Correio da Cidadania

Emaranhado de contradições

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A economia, a situação social, a vida política e as instituições brasileiras transformaram-se num complexo emaranhado de contradições. Cada uma delas enredada em suas oposições específicas, e todas elas enrolando-se desordenadamente.

 

Na economia temos o ajuste fiscal que se tornou desajuste geral. Há o quase pleno emprego que virou forte desemprego. Os juros, elevados à estratosfera para conter a inflação, tornaram-se indutores inflacionários e promotores do déficit fiscal, embora isto seja escondido pelos “analistas”. As commodities, salvadoras da pátria exportadora, afundaram no tsunami da crise econômica mundial. As pressões recentes da direita para que o Brasil estreite os laços com o “mundo desenvolvido”, em suposta “recuperação”, perdem força diante da nova onda de crise nesse mesmo “mundo”.

 

Na situação social vive-se o inusitado. A classe média conservadora, que reclamava dos pobres da “classe C” viajando de avião, vê seus ganhos desabarem com o desemprego e o retrocesso da “classe C” aos patamares das “classes D e E”. Apesar disso, há gente que acredita que o aumento da idade para aposentadoria, reduzindo o suposto déficit na Previdência, seja capaz de resolver o problema do déficit fiscal brasileiro. E a epidemia de dengue, que mata, passou a ser subestimada porque a mídia considerou que a epidemia de zika, causadora de problemas em nascituros, é muito mais impactante na opinião pública.

 

Paralelamente, emergem ainda com mais força o que a mídia e a direita política chamam de “caos” na saúde e na educação. Os perdigueiros da imprensa, tão eficazes em fuçar e encontrar exemplos desse “caos”, apenas se referem aleatoriamente ao fato de que as unidades caóticas foram “terceirizadas”. Ou seja, são serviços públicos entregues à administração de empresas privadas, sob a denominação de “organizações sociais”. O serviço público, se já era ruim, tornou-se um caos ainda maior ao ser privatizado.

 

Na política predomina a mazorca, comandada por um meliante comprovado, mas contra o qual a judicialização age a passos de tartaruga. O Ministério da Justiça deixa a Polícia Federal agir atropelando a lei, mesmo quando isso se dá de forma escancarada. E o PT, apesar de estar se aproximando dos 40 anos de vida, deixa que a opinião pública seja avassalada pelo Partido da Mídia por não ter qualquer Meio de Comunicação de Massa próprio, digno desse nome.

 

Nessas condições, a instituição judicial age às cegas, seja atropelando a Constituição e as demais leis, seja jogando sobre estas a responsabilidade pela morosidade dos processos, e pelas “prescrições por esgotamento de prazos”. A presunção da inocência se tornou item superado. Para ser preso basta haver a suposição da “possibilidade” de existência do delito. “Provas” passaram a ser itens desnecessários nos processos penais. O mesmo juiz que decreta “segredo de justiça” pode permitir “vazamentos” que levem à suposição de que alguém cometeu algum “crime”.

 

Na disputa feroz pelo mercado brasileiro, uma parte dos oligopólios se regozija com a possível quebradeira do cartel das empreiteiras, e com o definhamento da Petrobras. De uma só cajadada, está vendo abrir-se um enorme espaço nesse segmento do mercado. Por esse lado, tratará apenas de substituir o antigo oligopólio e “privatizar” a Petrobras. De outro, além de se ver livre dos incômodos PT e seu líder Lula, liquidando-os como projeto e força política, espera dispersar por muitos anos qualquer outro projeto de esquerda no país.

 

É possível ir muito além da lista acima. Há contradições emaranhadas em outros setores econômicos, relacionados com a indústria, a agricultura, o câmbio, o desenvolvimento científico e tecnológico etc. O mesmo ocorre na área social, com problemas de racismo, gênero, meio ambiente, saneamento etc. Idem na política e no Estado.

 

Diante de tudo isso, o grande problema com que nos defrontamos consiste em detectar as contradições principais e tratá-las de forma a obter sua superação. Na situação atual, sem destravar as contradições da economia não será possível desentranhar as demais contradições.

 

Ou seja, será preciso rebaixar os juros; elevar os investimentos públicos, fazendo as empresas estatais empurrarem os investimentos privados, principalmente na indústria e na agricultura de alimentos; e aumentar as taxas de emprego e a capacidade de compra da população. Estando no governo, somente com isso será possível recuperar o protagonismo político, realizar as reformas políticas necessárias e ter força social e política para fazer com que a justiça obedeça às leis.

 

É evidente que, no caso específico do PT, paralelamente a isso serão necessárias pelo menos duas medidas de choque nas questões de corrupção. De um lado, todos os dirigentes e militantes que, por um motivo ou outro, tenham sido envolvidos em denúncias de corrupção, precisarão ter seus casos seriamente investigados por comissões internas, que devem dar publicidade a suas conclusões e decisões. De outro, a proibição de receber contribuições de empresas privadas deve ser estrita e seriamente observada na campanha de 2016, levando à recuperação da militância e de seus núcleos como principais instrumentos de relação direta com o povo.

 

Embora aparentemente reducionistas, os passos acima são difíceis e complexos, exigindo um esforço conjunto extraordinário para serem efetivados. Se não forem, o futuro tenderá a apresentar contradições ainda mais emaranhadas.

 

 

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Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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