que o país necessita.

 

Queiramos ou não, para desatar o nó do desenvolvimento econômico e social teremos que atingir o núcleo duro do sistema financeiro e do monopólio econômico. A união política nacional não pode se furtar dessa realidade. Portanto, a combinação das ações de política econômica com as ações de mobilização social terá que estar presente em todos os passos das mudanças que o novo mandato Dilma quiser implementar.

 

Por outro lado, se o PT pretende  retomar a hegemonia política, no bom sentido da palavra, terá que ir além da elaboração dos projetos, políticas ou estratégias, tanto de desenvolvimento econômico e social quanto de reformas políticas. Terá que realizar uma profunda retificação das teorias e das práticas que o orientaram nos últimos 15 a 20 anos.

 

Terá que retornar ao chão das fábricas, às comunidades, às associações populares, à base da sociedade e retomar seus laços com ela. Sem participar do cotidiano de luta dessa base, o PT falará no vazio. Como aconteceu pelo menos no Rio de Janeiro, onde demonstrou incapacidade de conquistar os milhões de descontentes com os demais candidatos a governador, que votaram nulo ou se abstiveram.

 

Também terá que retificar suas práticas de combate contra desvios de corrupção. Como no ditado antigo, ao PT não basta ser honesto. Ele precisa sempre parecer honesto, incorruptível, se quiser enfrentar com vantagem os ataques de seus inimigos de classe. Em outras palavras, quando falamos em desatar os nós do desenvolvimento, falamos não apenas dos nós do desenvolvimento econômico e social, mas também dos nós políticos que entorpecem a ação da esquerda.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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