Correio da Cidadania

O crescimento do PIB: A conspiração triunfalista

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Praticamente todos os jornais e telejornais exaltaram o crescimento acelerado do PIB no segundo trimestre deste ano: nada menos do que 5,4% em comparação com o mesmo trimestre do ano passado. “O melhor resultado em não sei quantos anos", proclamavam as manchetes. “A maior a taxa de investimento desde não sei quando”. “Indústria se destaca com expansão de 6,8%”, “Consumo avança 5,9%”. E assim por diante.

Houve pequenas restrições aqui e ali dos comentaristas de sempre, inconformados com o que parece ser a consagração da política econômica do governo. Mas nem eles deixaram transparecer que se tratava de uma fraude estatística. Um caso clássico em que você usa verdades para dizer uma mentira.

A verdade é que o PIB de fato está 5,4% acima do que estava há doze meses. Também é verdade que continua se expandindo. Mas é mentira que esteja havendo crescimento acelerado. O crescimento está, isso sim, perdendo fôlego. Está se desacelerando: de 2,8% de expansão no terceiro trimestre do ano passado em relação ao trimestre anterior, caiu para 1% no trimestre seguinte, para 0,9% no primeiro trimestre deste ano e para apenas 0,8 % agora.

Nesse ritmo, pode ser que já tenha parado de crescer em julho-agosto. O mais provável , mantida a curva dos últimos 12 meses, é que cresça apenas 0,7% no trimestre julho–setembro. Ao ritmo de 0,8%, dá menos que 3,5% no ano como um todo. E ao ritmo de 0,7% dá menos que 3%. Um crescimento anêmico, no cenário fortemente expansivo de hoje em todo o mundo.

Apenas dois jornais dos muitos que consultei registraram esses números. O Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro, especializado em economia deu a série estatística que mostra a perda de fôlego do crescimento do PIB trimestral a partir do ultimo trimestre do ano passado. Mesmo assim, adotou o tratamento triunfalista do resto da mídia invertendo, portanto, o sentido dos números que próprio jornal estampava com destaque.

Já o Estadão comentou explicitamente a perda de fôlego em seu editorial principal intitulado “Boas e Más Notícias do PIB”. Disse o jornal: “Entre abril e junho, a produção foi apenas 0,8% maior que no trimestre imediatamente anterior. Nessa comparação, os números são decrescentes: 2,8% no terceiro trimestre de 2006, 1% no quarto e 0,9% no primeiro deste ano”. Diz ainda o editorial: “A economia tem se mantido em expansão, ma parece perder impulso gradualmente”. Curiosamente, o noticiário do jornal não incorporou o discernimento critico do seu editorialista. Foi tão triunfalista quanto o do resto da mídia.

Agora, a pergunta que eu faço é a seguinte; então todos esses fazedores de primeira página e comentaristas de plantão, não perceberam a perda de fôlego do PIB? Só o editorialista do Estadão é que percebeu? Não viram que o press- release do Banco Central tentou tapear todo mundo usando o velho truque estatístico de escolher uma base de comparação conveniente? Uma base de 12 meses antes, quando a medida de PIB trimestral foi inventada justamente para ser um flagrante do crescimento, para ser comparada com o trimestre imediatamente anterior e não com o de um ano atrás.

Conspiração ou mera bobeira dos jornalistas, não importa. O que importa é que esse tratamento favoreceu a decisão do Copom de reduzir o ritmo de corte da taxa de juros. Como queriam os banqueiros.

 

Artigo originalmente publicado em www.cartamaior.com.br

 

 

Bernardo Kucinski é jornalista.

 

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