Correio da Cidadania

Luta armada - Anos 1960

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A discussão sobre o caminho, pacífico ou armado, da revolução foi exportada da União Soviética, no contexto do debate internacional sobre a coexistência pacífica entre sistemas estatais diferentes. Por volta de 1957, ela havia subordinado as polêmicas sobre todas as demais questões que envolviam as estratégias e táticas das reformas e da revolução brasileira.

 

Essa discussão contribuiu, no caso do Partido Comunista, para a formação de uma série de correntes internas e, depois, para uma cascata de cisões. Embora o pretexto inicial para a cisão em dois PCs, em 1962, tenha sido a transformação do antigo Partido Comunista do Brasil em Partido Comunista Brasileiro, a questão chave da bifurcação foi a opção entre caminho armado e caminho pacífico da revolução.

 

Para a maioria, tornara-se a questão central a ser resolvida, particularmente após a vitória da revolução cubana, em 1959. Assim, ao contrário do que muitos pensam, foi essa, e não a revolução chinesa, nem a vietnamita, a primeira e direta influência sobre as correntes comunistas e outras, que advogavam a luta armada. O exemplo cubano predominou, no imaginário revolucionário de então, pelo menos até o final de 1960.

 

Quem tiver dúvidas, basta consultar os primeiros textos que os continuadores do Partido Comunista do Brasil, entre os quais eu me incluía, se esforçaram para editar e difundir. Foram os discursos de Fidel e os textos de Che Guevara sobre a guerrilha.

 

Como um dos que caiu na armadilha dessa discussão, posso testemunhar que aquilo que imbuía todas as correntes internas do antigo partido comunista era a suposição filosófica, mesmo inconsciente, de que nós podíamos decidir essa questão, por nosso arbítrio e antecipadamente. Isto era comum, tanto aos que advogavam o caminho armado, quanto aos que apoiavam o caminho pacífico.

 

Para ambos, não estava em discussão que a luta de massas, e a reação a ela, teria a palavra final sobre a forma que tal luta assumiria para solucionar a disputa. O voluntarismo e o dogmatismo impregnavam a todos. Para reforçar os argumentos dos adeptos da luta armada, as contradições da sociedade brasileira agravaram-se após a renúncia de Jânio e a posse forçada de Jango. As mobilizações populares massivas contra com as tentativas golpistas pareciam nos dar a certeza de que não havia outro caminho, a não ser nos prepararmos para a opção armada.

 

Mas a realidade era mais complexa. No caso dos que participamos da cisão que levou ao PCdoB, logo nos demos conta que a unidade em torno da luta armada comportava uma série de divergências sobre a estratégia da revolução, a tática diante do governo Jango, as formas de organização, o trabalho de massas entre os operários e os camponeses, as relações internacionais (havia os que defendiam relações com o partido comunista soviético, apesar de este se negar a reconhecer qualquer dissidência) e a preparação militar.

 

Quanto a esta última, havia os que achavam que a luta armada teria a forma, necessariamente, de insurreição urbana, pois nossa revolução deveria ser socialista. Havia os que, a partir daí, advogavam a constituição imediata de grupos para a propaganda armada urbana. Mas havia os que defendiam o campo como cenário mais favorável, tendo em conta as condições geográficas de regiões serranas ou de florestas, cobertas de matas. E havia os que, concordando com a luta armada, defendiam um trabalho prévio de criação de vínculos com as massas e de construção de organizações de massa e partidárias.

 

Essas divergências ficaram mais patentes quando, ainda em 1962, a direção do PCdoB decidiu que a preparação da luta armada seria a quinta tarefa de uma lista de cinco prioridades. Nessa ocasião, eu era daqueles que considerava tal preparação como a primeira tarefa. Apesar disso, fui indicado membro do grupo de trabalho da comissão executiva que trataria do assunto. O que me permitiu participar das discussões e do trabalho prático inicial que, dez anos depois, desembocaria na guerrilha do Araguaia.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

 

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Comentários   

0 #3 Prezado Plínio de Arruda SampaioRaymundo Araujo Filho 17-09-2009 05:25
Cada vez me encanto mais com a Teoria da relatividade de Einstein. Esta nos mostra que tudo é relativo, não só física-espacialmente, como no transcursos das Ações e Idéias.

Reccorro a esta idéia pois, é verdade que o Voluntarismo em certos momentos pode ser desastroso, principalmente naqueles estratégicos, onde a Poder e as mudanças de Projetos Políticos estão sendo disputados realmente, e por forças antagônicas, quando a unicidade de Ações podem ser mais do que necessárias.

Mass, em outros momentos, como este que vivemos, onde as forças Populares são propositadamente anestesiadas e castradas nas suas expressões mais legítimas de protesto, para que campos ideológicos muito próximos possam disputar apenas o Poder de gerência da entrega do país, o Voluntarismo é muito bem vindo, como rompedor do marasmo e da compactuaçõa com as más políticas, em nome não se sabe bem do que.

Assim, é um prazer saber, aos 54 anos, que gente como você, uma geração política acima da minha, ainda se faz muito mais jovem, do que muitos jovens em idade, mas que já vêm a Política como o menor caminho para uma boa Aposentadoria precoce e farta (e este, evidentemente não é o caso do Wladimir Pomar, de quem divirjo muito, mas com todo o respeito).

Portanto, quero dizer que o seu atual Voluntarismo, antes de ser uma pejoração a ti, ao contrário, é o que vai deixar, ao menos, as sementes da Indignação, para que a juventude (que vem de forma inexorável, como as ondas do mar) possam ter referências corajosas para continuarem a Luta.

Hoje, prefiro ter divergências com alguns Voluntaristas, do que concordâncias com qualquer Anestesista Social.
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0 #2 pliniosampaio@cidadania.org.br 15-09-2009 08:27
Prezado Wladimir
Lindo artigo. Muita sincerirdade. Tenho orgulho de tê-lo como nosso colunista, embora estou certo de que voce anda me considerando um tremendo voluntarista. Não importa. A amizade e o respeito são os mesmos.
Abraço, Plino
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0 #1 Contribuição HistóricaRaymundo Araujo Filho 15-09-2009 06:54
Aproveitando a recente comemoração do aniversário de nascimento do grande militante revolucionário Octávio Brandão (dia 12 de Setembro), gostaria de expor algumas contribuições dele, neste debate. E com o conforto de saber que ele foi execrado, maltratado e caluniado fartamente, não só pelos militantes do velho PCB, mas também do novo PC do B que se formou em 62, como tão bem descreve o Wladimir Pomar.

Em 1959, já descrente da Luta pelo Poder Institucional, Octácvio Brandão escreve artigo declarando que o PCB deveria se ocupar menos da disputa e inserção no Poder Político Institucional, e cuidar mais da organização Popular e Sindical.

Fez isso, em reação ao malfadado (a meu ver) documento de Março de 58, que alinhava o PCB com o projeto desenvolvimentista de JK (e do Capital Internacional), do qual discordou com veemência.

Um pequenos parênteses: Penso que esta atitude de Octávio Brandão é reflexo de suas origens anarquistas (com as quais rompeu, mas não abandonou os ideais libertários e basistas, a meu ver).

Mas, em 1961, 62 e 63, consegue publicar em jornal carioca, três artigos em que avisava que estava em preparo nos EUA um Golpe contra o Governo de Jango, artigos estes que foram achincalhados por eméritos comunistas da época, TODOS atingidos pelo Golpe de 64, antecipado por Octávio anos antes.

Fica então o registro, de fatos históricos que precisam ser reabilitados, não para melhorar a imagem de Octávio Brandão, mas sim daqueles que se dizem comunistas, e que, parecem não enxergar o inimigo, bem postado ao seu lado. E pior, ainda fazendo alianças com ele.
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