Correio da Cidadania

Biocombustíveis: propaganda oficial, interesses privados e desprezo à Petrobras

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O governo federal submeteu as diretrizes estratégicas do seu programa de biocombustíveis, o RenovaBio (1), à consulta pública. A consulta recebeu 26 contribuições (2). A Petrobras apresentou a sua (3) e recebeu críticas de representantes da indústria privada (4).

O setor se encontra entre a propaganda oficial, o interesse privado em maximizar seus lucros e socializar os prejuízos, e o desprezo pela Petrobras. A maioria da população é mantida na ignorância ou manipulada em favor de interesses contrários aos seus.

Renovabio: peça de propaganda ou plano estatal de interesse público?

O plano, elaborado pela Agência Nacional do Petróleo, Empresa de Pesquisa Energética, Ministério da Agricultura, Ministério de Minas e Energia e Governo Federal, é contraditório e superficial desde sua definição.

“O RenovaBio é um programa do Governo Federal, lançado pelo Ministério de Minas e Energia, em dezembro de 2016, cujo objetivo é expandir a produção de biocombustíveis1 no Brasil, baseada na previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e social, e compatível com o crescimento do mercado”.

A definição do programa é contraditória porque ao mesmo tempo em que se define o objetivo de expandir a produção, ela é condicionada à sustentabilidade. Assume-se, a priori, que a expansão da produção pode ser sustentável e não haverá restrições de natureza ambiental, social ou econômica. São possíveis restrições, na esfera ambiental, a disponibilidade de área agricultável, água, nutrientes do solo e a dependência de recursos de origem fóssil (não renováveis).

Ou, na esfera econômica, da compatibilidade entre os custos de produção com os preços dos combustíveis no mercado, influenciados pela capacidade de compra da sociedade. Ou, ainda, das consequências sociais da adoção de subsídios fiscais e da competição pela área agricultável destinada à produção de alimentos.

Também contraditórios são os objetivos de se ter previsibilidade e compatibilidade com o mercado. O mercado, pela natureza de seu funcionamento em economias capitalistas, é instável e suscetível às variações que são resultado da ação de múltiplos agentes, em condições desiguais, pela busca do lucro e de condições competitivas vantajosas.

O plano estatal deveria ter o objetivo de desenvolver os meios e planejar a produção de biocombustíveis no Brasil, baseado no máximo usufruto social das atividades econômicas de toda a cadeia de valor, considerando as restrições e potencialidades de ordem ambiental, econômica e social, aferidas sob critérios científicos.

O documento oficial trata de valores e eixos que desconsideram aspectos fundamentais, entre os quais destaco:

•    Fundamentos e Interesses

A política pública deve se erguer em bases científicas e servir ao interesse da maioria dos brasileiros.

•    Eficiência e Eficácia

Contemplar a medição periódica dos seus resultados e prever ajustes para corrigir desvios para garantir a eficiência e eficácia de seus resultados. Apresentar objetivos e metas mensuráveis, os resultados devem ser públicos e disponíveis na internet.

•    Transparência e Controle Social

A política pública deve ser transparente e contemplar mecanismos de controle social, tanto para determinação de seus objetivos, quanto para a avaliação de resultados.

•    Sustentabilidade

Considerar critérios científicos para avaliação da sustentabilidade. Os resultados mensuráveis por indicadores de sustentabilidade devem ser considerados desde o planejamento até a aferição dos resultados.

•    Segurança energética

O programa deve promover a construção da infraestrutura para a produção dos biocombustíveis e seu suprimento ao menor custo para a sociedade.

•    Usufruto social

Promover a geração e a distribuição dos resultados econômicos da produção dos biocombustíveis de modo a contribuir com a justiça econômica e social.

•    Base científica

O programa deve promover e se apoiar em bases científicas, requeridas para o planejamento e o desenvolvimento sustentável da produção dos biocombustíveis, considerando as restrições e potencialidades sociais, econômicas e ambientais brasileiras.


Petrobras abandona o setor e critica o programa

A estatal planeja sair integralmente da produção dos biocombustíveis, vende ativos e participações na produção do etanol e encerra a produção do biodiesel em sua unidade de Quixadá no Ceará. Nesse cenário, a Petrobras apresenta sua contribuição ao Renovabio.

O documento da Petrobras evidencia o desconforto de segmentos da estatal que sai de um setor que cresce e ocupa o seu mercado da gasolina e do diesel. O documento apresenta acertos, erros e omissões, embaralhados em retórica próxima da publicitária e distante da científica.

A Petrobras acerta quando argumenta que é preciso “um debate mais amplo e a elaboração de estudos que considerem as dinâmicas dos mercados de energia e de alimentos, além das transformações esperadas no setor de transporte rodoviário”.

Mas a Petrobras erra ao se limitar aos aspectos de mercado e desconsiderar que políticas públicas podem, e devem, determinar as alternativas de suprimento energético que promovam o desenvolvimento econômico e social. Além da preservação ambiental.

A Petrobras acerta quando demanda que “como maior fornecedora de combustíveis do Brasil, tem a expectativa de ser amplamente envolvida no detalhamento das diretrizes estratégicas, como também nas ações, projetos e atividades desdobradas a partir da aprovação das diretrizes”. Mas a Petrobras erra ao abandonar a produção dos biocombustíveis (5).

Fora do setor não terá o conhecimento desta cadeia de valor, assim como perderá mercado e oportunidades de desenvolvimento tecnológico. Fora do setor, não terá autoridade e conhecimento suficientes para criticar eventuais erros e propor alternativas. Sempre poderá ser acusada de que é motivada por interesse particular em detrimento do interesse maior da sociedade.

A Petrobras está correta quando demanda a harmonização entre os programas RenovaBio e Combustível Brasil a fim de definir o papel dos biocombustíveis na matriz energética brasileira. Além de garantir a segurança no abastecimento diante do histórico de quebras de safra e da priorização da produção de açúcar, em detrimento da garantia do abastecimento de etanol. Mas a estatal erra quando vende suas participações na produção de etanol (6) e relega o abastecimento nacional do biocombustível aos interesses privados dos usineiros e das multinacionais.

A estatal afirma “quanto às diretrizes propostas para o equilíbrio econômico e financeiro, ressalta-se que os instrumentos para precificação da relação de eficiência e emissões devem valorizar os biocombustíveis que contribuam efetivamente para o meio ambiente. Considerando as motivações ambientais do RenovaBio, a capacidade de descarbonização do combustível deve ser avaliada na cadeia como um todo, desde a produção, alcançando a distribuição e o consumo. Além disso, se faz necessário considerar possíveis mudanças, diretas ou indiretas, no uso do solo”.

A postura da Petrobras está correta, mas quando decide abandonar o setor não contribui com o esforço técnico-científico e econômico deste trabalho de avaliação e melhor uso do potencial dos biocombustíveis brasileiros.

A Petrobras trata da política tributária, mas não é suficientemente direta ao demonstrar que os combustíveis fósseis respondem por uma carga tributária muito superior aos seus equivalentes de origem potencialmente renovável. Poderia quantificar o impacto da renúncia fiscal ao se aumentar a participação relativa dos biocombustíveis, mas se omite.

Na conclusão a estatal afirma: “por fim, a Petrobras sustenta que é fundamental o reconhecimento das vantagens nos aspectos de sustentabilidade dos biocombustíveis de segunda e terceira geração, criando condições para que estas tecnologias sejam impulsionadas. Em complemento, é recomendável o alinhamento da inserção de biocombustíveis de primeira geração ao atual entendimento do assunto internacionalmente. Ou seja, definir um período de tempo para a substituição de biocombustíveis de primeira geração por outros combustíveis mais aderentes aos requisitos ambientais e sociais vigentes”.

A Petrobras erra porque apresenta os biocombustíveis de segunda e terceira geração como superiores, ou potencialmente superiores, aos de primeira geração.

Os biocombustíveis de segunda e terceira geração são mais caros de se produzir e muitas vezes precisam estar integrados aos de primeira geração. Além do necessário desenvolvimento tecnológico, a viabilidade da produção dos biocombustíveis depende do modelo de negócios que promova a integração e a eficiência para redução dos custos de produção.

Não é razoável esperar a substituição dos biocombustíveis de primeira geração pelos de segunda e terceira. O que se pode esperar é que os primeiros encontrem limites e a expansão dos biocombustíveis dependa de alternativas mais caras e complexas.

Usineiros e seus representantes criticam a Petrobras

O diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donizete Tokarski, disse estar surpreso com o conteúdo do documento. "Infelizmente é um retrocesso... Vejo que alguns dados que foram apresentados são ultrapassados, não acompanham a leitura global de hoje".

Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), disse que a Petrobras parece estar olhando apenas para seus próprios interesses. "Pedro Parente declarou claramente que seu foco está nos combustíveis fósseis. É claro que nenhuma companhia quer ser diminuída, mas você não pode ir contra o que está acontecendo no mundo", disse ela. "O Brasil tem uma enorme vantagem comparativa em biocombustíveis. É claro que podemos bater a meta de Paris sem eles, mas isso seria tolo”.

Os representantes do agronegócio pretendem defender seus interesses particulares ao apresentá-los como de interesse público, de todos os brasileiros. Querem que a Petrobras saia do setor ou que tenha participação medíocre. Querem que a estatal entregue seu mercado de gasolina e diesel, e ainda que apoie o crescimento dos biocombustíveis, negando ou omitindo as suas externalidades negativas.

Conclusão

O governo lança um programa superficial e tenta viabilizar os interesses privados do setor, em desarticulação com outras áreas do próprio governo que congregam outros interesses também privados. Notadamente das multinacionais do petróleo interessadas na privatização do parque de refino da estatal. Tentam entregar as demandas empresariais e desconsideram a transparência, o debate e o interesse público.

Difunde-se a falsa expectativa de que os biocombustíveis poderão substituir plenamente os combustíveis fósseis e ainda satisfazer o crescimento futuro da sua demanda. O crescimento contínuo e ilimitado da economia, necessário para evitar severas crises do capitalismo hegemonizado pelo capital financeiro (bancos), simplesmente não acontecerá com recursos naturais finitos.

A Petrobras erra porque ao criticar os biocombustíveis e apontar restrições se omite de reconhecer os limites da indústria fóssil.

As oscilações nos preços do petróleo têm impactado a economia. A frequência e a amplitude dos movimentos são maiores nos últimos dez anos do que aquelas observadas historicamente. As interpretações sobre o comportamento dos preços variam de acordo com a formação do analista e da sua capacidade, mas também dos seus interesses. Com o fim do petróleo barato de se produzir e a incapacidade dos assalariados em pagar por mercadorias relativamente mais caras, a produção de petróleo mundial tende a cair (7).

O Plano Estratégico da Petrobras (PE 2017-21) prevê a saída integral da produção de biocombustíveis. A decisão de desistir da produção de biodiesel e de etanol é um erro que compromete a sustentação empresarial e os compromissos ambientais brasileiros apresentados na COP-21, em Paris. A participação dos biocombustíveis é cada vez maior na matriz energética brasileira e mundial, o etanol compete com a gasolina, enquanto o biodiesel ocupa o mercado do diesel.

As multinacionais investem pesado em pesquisa e participam cada vez mais do setor, enquanto os acordos multilaterais impõem restrições às emissões de gases do efeito estufa que são gerados pela queima dos combustíveis fósseis. Na contramão dessas tendências a Petrobras regride ao sair da produção do biodiesel e ao vender participações em etanol. O preço deste erro será alto e recairá sobre a estatal e a sociedade brasileira, mais cedo do que se imagina.

Os usineiros, as multinacionais e seus representantes fazem o que sempre fizeram, defendem os seus interesses enquanto os declaram públicos.

Referências:

1) RenovaBio http://www.mme.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_p_id=consultapublicaexterna_WAR_consultapublicaportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_consultapublicaexterna_WAR_consultapublicaportlet_consultaId=26&_consultapublicaexterna_WAR_consultapublicaportlet_mvcPath=%2Fhtml%2Fpublico%2FdadosConsultaPublica.jsp

2) Contribuições à consulta pública do RenovaBio
http://cnpem.br/consulta-publica-do-renovabio-chega-ao-fim-com-26-contribuicoes/

3) RenovaBio - Diretrizes Estratégicas para Biocombustíveis Comentários Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A.
https://www.novacana.com/pdf/23032017080303_renovabio-Petrobras.pdf

4) http://www.brasilagro.com.br/conteudo/petrobras-critica-renovabio-apos-vender-usinas-de-etanol.html#.WPpPD-k2zmQ

5) A Petrobras erra ao abandonar os biocombustíveis, Felipe Coutinho (2016)
https://felipecoutinho21.wordpress.com/2016/11/05/a-petrobras-erra-ao-abandonar-os-biocombustiveis/

6) http://www.aepet.org.br/uploads/paginas/uploads/File/nova%20fronteira1.pdf

7) O preço do petróleo e o sinal dos tempos, Felipe Coutinho (2016)
https://felipecoutinho21.wordpress.com/2016/02/02/o-preco-do-petroleo-e-o-sinal-dos-tempos/


Associação dos Engenheiros da Petrobrás.

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