Correio da Cidadania

Se eu fosse você

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Se eu fosse você, companheira Dilma, no programa radiofônico e televisivo do PT, eu teria iniciado minha fala pedindo desculpas ao povo brasileiro pelos problemas que ele está enfrentando no atual momento. Teria acentuado que tudo o que o PT fez de bom no governo, e que apareceu no programa, é verdadeiro. Mas tudo isso, como águas passadas, não movem moinhos. Portanto, o povo tem razão em reclamar dos problemas atuais.

 

Então, eu reconheceria que esses problemas existem e foram, em parte, causados por erros cometidos por mim. Por exemplo, admitiria que foi um erro haver feito desonerações para a indústria automobilística. Diria ter tido a esperança de que essa indústria mantivesse os empregos e de as vendas de autos incentivassem o conjunto da economia. Não deu certo. Teria sido muito mais correto investir no aumento da produção dos pequenos agricultores e das indústrias de produtos para a vida diária do povo. Isso teria evitado o aumento dos preços ou da inflação, e não teria criado problemas fiscais.

 

Eu admitiria ainda que, nessa questão da inflação, também foi um erro não pressionar o Banco Central para reduzir os juros. O combate à inflação, para não sacrificar o povo, tem de ser feito aumentando a oferta de produtos, em combinação com o aumento do poder de compra da população. O aumento dos juros só beneficia aos rentistas e banqueiros, que continuam lucrando, com a crise ou sem ela.

 

Depois disso, continuaria minha fala dizendo que voltei a cometer mais um erro ao deixar que meus ministros programassem um ajuste que, ao invés de tirar de quem tem muito, tira de quem não tem, sacrificando ainda mais aos trabalhadores e o povo pobre. Apenas 70 bilionários brasileiros, numa população de 200 milhões, possuem 22% da renda e 29% dos patrimônios nacionais.

 

Apesar disso, eles só contribuem com 5,5% do dinheiro arrecadado pela Receita Federal. O ex-presidente FHC os isentou de pagar imposto de renda sobre lucros e dividendos. Já os pobres, mesmo os que são isentos de IR, pagam os impostos embutidos no valor das mercadorias que compram e só sentem a dor da garfada quando vão comprá-las. É por isso que até a população trabalhadora e pobre está achando o governo mais parecido com o governo prometido pelo PSDB do que com o governo Lula.

 

Por tudo isso, eu voltaria a pedir, mais uma vez, que o povo me desculpasse. Errar é humano e, ao reconhecer meus erros, estarei dando o primeiro passo para mudar. Eu proclamaria, então, que daquele momento em diante chamaria um grupo de economistas que têm proposto outro caminho para superar as dificuldades da economia brasileira e, com eles, tomaria as medidas necessárias para baixar os juros, aumentar os investimentos na produção dos alimentos e dos bens necessários à vida diária do povo, aqui incluídos os transportes, a saúde, a educação e o saneamento e retomar o crescimento econômico e a geração de empregos.

 

Ao mesmo tempo, alertaria ao povo de que tais medidas aumentariam a oposição dos que só querem lucrar. Sem o firme apoio do povo não é possível realizar uma política que beneficie ao conjunto da população e não só aos ricos. Por isso, conclamaria o povo a distinguir aqueles que estão descontentes pelas medidas erradas adotadas por mim na economia, como os manifestantes de junho de 2013, daqueles que estão querendo derrubar o governo porque tenho apoiado as ações da Polícia Federal e da Promotoria Pública para fazer um acerto de contas com os corruptores e os corruptos.

 

Lembraria que, no passado, era comum que os governos mandassem sustar investigações e processos que envolviam empresários e políticos amigos e aliados. Desde o governo Lula essa prática mudou. E, doa a quem doer, o governo do qual sou a principal mandatária não interferirá para sustar investigação alguma, mesmo que seja relacionada a membros do meu partido.

 

E afirmaria que é por isso, não pelos problemas que o povo está enfrentando, que vários políticos e magnatas pretendem me ver fora da presidência. Eles acham que me tirando do governo poderão dar um jeito para frear ou extinguir as investigações em curso. Envolvidos no “mensalão mineiro”, nos “trens paulistas”, no “helicóptero carregado de cocaína”, nas corrupções das obras das estatais, e em inúmeras outras irregularidades e propinas, me responsabilizam por, supostamente, haver permitido que o Procurador Geral da República os tenha colocado numa lista de investigados.

 

Eu frisaria que a Polícia Federal, as Procuradorias, as Promotorias, os Juizados e os Tribunais existem para investigar as denúncias de irregularidades e de crimes praticados por quem quer que seja. Esses órgãos não estão isentos de erros, de arbitrariedades ou de atropelarem a própria lei, até mesmo invertendo a presunção de inocência pela presunção de culpa.

 

Mas, lembraria que, apesar desses desvios que merecem ser denunciados, pela primeira vez na história do Brasil estão em curso ações que podem dar um golpe sério em corruptores e corruptos graúdos. As tentativas desesperadas de setores políticos oposicionistas, do empresariado e da mídia para desviar a atenção do povo apenas para o partido ao qual pertenço, e salvar seus amigos das barras dos tribunais, é o pano de fundo da presente crise política e institucional.

 

Mesmo assim, repetiria, nada disso me arredaria de continuar incentivando as operações investigativas. Cabe ao povo brasileiro estar atento e agir contra as arbitrariedades. E evitar que a política seja criminalizada, como há muito vem sendo tentado pela grande mídia. A liberdade política, a liberdade de todo o povo se expressar, de votar, de participar do controle dos órgãos públicos, é parte essencial da democracia. E, sem o exercício da política, a liberdade morrerá. E, quando a liberdade morre, no final das contas quem mais sofre é o povo.

 

Por isso, pediria a esse mesmo povo que exija que os acusados de corrupção sejam julgados e mandados para a prisão com base em crimes reais e comprovados. E apelaria a ele que se mobilize para fazer com que o Congresso realize uma reforma que, na pior das hipóteses, impeça a política de voltar a ser contaminada pela corrupção das contribuições empresariais a partidos e campanhas eleitorais. Chegou a hora de dar fim aos mandatos parlamentares conquistados com base no dinheiro privado.

 

Eu calculo, companheira Dilma, que se eu fosse você e tivesse dito tudo isso no rádio e na TV, no dia seguinte estaria no olho de um furacão. Mas, será que esse furacão seria maior do que aquele no qual você já está mergulhada, sem esperança de solução favorável? Talvez não. Na pior das hipóteses, conseguiria reorganizar a base parlamentar, reconquistar para meu lado grande parte dos movimentos sindicais e populares, promover um banho de realidade no PT, e começar a redirecionar a economia para servir à esmagadora maioria do povo, e não a uma minoria.

 

Isso, que há algum tempo venho chamando de cavalo-de-pau na crise, talvez seja a saída para as dificuldades atuais. Para ser franco, a essa altura não tenho certeza se já passamos ou não do ponto de não retorno. Mas, em qualquer das hipóteses, o cavalo-de-pau ainda será a melhor saída para juntar os salvados do furacão.


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Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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