Correio da Cidadania

Por uma agenda com compromissos de combate

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Ao lado das tentativas esporádicas de responder à ofensiva da direita, até agora vitoriosa, com surtos da virose infantil do esquerdismo, também nos assolam os ventos gelados da capitulação, ou rendição incondicional, à reprise do sistema neoliberal privatista e entreguista já em curso com Temer no comando.

 

Reconhecer que ocorreu uma derrota estratégica e que se foi levado a uma defensiva estratégica não significa render-se nem entregar os pontos. Mesmo porque, para manter a aparência de obediência constitucional impecável, a direita está sendo obrigada a comer o bolo do golpe bocado a bocado, para não engasgar. Dizendo de outro modo, ainda há cerca de seis meses nos quais serão travados novas batalhas estratégicas e inúmeros combates táticos.

 

Nessas condições, ainda não se pode arriar as bandeiras de “Não ao Golpe” e “Fora Temer”. Mas isso não basta. Tão ou mais importante consiste em remodelar a estratégia ainda predominante no PT e em outros agrupamentos de esquerda, e elaborar e levar à prática uma agenda imediata de combates.

 

Isto é, uma agenda que, na pior das hipóteses, desnude para a população brasileira, especialmente para os trabalhadores, as camadas populares e os setores médios progressistas, o caráter neoliberal e entreguista dos golpistas, e recupere as bandeiras dos direitos econômicos, sociais e políticos, da soberania nacional e dos princípios éticos que estiveram na base da fundação do PT e de outros agrupamentos políticos da esquerda.

Como sugestão ao debate, e como condição para travar batalhas e combates em novas condições, tal agenda poderia conter:

 

1. Reconhecimento público, pelo PT e pela presidente Dilma, de que cometeram um erro grave ao tentar um ajuste fiscal de conteúdo neoliberal, que contribuiu para o agravamento das crises econômica e política e permitiu à direita consolidar sua ofensiva antipopular, antidemocrática e antinacional;

 

2. Compromisso público, da presidente Dilma, de que nos próximos dois a três meses trabalhará junto com sua equipe para apresentar um programa de saída da crise econômica. Tal programa pode ter por base o documento aprovado pelo diretório nacional do PT, com queda das taxas de juros, administração do câmbio, controle da inflação, retomada dos investimentos públicos e privados, geração de empregos, luta contra os oligopólios, maior participação das empresas estatais na industrialização nacional, crescimento econômico democrático, desenvolvimento soberano, manutenção dos direitos dos aposentados, continuidade da política de valorização do salário mínimo, e luta contra qualquer tentativa de liquidação dos direitos sociais e políticos presentes da Constituição de 1988;

 

3. Compromisso público da presidente, de lutar pela observação firme das leis que regem o país, contra qualquer criminalização dos movimentos sociais;

 

4. Compromisso público da presidente contra qualquer esmorecimento no combate à corrupção, mas sem transgressões às leis que regem o país, determinando que a PF se atenha à letra dessas leis no cumprimento de suas ações;

 

5. Compromisso público do PT de cumprir rigorosamente a proibição de contribuições financeiras empresariais e de instituir comissão especial para examinar todos os casos de filiados e/ou dirigentes envolvidos em acusações de corrupção e/ou tráfico de influência, adotando as medidas internas de suspensão, desfiliação e/ou expulsão, conforme a gravidade das provas.

 

6. Compromisso público do PT de lutar para que todas as operações policiais e judiciais em curso contra a corrupção sejam levadas avante, incluindo a totalidade dos arrolados e não apenas os politicamente selecionados, e tendo como base provas consistentes e não apenas “suposições” e “indícios”. O que inclui o aceleramento do julgamento do meliante Cunha e seus associados no parlamento e nas empresas públicas e privadas.

 

7. Compromisso público do PT de lutar, de todas as formas legais, contra as tentativas golpistas de criminalizar os movimentos sociais de todos os tipos e de retirar os direitos sociais e democráticos dos trabalhadores, os direitos educacionais e culturais de todo o povo, e os direitos das mulheres e dos negros (maiorias do país) em participar nos destinos do país.

 

8. Compromisso público do PT de reconhecer o papel importante dos demais agrupamentos de esquerda na luta contra o golpe e procurar estabelecer pautas comuns, estratégicas e táticas, de luta para barrar a atual ofensiva da direita e retomar a luta por um Brasil democrático e popular.

 

9. Compromisso público da direção do PT, com aplicação prática imediata, de realizar um processo interno amplo de discussão e revisão de suas estratégias e táticas, retornando fortemente à ação junto às classes trabalhadoras e populares, suas principais bases de sustentação.

 

Nada disso é novidade. Tudo já aparecia nas discussões internas no PT e nos diálogos com os movimentos sociais e outras forças de esquerda, bem antes da disputa eleitoral de 2014.

 

A diferença é que, neste momento, se uma agenda desse tipo não for posta em prática, as derrotas estratégicas nas próximas batalhas políticas poderão representar um desastre econômico semelhante aos anos perdidos da década de 1980 e 1990, e uma dispersão social e política semelhante à dos anos 1960 e 1970, mesmo que não ressurjam o SNI e os DOI-CODIs.

 

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Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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