Correio da Cidadania

Criminalização da greve no Metrô é estratégia de ataque aos direitos trabalhistas

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A greve dos metroviários em São Paulo, imediatamente criminalizada pela grande mídia devido aos reflexos imensos observados durante os dois dias em que os trens metropolitanos permaneceram parados na capital paulista, suscita novas questões sobre o direito de greve em setores essenciais e sobre a crise de infra-estrutura no Brasil.

Para expôr as causas e conseqüências da greve, o Correio conversa com Paulo Pasin, vice-presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Além de esclarecer algumas dúvidas que estavam sendo mascaradas pela "criminalização" do movimento feita pela imprensa e pelo governo estadual, Pasin expõe outras mazelas do transporte paulistano e reafirma a necessidade da união de sindicatos no combate à retirada de direitos trabalhistas que vem acontecendo no país.

 

***

 

Correio da Cidadania: Quais foram os motivos para a paralisação do metrô de São Paulo?

Paulo Pasin: Tradicionalmente, a categoria metroviária recebe um montante anual pela participação nos resultados, com uma antecipação deste no primeiro semestre. Essa participação, também tradicionalmente, é igualitária - ou seja, há um valor que é dividido igualmente para todos os funcionários. Por exemplo, pegava-se o valor total de uma folha de pagamento e dividia-se o valor entre todos os funcionários da companhia.

Este ano, o Metrô inovou e propôs um mecanismo de participação nos resultados que privilegia aqueles que têm um alto salário. Chefes, coordenadores, passariam a receber algo em torno de 8 mil reais anualmente, enquanto condutores, o pessoal da manutenção - aqueles trabalhadores que carregam nas costas o Metrô dia após dia - receberiam, no máximo, 2 mil reais.

CC: Como tal proporção foi calculada?

PP: O cálculo foi feito da seguinte forma: pegou-se a folha de pagamento do Metrô, separaram a parte destinada aos engenheiros (que possuem um sindicato à parte), que corresponde a R$ 4 milhões de um total de R$ 24 milhões. Os outros R$ 20 milhões que sobram são destinados a todos os outros funcionários, sendo a divisão feita como uma parcela fixa de mil reais e 60% proporcional aos salários que recebem.

Se somarmos a parte fixa e a parte proporcional ao salário, temos esse montante que, em média, é de 8 mil reais para os que têm salários altos e 2 mil para outros funcionários. A antecipação seria de 800 reais.

CC: Qual a contra-proposta que o sindicato dos metroviários apresentou?

PP: Queremos que o valor total de participação seja o correspondente a uma folha e meia de pagamento, sem separação da parte destinada aos engenheiros e dividida igualmente para todos. Isso daria algo em torno de 5 mil reais anuais para cada funcionário, com uma antecipação de R$ 2.500.

CC: Quais resultados obtiveram após a realização da greve?

PP:
Como houve o julgamento da greve, onde o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) considerou-a abusiva e decidiu pelo retorno imediato ao trabalho, a categoria optou por retornar à normalidade sem nenhuma negociação. Do ponto de vista econômico, saímos sem nenhum resultado, mas do ponto de vista da categoria, reforçamos a nossa indignação com o governo, com o secretário de transporte e com a mídia, que procurou jogar a população de maneira ostensiva contra a gente.

Fizemos dois dias de greve, obtendo a adesão total dos operadores de trem e dos funcionários das estações. O metrô só funcionou de maneira precária pois foi instituído um esquema de colocar pessoas não-habilitadas, que há muitos anos atrás foram operadores de trem, para manejar as composições da linha 1 e da linha 2 - colocando em risco os usuários, inclusive.

CC: Quais são suas percepções sobre a "criminalização" do movimento que tem sido feita pela mídia e pelo governo?

PP: Sistematicamente, desde o movimento que fizemos em abril, o governo Serra tem feito uma campanha intensa contra qualquer possibilidade de greve dos metroviários, com o objetivo claro de acabar com qualquer direito de greve. Inclusive, isso que criaram agora, que é colocar operadores desabilitados para controlar os trens, é uma forma de inviabilizar greves em serviços essenciais. Na verdade, isso é muito parecido com o que o governo federal está propondo; há essa hipótese de que, no meio da greve, o ideal é contratar funcionários temporários para reestabelecer os serviços. O que aconteceu agora não foi exatamente isso, mas dividir funções de funcionários que não eram mais condutores serviu como tal.

CC: O governador José Serra declarou que haverá demissões no Metrô. Que tipo de retaliações o sindicato espera?

PP: Embora tenhamos cumprido a decisão do tribunal de retorno imediato - e quando isso acontece, não se pode demitir grevistas -, é de se esperar retaliações e demissões, conhecemos o governo Serra. Trabalhamos sempre com a hipótese de demissões de funcionários ligados à direção da categoria. Inclusive temos informações de demissões que poderão acontecer durante a semana.

Trata-se de um governo extremamente autoritário quanto ao fim do direito de greve, e uma retaliação seria simbólica para os projetos que tem.

(N. do Ed. No dia 06/08, o governo estadual de São Paulo anunciou a demissão de 61 funcionários do Metrô).

CC: Há declarações do governador de que, assim como a paralisação de abril, esta nova greve teve um caráter apenas político. Qual a sua opinião sobre isso?

PP: É claro que toda greve possui um conteúdo político à medida que reivindica direitos; no nosso caso, além de brigarmos por nossos direitos, procuramos denunciar à população o sucateamento do transporte na capital paulista.

O que acontece na realidade é que o próprio Serra está adotando uma posição essencialmente política, para acabar com nosso direito de greve.

Hoje é muito importante que os movimentos sindicais, independentemente das Centrais, se unam em torno do combate a essas políticas, que constituem um ataque muito grave aos nossos direitos e à liberdade de expressão.

CC: Qual é o reflexo da crise de infra-estrutura que o Brasil vivencia em relação ao transporte metropolitano? Qual a posição do sindicato dos metroviários em relação a isso?

PP: Ultimamente, todo o debate sobre a crise nos sistemas de transporte do país se concentra no setor aéreo. No entanto, a imensa maioria da população também sofre uma crise nos transportes coletivos, não só o urbano como também o intermunicipal.

O sindicato dos metroviários possui um entendimento de que é necessário investimentos para a ampliação da malha metroviária, que consideramos como a grande solução para os problemas do transporte metropolitano em São Paulo. No entanto, isso é um papel que deveria ser cumprido pelo Estado. Com a ampliação da malha metroviária se cria uma economia monstruosa na cidade de São Paulo pois, além da questão do transporte individual, resulta na diminuição da poluição, gasta-se menos combustível, etc.

Mesmo dentro da ótica do governo, acaba-se criando uma movimentação na economia. O próprio Metrô e a Secretaria de Transportes possuem dados muito interessantes dizendo que privilegiando não apenas o balanço econômico mas também o balanço social do sistema de transporte, cria-se condições de atender perfeitamente a população; quando levam o Metrô para uma região de São Paulo, tudo por lá começa a ser ativado - não é por acaso que constroem shopping centers ao lado de estações.

Um de nossos principais projetos é fazer com que o governo, tanto o estadual como o federal, amplie suas aplicações em transportes, para ampliar a malha e reduzir a tarifa que, hoje, é muito alta para os padrões brasileiros.

O governo alega que não tem dinheiro para investir, mas na linha 4 está cobrindo 85% dos gastos da obra para repassa-la à iniciativa privada, que irá operar o trecho por 30 anos com tarifas mínimas garantidas que irão integralmente para seus cofre. Percebe-se aí a falácia.

 

 

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