Correio da Cidadania

Comédia do poder

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A "Comédia do Poder" do Claude Chabrol, foi a última besteira que fiz no ano de 2008.

 

"Pare com isso, Breno" uma voz interna me dizia, "pare de alimentar idiossincrasias, o ano novo está chegando", insistia, enquanto eu chafurdava nas prateleiras da videolocadora no dia 30 de dezembro. "Dê-lhe mais uma oportunidade, ele era da turma do Truffau e do Godard, no Cahiers du Cinema, rodou 55 filmes em 50 anos de cinema...".

 

No verso da caixinha do vídeo vinha escrito que o filme relatava uma história real, de uma juíza francesa que tentou pegar um crime de Estado, onde a petrolífera ELF e o governo francês se envolvem nas maiores falcatruas com governos africanos. Dizia também que o filme tinha sido indicado para o Urso de Ouro do Festival de Berlim, além de ter como protagonista a ótima Isabelle Huppert, atual presidente do júri do Festival de Cannes 2009.

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Tudo bem, vamos lá, se dei tantas oportunidades ao Eric Rhomer, com seu amadorismo assumido, porque não uma nova chance para o verborrágico Chabrol?

 

Assistido o filme, faço minhas as palavras de um tal de Alexandre de São Paulo, que escreveu para o Guia da Semana na época: "O tema ou o enredo seria maravilhoso... Se fosse conduzido de alguma outra forma; nesse caso foi exposto de forma muito artificial. O filme abordou o assunto de um modo muito superficial e sem emoção; não há investigação, suspense, dinamismo, nada; os fatos já vêm mastigados e apenas são jogados na tela. Por incrível que pareça, a única expectativa que fica no ar é saber se a juíza teria ou não um romance com o sobrinho. Quando o filme acabou fiquei sem ação na poltrona; não queria acreditar que havia acabado; depois de alguns minutos comecei a sentir uma decepção. Um filme muito fraco!".

 

O cara pegou um tema de esquerda e achou que bastava pronunciar uma série de frases feitas para que o filme se sustentasse?! Que nada, o filme não tem estrutura, seus personagens são construídos de qualquer jeito, a vida pessoal da juíza sugere um drama pessoal que não se aprofunda nem é levado a sério. No fim não consegue cumprir a função de todo filme ideológico, que é o de denunciar de modo a convencer os adversários daquela determinada tese. Fala apenas para quem se satisfaz com meia dúzia de refrões progressistas e genéricos, uma chatice.

 

É o inverso do que um cara como o Bertolucci conseguiu, num filme como "O Último Imperador". Cenário político em movimento, dramas sociais e psicológicos bem colocados, personagens bem construídos, fazendo – a partir de uma produção hollywoodiana – um filme que convence até quem jamais pensou no que é discutido, ou seja, a possibilidade de uma pessoa mudar seus hábitos, superar a sua formação, a partir de um exemplo extremo – um imperador criado para ser o representante de Deus na terra, transformado em humilde jardineiro, feliz(?) com sua nova vida, no mínimo apto a conviver com as questões que a sobrevivência coloca.

 

É o inverso do que tantos outros diretores conseguiram desde que o cinema de denúncia e reflexão política existe como arma de propaganda, para o bem e para o mal. Pois todos sabemos o quanto o cinema serviu para – por exemplo – demonizar "inimigos da pátria", especialmente em época de guerra, quando os japoneses nos filmes da década de 1940 pareciam sempre assassinos histéricos e os inimigos do James Bond pareciam sempre saídos diretamente do inferno.

 

Para o lado progressista, temos uma história longa de filmes bem sucedidos, principalmente fora dos EUA. Filmes como os italianos da década de 1970, tendo em primeiro lugar o filme de Eli Petri com o Gian Maria Volonté no papel principal; Batalha de Argel, do Gilo Pontecorvo; a Classe Operária Vai ao Paraíso e tantos outros mostraram vários caminhos para fazer do cinema um modo de expressão da arte engajada.

 

Se esta era a intenção do francês Chabrol, não chegou lá.

 

Breno Raigorodsky é filósofo pela USP, publicitário e professor de enogastronomia. "Ou seja, um sujeito sem foco", como se define.

 

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