Correio da Cidadania

Ucrânia avança sobre quilombolas de Alcântara

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Na semana passada – entre os dias 05 e 10 de novembro – segundo informação de representantes das comunidades de Baracatatiua e de Mamuna, no território quilombola de Alcântara, apresentou-se nessas localidades uma empresa chamada Terra Byte, para realizar o que chamaram de pesquisa. Sem o consentimento da comunidade, conforme informou o Sr. João da Mata, presidente da Associação de Mamuna, passaram a cavar buracos e a retirar amostras de solo.

 

Simultaneamente, a Sra. Laura Urrejolas, ex consultora da Agência Espacial Brasileira, fazia visitas às duas comunidades, apresentando-se como alguém que traria projetos de desenvolvimento para os locais. No caso de Baracatatiua, traria luz, telefone público e poço artesiano, benefícios aos quais, até os dias de hoje, essa comunidade não tem acesso.

 

O MABE – Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara e o MOMTRA – Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara, estranhando a presença dessas pessoas – tanto da Sra. Laura, conhecida por sua atuação recente junto a Agência Espacial Brasileira, quanto da empresa que estava cavando os buracos – dirigiram-se à Baracatatiua em de 10 de novembro, dia em que a Sra. Laura fez uma reunião com a comunidade. Ela apresentou-se como funcionária da ATECH, segundo ela uma empresa contratada pela Ucrânia para pesquisar os melhores locais, entre Baracatatiua e Mamuna para implantar um dos sítios de lançamento que compõem o CEA – Centro Espacial de Alcântara, que resulta da expansão do CLA – Centro de Lançamento de Alcântara.

 

A Sra. Laura iniciou dizendo que “a Atech foi contratada porque os Ucranianos não confiam no governo brasileiro. O governo brasileiro está tão desacreditado, tão sem credibilidade, que não pode mais sequer voltar a Alcântara para dialogar com a comunidade. O governo brasileiro demonstrou ser incompetente nas ações que desenvolveu junto aos quilombolas desde os primeiros remanejamentos”. Sendo assim, segundo ela, os ucranianos contrataram essa empresa para ser a intermediária entre a comunidade e aquele país, e que ela, Laura, levaria as reivindicações das comunidades aos Ucranianos. A Atech, segundo ela, foi contratada também para fazer o EIA/RIMA para a implantação do novo sítio de lançamento.

 

A Atech – Tecnologias Críticas, segundo seu site, uma “pessoa jurídica de direito privado e entidade sem fins lucrativos, instituída em 1997 nos termos dos artigos 24 e seguintes do Código Civil, foi criada como solução para integrar o Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM”. Dentre seus principais clientes, ainda segundo seu site, encontram-se: Comando do Exército, Comando da Marinha, Comando da Aeronáutica, Agência Espacial Brasileira, Agência Nacional de Petróleo, SABESP, CEAGESP, Eletropaulo, Ministério do Planejamento, Petrobrás, vários governos estaduais e outros. Seus negócios vão de monitoramento aéreo, controle de pragas, combate a criminalidade até a prospecção de petróleo.

 

Disseram a Sra. Laura e o engenheiro que a acompanhava, que essas primeiras perfurações realizadas em Mamuna visavam apenas para marcar os locais, mas que a prospecção, propriamente dita, ainda seria realizada. Disse que tinham licença do DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral – e que o subsolo não pertence dos quilombolas, já que obedece à legislação própria.

 

Estavam presentes à reunião os assessores da Prefeitura de Alcântara, engenheiro eletricista Dr. Muniz e o vereador Ramilton. Ambos disseram não estar informados a respeito do que vinham fazer tanto a Sra. Laura quanto esses senhores que estiveram coletando amostras de solo em Mamuna.

 

O Sr. Samuel Moraes, vereador do município e vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara, com quem entramos em contato, também disse ignorar completamente a movimentação dessas empresas nas comunidades citadas.

 

Integrantes do MABE e do MOMTRA , na reunião em Baracatatiua, interpelaram a Sra. Laura, mostrando-se surpresos, uma vez que há uma ação civil pública, na qual são réus a Fundação Cultura Palmares (agora, o INCRA) e a União. No dia 26 de setembro de 2006, numa audiência de conciliação, no âmbito desse processo, foi assinado pelas partes, inclusive pelo CLA, um acordo, tendo determinado o Juiz Dr. Carlos Madeira, da 5ª Vara da Justiça Federal, que o INCRA do Maranhão procedesse à regularização do território quilombola em 180 dias a partir daquela data.

 

No dia 10 de agosto de 2007, porém, a Sra. Dilma Rousseff, Chefe da Casa Civil, enviou o aviso circular nº. 03/2007, determinando que as áreas pretendidas pelo CEA, onde estão localizadas as comunidades de Mamuna, Baracatatiua, Brito, Itapera, Canelatiua, Mamuninha, Mato Grosso, Retiro e outras, também fossem tituladas, ou seja, que fossem extraídas (e tituladas) do perímetro do território quilombola as áreas da Agência Espacial Brasileira. Determinou ainda, que também a área do CLA (sob controle dos militares) e a área dos quilombolas (o que restar, depois de retiradas as áreas de pretensão do CEA e a do CLA) fossem tituladas até 30 de dezembro de 2007.

 

Esses fatos nos levam a indagar:

 

1 - Casa Civil passa por cima de um acordo judicial homologado por um Juiz federal, atropelando o judiciário?

 

2 - Os trabalhadores desses povoados, a quem a Constituição Brasileira reconhece direito aos territórios que ocupam, necessitam utilizar crachá para pescar em suas antigas áreas, devendo passar por guaritas militares. Uma empresa privada, contratada por um país estrangeiro entra, sem licença da comunidade, no povoado Mamuna, faz perfurações e colhe amostras de solo?

 

3 - O governo da Ucrânia decreta a falência do Estado Brasileiro em sua capacidade de promover o desenvolvimento das comunidades quilombolas de Alcântara, contrata uma empresa privada para implementar políticas públicas nesse município, como levar luz, água e telefone público, direitos de todos os cidadãos e conforme as 66 (sessenta e seis) ações propostas pelos vários ministérios para os quilombolas de Alcântara?

 

São Luís, 10 de novembro de 2007.

 

Maristela de Paula Andrade

Antropóloga, pesquisando em Mamuna

Professora associada I do DEPSAN e do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais/UFMA

 

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