Correio da Cidadania

A questão industrial

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O Plano Popular de Emergência, lançado pela Frente Brasil Popular, constitui uma contribuição positiva tanto na unificação das forças sociais empenhadas na superação da crise política em que a direita tenta afundar o país e torná-lo ainda mais subordinado ao capital estrangeiro, quanto no enfrentamento das questões relacionadas com a retomada do desenvolvimento econômico e social.
 
Corretamente, propõe a adoção de uma nova política econômica que adeque as taxas de juros, o câmbio e a política fiscal à realidade nacional, busque elevar os investimentos a 25% no prazo de quatro anos, reverta as privatizações e concessões de empresas estatais, crie um fundo nacional de desenvolvimento e emprego, e realize uma série de outras medidas destinadas a impulsionar a economia. E, em seu décimo quinto item, propõe um “plano de desenvolvimento industrial que articule investimentos estatais, política cambial, créditos dos bancos públicos e incentivos à iniciativa privada”.
 
Em outras palavras, o desenvolvimento industrial aparece apenas como um item a mais para o processo geral de desenvolvimento. Ele não é considerado a locomotiva indispensável para implantar uma macroeconomia de juros baixos, câmbio favorável às exportações e política fiscal progressiva, e para arrastar atrás de si todos os demais setores econômicos e sociais, incluindo o desenvolvimento científico e tecnológico e o emprego em massa.
 
A maneira de encarar o desenvolvimento industrial como um item secundário e não como o item diretor do processo econômico tem sido recorrente e predominante na história brasileira, apesar dos soluços industrializantes dos anos 1930, 1950 e 1960-70. Na prática isso resultou na vitória das teses de Eugênio Gudin, segundo as quais o Brasil não precisava de indústria porque a agropecuária poderia produzir uma riqueza maior e mais sólida. Hoje o agronegócio se apresenta como a indústria da nação e a base do crescimento econômico, fazendo o Brasil retornar à condição de exportador de bens primários, maquilador de alguns bens industriais de consumo e importador da maior parte dos bens de produção e intermediários.
 
Além disso, a predominância do agronegócio, além de subordinar o desenvolvimento econômico e social às intempéries das crises mundiais das commodities agrícolas, tem o defeito de concentrar a riqueza num segmento ainda mais estreito da população, gerar um mercado de trabalho muito aquém da população economicamente ativa existente, tornar insignificante a produção de alimentos para o mercado doméstico e subordinar o desenvolvimento científico e tecnológico do país às pesquisas e inovações dos países capitalistas avançados.
 
Na ausência de um debate mais profundo sobre as implicações estruturais da industrialização, incluindo suas cadeias produtivas de bens de produção, bens intermediários e bens de consumo, criou-se a suposição, durante os governos de coalizão dirigidos pelo PT, de que o aumento do poder de compra dos pobres e miseráveis levaria o empresariado a investir na industrialização.
 
Em outras palavras, acreditou-se que o crescimento da demanda resultaria no aumento da produção e na industrialização, algo que não ocorreu pelo menos por quatro fatores conjugados. Em primeiro lugar a taxa real de juros do mercado financeiro era muito mais apetitosa do que qualquer investimento industrial. Em segundo lugar, não havia qualquer política industrial que direcionasse os investimentos públicos e privados sequer para os setores de ponta dos bens de produção e consumo. Em terceiro lugar, as empresas estatais, com exceção da Petrobras em sua área, não funcionavam como orientadoras do processo de industrialização. E, em quarto lugar, aos investimentos externos dirigidos ao Brasil não era imposta qualquer condição industrializante e de transferência de novas tecnologias, permitindo-se que se dirigissem principalmente ao mercado especulativo ou aos setores mais lucrativos.
 
Essas experiências dos governos dirigidos pela esquerda política, assim como dos soluços industrializantes do passado, precisam ser analisadas criticamente e resultar em propostas que coloquem a indústria nacional no papel fundamental que desempenha em qualquer processo contemporâneo de desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico.
 
Não se trata de prever apenas um “plano de desenvolvimento industrial que articule investimentos estatais, política cambial, créditos dos bancos públicos e incentivos à iniciativa privada”. Será preciso definir claramente os setores estratégicos, isto é, que desempenham papel determinante em todo o processo (a exemplo da siderurgia e dos bens de produção tecnologicamente avançados) que devem ficar sob predomínio do Estado e para os quais será preciso priorizar os investimentos dos bancos públicos. Portanto, será preciso definir as prioridades do próprio processo de industrialização e aquilo que deve ficar sob tutela do Estado e sob tutela do capital privado.
 
Em relação aos capitais privados, também será necessário estipular regras claras para os investimentos estrangeiros, que continuam sendo necessários pela baixa acumulação do capital nacional (em relação à acumulação de capital nos países capitalistas avançados). Será preciso definir as áreas abertas a tais investimentos, assim como as condições em que eles devem ocorrer (estimulados ou restritos, transferência de tecnologias, prazos etc.).
 
Dizendo de outro modo, o Estado precisa passar a ser o verdadeiro orientador do processo de industrialização, através de suas empresas estratégicas, definindo prioridades e políticas apropriadas de estímulo e também de correção do mercado, que sempre tende à anarquia. Se o Estado foi utilizado, durante os soluços industrializantes de JK e do milagre econômico ditatorial, para implantar uma industrialização subordinada e dependente do capital estrangeiro, porque não pode ser empregado para desenvolver uma industrialização avançada e nacionalmente soberana?
 
À Frente Brasil Popular, ao PT e aos demais partidos de esquerda cabe a missão de impulsionar esse debate sobre a industrialização de modo que a possível retomada do caminho democrático e a volta dos setores democráticos e populares ao governo, em 2018, não reproduza a ausência de uma política efetiva de desenvolvimento industrial. O Plano Popular de Emergência, além de representar um estímulo a tal debate, pode contribuir para a formulação de uma Política Nacional de Desenvolvimento Industrial que seja não um novo “soluço industrializante”, mas um instrumento de transformação do Brasil num país avançado a médio e longo prazo.

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Wladimir Pomar

Escritor e Analista Político

Wladmir Pomar
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