Existe alternativa para reduzir a dívida da Petrobrás sem vender seus ativos
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- Felipe Coutinho e José Carlos de Assis
- 10/10/2016
A Petrobrás não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento. Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários.
A avaliação resumida abaixo (tabela) mostra o equívoco dessa escolha política e empresarial de alienação de ativos, e revela ser desnecessária. A alternativa proposta preserva a integridade corporativa e sua capacidade de investir na medida do desenvolvimento nacional e em suporte a ele. Enquanto garante a sustentação financeira, tanto pela redução da dívida, quanto pela preservação da geração de caixa a médio prazo.
O desinvestimento – ou seja, a venda de ativos operacionais, muitos deles altamente lucrativos – prevê acumular US$ 19,5 bilhões no biênio 2017/18. Resultaria numa redução antecipada da dívida, com a alavancagem – relação dívida líquida/geração de caixa após dividendos – caindo de 4,5 para 2,5 até 2018. A meta de redução da alavancagem e seu prazo são arbitrários, embora possam ser apresentadas de forma dogmática. Trata-se de uma decisão de natureza política e empresarial que é frequentemente elevada à condição de verdade científica ou algo similar a uma revelação divina.
Na alternativa estudada a partir de parâmetros públicos da Petrobrás, sem vender um único ativo, a alavancagem poderia cair de 4,5 para 3,1 em 2018, indicador inteiramente razoável. A amortização anual da dívida, com recursos de parte da geração de caixa, resultaria na redução da alavancagem para 2,5 em meados de 2021. O estudo é conservador na medida em que não contabiliza a geração de caixa adicional pela preservação dos ativos rentáveis que se pretende vender até 2018.
A Petrobrás tem pujante receita operacional, proporcional ao porte de uma empresa que é a maior do Brasil e da América Latina. Apenas usando parte da geração de caixa, na mesma proporção alocada em seu plano atual, a companhia pode ir amortizando sua dívida e trazê-la para um nível razoável, sem afetar a distribuição de dividendos e os investimentos previstos. A venda de ativos produz exatamente o oposto, no médio prazo. Reduziria a capacidade futura de geração de caixa da empresa, pois os ativos que se pretende privatizar como BR Distribuidora, Liquigás, Termoelétricas e Transpetro são altamente lucrativos.
O plano da Petrobrás tem viés de curtíssimo prazo e obtusamente financeiro. Ignora a essência de uma empresa integrada de energia que usa a verticalização em cadeia para equilibrar suas receitas, compensando a inevitável variação do preço do petróleo, de seus derivados e da energia elétrica, característica essencial para minimizar os riscos empresariais. Na medida em que a Petrobrás seja fatiada, o agente privado tende a buscar o lucro máximo por negócio, majorando os custos ao consumidor, o que restringe o crescimento do mercado interno cujo dinamismo é muito importante para a geração de valor pela Petrobrás.
A alternativa apresentada evita a saída integral das áreas de produção de biocombustíveis e fertilizantes, distribuição de GLP e petroquímica. Além de preservar as reservas de petróleo e os ativos do refino que são alvos das parcerias mediante desinvestimento. Basta alterar a alavancagem projetada para 2018 de 2,5 para 3,1 e ajustar o prazo da meta de 2,5 na alavancagem, de 2018 para meados de 2021.
Dispomos de alternativa técnica viável que encontra barreiras de natureza ideológica cuja influência na política empresarial da Petrobrás não é recente. A gestão Dilma-Bendine apresentou um Plano de Negócios similar ao atual. Previa vendas de ativos da ordem de 57 bilhões de US$ até 2020, cerca de um terço do patrimônio da Petrobrás. A atual gestão Temer-Parente planeja privatizar US$ 34,6 bilhões até 2021, sendo 15,1 bi até 2016 e 19,5 bi até 2018.
É exemplar o que ocorre na infraestrutura de gasodutos. Atividade tipicamente monopolista, as redes de gasoduto do Sudeste e do Nordeste incorporam um enorme investimento histórico da Petrobrás, estão integradas à empresa pela própria natureza do serviço que prestam. Não obstante, a rede Sudeste, a mais lucrativa, foi vendida a um fundo canadense que atuará como intermediário privado monopolista. Isso sem a constituição prévia da ordem reguladora, condição essencial para a operação de monopólios privados em qualquer economia capitalista.
Entretanto, nada é mais simbólico do que a desintegração do Cenpes, o Centro de Pesquisas da Petrobrás. O Cenpes é fundamental para os avanços tecnológicos da companhia, responsável por resultados reconhecidos internacionalmente. Na recente reestruturação da Petrobrás, o Cenpes foi desmembrado, com o fim do reconhecido modelo de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia básica (PD&E) que vigorava há 40 anos. O modelo articulava a relação entre a pesquisa nas universidades, a experiência operacional da companhia e os fornecedores de bens e serviços. A Engenharia Básica do Cenpes foi extinta e seus profissionais transferidos à área de projeto e empreendimento. A reestruturação revela que o imperativo do curto prazo permeia toda a corporação e não se limita à estratégia financeira.
A mídia oligopolista repete “não há alternativas, é necessário privatizar para lidar com o endividamento da Petrobrás”. Assim se constrói o senso comum que não corresponde à realidade, mas serve aos interesses de poucos. Além de alertar para as consequências deletérias da privatização para a Petrobras e para a maioria dos brasileiros, apresentamos alternativa viável para a sustentação financeira, preservando a integridade corporativa, sua capacidade de gerar valor, investir e garantir a segurança energética brasileira.
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Felipe Coutinho é engenheiro químico e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET).
José Carlos de Assis é economista e professor.
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