Correio da Cidadania

Resgatar a consciência de classe em trabalhadores é fundamental

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O Dia Internacional do Trabalhador e sua história

Mais um Dia do Trabalhador e da Trabalhadora se aproxima e, com ele, a reflexão de quais são os papeis essenciais da classe trabalhadora e do movimento sindical na atual conjuntura política do país.

Desde sempre as elites econômicas têm tentado, de todas as formas, nos oprimir a fim de continuarem se valendo de uma exploração cruel que empobrece, adoece e mata trabalhadores não só no Brasil, mas em todo o mundo.

Do outro lado, nós, as organizações que defendem os direitos, a dignidade humana desses trabalhadores, também, desde sempre, temos mostrado resistência e luta contra esse sistema em que, na maioria das vezes, nos principais embates, a correlação de forças é injusta e desigual.

A eterna luta de classes, infelizmente, tem sido desta forma nos últimos anos. É um jogo em que até mesmo a consciência de cada trabalhador e cada trabalhadora vem se perdendo para ideologias que atendem aos interesses apenas daqueles que querem nos escravizar.

Nos últimos anos, a investida neoliberal, conservadora e, por vezes, fascista desses setores acabou por fazer com que a classe trabalhadora fosse ludibriada, enganada, forçada de forma não racional a acreditar que não ter direitos – os direitos históricos conquistados pela organização da classe ao longo de cerca de um século – é algo considerado moderno e necessário para o ‘funcionamento das relações de trabalho’.

Temos que reverter esse processo.

O poder de alienação dos nossos algozes é eficaz. Por isso, cada vez mais trabalhadores acabam mudando seu ponto de vista em relação à sua condição de trabalhador para se considerarem empreendedores, com autonomia, com liberdade e, o pior, acreditando na chamada meritocracia, tendo em mente de que quanto mais trabalharem, mais prosperidade terão.

Ledo engano.

O que a ofensiva capitalista faz, por regra é promover justamente a desorganização dos trabalhadores. Para o sistema, quanto menos união da classe, mais eles têm o poder sobre nós. Nós do movimento sindical sabemos disso, mas temos que reforçar nossa atuação para que os trabalhadores o tenham como um mantra.

Entre muitos fatores nos últimos tempos, cresceu o individualismo, com trabalhadores pensando somente em si mesmos e não no coletivo, mais competitivos, tentando garantir para si condições que acreditam ser satisfatórias. Mas não são.

Esse individualismo, conforme mostram diversos estudos resulta em adoecimento mental.

O sistema tem também forçado os trabalhadores a uma entrega total às condições impostas seja por empresas pequenas, grandes, por corporações ou plataformas, que sequestram qualquer possiblidade de que o indivíduo possa ter dignidade em sua vida.

Em outras palavras, o trabalhador acaba aceitando qualquer tipo de imposição como jornadas extenuantes, trabalho degradante e remuneração injusta.

É um mundo que temos que aceitar? Não.

É fato que o mundo moderno, com os avanços da tecnologia, tem modificado as relações de trabalho em todas as áreas, em todas as categorias, mas essas mudanças, em geral, atendem somente ao capital. A automação, o mundo virtual e tantas outras formas que envolvem essas relações estão aí e vieram para ficar - isso é inegável.

No entanto é preciso que a mudança sirva ao propósito de melhorar as condições de trabalho, manter o emprego, proporcionar maior qualificação e não fazer com que a classe trabalhadora seja penalizada com o desemprego, a pobreza e a exclusão social.

Nós temos que usufruir dessas tecnologias, prioritariamente. Não o capital.

Por causa dessas novas direções, hoje, podemos dizer que os trabalhadores estão sendo jogados a covas de leões em que a sobrevivência se torna um ‘cada um por si e todos contra todos’.

E o que mais é alarmante é que os próprios trabalhadores não estão percebendo que estão nessa condição.

Se tomarmos como exemplo a uberização do trabalho, podemos traçar um desenho de como é a atual consciência dos trabalhadores. É muito comum ouvirmos ‘sou dono do meu tempo’, ‘dono do meu próprio negócio’, ‘faço meus horários’, ‘tenho liberdade’.

Mas esse mesmo trabalhador não tem a dimensão de qual é o custo dessa relação injusta de ‘prestação de serviço’. Ao trabalhar por plataformas, seja nas entregas, nos transportes, na educação, na saúde ou em qualquer outro setor, na grande maioria das vezes, o trabalhador abre mão de todo e qualquer direito, inclusive o de se enxergar como trabalhador.

Uma outra forma de relação de trabalho que cresceu nos últimos anos esconde também a precarização. O home office pode ser produtivo, oferecer qualidade de vida e trabalho, mas se isso existe hoje, é para poucos.

Durante a pandemia, a realidade imposta ao país foi de milhões de trabalhadores fazendo de seus lares uma extensão da empresa, sem condições de ergonomia, sem cobertura de custos, sem espaço, sem alimentação adequada, sem respeito a horários e sem direitos.

O home office funciona? Pode funcionar, mas tem que ter regras, tem que ter limites, tem que ter negociação para a categoria tenha direitos garantidos como acesso a equipamentos, ajuda de custos para energia elétrica, móveis adequados, internet e tudo o que for necessário para desempenhar a função. Tem que ter garantia inclusive de promoção da saúde desse trabalhador.

Isso tudo é obrigação dos empregadores, não dos empregados. E para acontecer é preciso negociação, como da categoria bancária, que foi uma das primeiras a garantir tais direitos.

É preciso ter em mente de que, apesar de muitos trabalhadores optarem pelo trabalho em casa, aliado aos efeitos trágicos da Reforma Trabalhista de 2017, esse formato fez muitos trabalhadores migrarem da contratação formal para contratações precárias.

São relações de trabalho maquiadas de ‘sem vínculo’, na condição de microempreendedores individuais (MEI), pessoas jurídicas (PJs), e outras formas sem as garantias das contratações via legislação (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT) que, mesmo com todos os problemas que se possa apontar, ainda assim garante proteção social, férias, 13° salário, benefícios, etc.

O que levou os trabalhadores a essas formas não foi somente a necessidade de ter um emprego, mas também a ilusão de uma renda ‘um pouco maior’ já que, segundo os patrões, valores que seriam destinados a encargos trabalhistas poderiam ser direcionados ao trabalhador.

Essa ideia que vem sendo imposta à classe fez com que os trabalhadores esquecessem o que é ter os direitos e criou o sentimento de cada um deve ‘se virar sozinho’.

É isso o que eles querem: se eximir de qualquer responsabilidade sobre o trabalhador. Pelo contrário, fizeram acreditar que, se havia alguma responsabilidade ela era do trabalhador sobre a entrega de suas obrigações, de sua produção.

Ainda se tratando de pandemia, em 2022, dados da Oxfam, amplamente divulgados, mostraram que a riqueza combinada dos 10 maiores bilionários do mundo dobrou durante a pandemia e agora é seis vezes maior do que a metade mais pobre do mundo. E no Brasil não foi diferente. Eles ganharam seus lucros sobre o nosso sacrifício.

É tempo de reflexão sobre essa realidade. Antes que seja tarde demais.

E é preciso que nos enxerguemos dessa maneira, como trabalhadores que devem se juntar, se organizar. O caminho, na eterna luta de classes, jamais será individual. Contra o sistema, somente a força da organização. O entendimento e assimilação do lema “juntos somos fortes”, nunca foram tão necessários como nos dias atuais.

E aqui o papel do sindicato é fundamental. A duras penas o movimento tem sobrevivido ao longo dos últimos anos. A reforma Trabalhista estrangulou sindicatos em suas fontes de financiamento. Durante o desgoverno passado, outros ataques ocorreram como a tentativa de não permitir que trabalhadores pudessem ser sindicalizados com desconto das mensalidades em folha.

Mas, por outro lado, os próprios trabalhadores, enganados pelos setores produtivos, passaram a desacreditar as entidades. Precisamos ter consciência desse fato.

Nosso papel, enquanto representantes dos trabalhadores, não é somente sentar à mesa de negociação, mas também, fundamentalmente, dialogar com as bases, orientar trabalhadores, estar presente nas comunidades expondo o que de fato é o capitalismo, como ela explora nossa vida.

É preciso uma ofensiva para que cada vez mais, cada cidadão, cada cidadã, possa se libertar e não ficar refém da exploração.

Este 1° de Maio de 2024 é uma data propícia para essa reflexão. E mais que isso, para que reforcemos nossa ação diária, na prática, nas bases, olho no olho com o trabalhador, para enfrentar essas ameaças.

Não podemos titubear um minuto sequer nessa luta e o essencial é trazer de volta os corações e mentes dos trabalhadores e trabalhadoras para o lado certo da luta de classes.

Maria Aparecida Faria é secretária de Comunicação da CUT e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS); presidenta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

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