Correio da Cidadania

As folhas e as raízes

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Virou lugar comum, em certos setores da esquerda, afirmar que o governo Lula é neoliberal. Seja porque quer construir a hidrelétrica do rio Madeira, seja porque pretende fazer a interligação do rio São Francisco com as bacias do semi-árido nordestino, seja ainda porque continuaria dando prioridade aos grandes grupos econômicos e não à sociedade.


Haveria vários exemplos desse neoliberalismo. O financiamento ao setor de papel e celulose, "voltado majoritariamente para a exportação", responsável por "desertos verdes" e agravamento da "concentração de terra e renda", seria um deles. O financiamento ao agronegócio, para produção de etanol, "em sistemas de monocultivo da cana", seria outro. A "ausência do debate e da construção de políticas públicas que apóiem a soberania energética do país e sejam baseadas em modelos sustentáveis, na economia camponesa, nas pequenas e médias unidades de produção", seria o determinante.


Segundo esses setores, para escapar ao neoliberalismo, o governo deveria voltar-se para o atendimento das "demandas históricas da sociedade brasileira, como saneamento básico, moradia popular, agricultura produtora de alimentos para o mercado interno e não de matérias-primas para exportação", e para o financiamento de uma "matriz energética limpa e modernizada".

 

Vê-se que eles enxergam as folhas, mas nada sabem sobre as raízes que sustentam as árvores. Falam em neoliberalismo, sem atacar o capitalismo. Parecem não saber que o neoliberalismo é uma solução atual do capitalismo. Para eles, o que está colocado é um simples problema de prioridade, que dependeria, exclusivamente, da vontade do governo. Nada teria a ver com a correlação concreta de forças econômicas e sociais. Nem com o fato do Estado brasileiro ainda ser um Estado capitalista, com seu aparato, há décadas, sob a hegemonia e domínio das forças sociais e políticas capitalistas ou burguesas.

 

Não se apercebem que a economia camponesa não é sustentável no atendimento às "demandas históricas" de saneamento, moradia e produção de alimentos para o mercado interno. Para atender a tais "demandas", é preciso que as forças produtivas industriais e agrícolas se desenvolvam numa escala capaz de gerar um excedente de riqueza tal que possa atender tanto a elas quanto à reprodução ampliada da própria produção social. O que demanda, por sua vez, uma infra-estrutura energética, de transportes e de telecomunicações, capaz de permitir tal desenvolvimento.

 

Portanto, querem dar à pequena agricultura de alimentos um papel estratégico diferente do que pode ter. Ou seja, querem que o governo substitua o grande capitalismo pelo pequeno capitalismo (é disso que realmente se trata), sem dizer com que forças contaria para isso. Assim é fácil adjetivar e criticar.

 

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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