Correio da Cidadania

Ressuscitação de morto e criação de nascituro monstrengo

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A proposta orçamentária para o exercício financeiro de 2008 prevê como fonte de receita tributária a CPMF. Presente à comissão especial que cuida do exame da proposta de emenda constitucional de prorrogação da CPMF, o ministro da Fazenda afirmou que se não for aprovada a continuidade da CPMF, vários programas sociais, nas áreas estratégicas da saúde, assistência social e previdência, ficariam prejudicados pela perda de recursos, cuja arrecadação estava prevista como receita para suportar gastos considerados essenciais, para atender ao interesse da comunidade.

 

A questão básica é a de que a Constituição vigente prevê explicitamente a extinção da CPMF para o dia 31 de dezembro deste ano. Morte marcada, com rito e publicação solenes, posto que anunciada no texto jurídico maior, a Constituição do país.

 

Como até o gramado da Esplanada dos Ministérios em Brasília sabe, é verdade que nestes tempos de secura não anda tão verdejante e viçoso, mas queimado e seco. Amarelado. Mas como ia dizendo, até o sofrido gramado sabe que os tributos, neste país, estão presididos pelo princípio da legalidade. Só se pode cobrar tributo previsto em lei. A lei maior, fonte de todas as leis, condena à morte a CPMF no dia 31 de dezembro de 2007. Óbvio que morto esse tributo, não pode servir de base para previsão de receita tributária, no exercício de 2008, por sua inexistência. Mas a criatividade da tecnocracia é inesgotável. Dispõe o art. 100 da Lei nº 11.514, de 14/08/07, denominada de Lei de Diretrizes Orçamentárias que “na estimativa das receitas do Projeto de Lei Orçamentária de 2008 e da respectiva lei poderão ser considerados os efeitos de propostas de alterações da legislação tributária e das contribuições, inclusive quando se tratar de desvinculação de receitas, que sejam objeto de proposta de emenda constitucional ou de medida provisória que esteja em tramitação no Congresso Nacional”.

 

Conseguiu-se gerar um prodígio no processo legislativo pátrio. Ressuscita-se um morto, a CPMF, transforma-a em nascituro para proteção de seus direitos, e se lhe dá eficácia para justificar gastos de salvação nacional na esfera da saúde, da assistência e da previdência social. É pura magia. O orçamento nacional agasalhará em 2008 fonte de recursos inexistente – a CPMF –, de potencial duvidoso, posto que necessita de aprovação, em dupla votação em cada casa do Congresso Nacional e com quorum qualificado. O Executivo federal considera que tudo vai  bem, no melhor dos mundos, sob a proteção de panacéia legislativa.

 

Atribuiu-se a um estadista europeu, o general De Gaulle, em visita ao país, a afirmativa de que “o Brasil não é um país sério”. Frase ofensiva e injusta. Mas a verdade é a de que os nossos dirigentes atuais estão a fazer força, e que força, para dar-lhe eficácia. E fazem-na constar, qual zelosos burocratas, na nossa estória legislativa, com registros em Diário Oficial. Só falta a outorga de diploma de leguleio fornecido pelo Congresso, que aliás já foi impresso pelo Diário Oficial, aos que bolaram essa milagrosa solução. Magia negra legislativa.

 

 

Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB – e ex-secretário da Receita Federal.

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