Correio da Cidadania

Costa Rica: entre o avanço e o retrocesso

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Domingo, dia 7 de outubro, o povo da Costa Rica vai decidir pelo Sim ou pelo Não em um plebiscito pela aprovação do Tratado de Livre Comércio com os EUA. Nicarágua, Honduras, El Salvador, República Dominicana, na América Central, além de países da América do Sul, como Equador, Chile, Colômbia e Uruguai, estiveram ou têm estado todos eles na mira desse novo modelo de “relacionamento comercial” com os Estados Unidos da América. Em muitos desses países, os acordos já estão em andamento.

 

Em face das dificuldades de se estabelecerem as bases finais de um acordo com as proporções e dimensões da ALCA, a Área de Livre Comércio das Américas - não somente em função dos imensos óbices relativos à diminuição de subsídios e às menores tarifas de importação de produtos agrícolas por parte da nação imperial, mas também em virtude da combatividade e restrições impostas por vários dos países latino-americanos contra o acordo -, foram sorrateira e paulatinamente sendo introduzidas novas modalidades de interação. Mediante as promessas de liberação à importação de vários produtos locais e, portanto, da aceleração do desenvolvimento interno dos países latino-americanos, uma vez atrelados aos TLCs, Tratados de Livre Comércio com os EUA, tentou-se seduzir boa parte dos governantes do continente.

 

A realidade dos TLCs

 

Sabe-se bem do quão lesivo são os tais acordos para a autonomia dos países e para a soberania dos povos que por eles optam. O preço a pagar por eventuais  “benesses a serem oferecidas” está sempre intrinsecamente associado à apropriação dos territórios das nações emergentes para projetos que  implicam em uma intrincada lógica de associação entre capitais privados nacionais e internacionais, cujo objetivo maior é o lucro de grandes corporações. Estão aí, nesse exato momento, e com essa premissa, as negociações em torno aos biocombustíveis.

 

Em uma entrevista à rede Adital de notícias sobre a América Latina e Caribe (http://www.adital.com.br), o professor da Universidade da Costa Rica e analista Aramis K. Vidaurreresume bem os efeitos sociais regressivos que podem resultar desses tratados, a partir de seus próprios enfoques. O foco excessivo na vertente econômica como o ponto de partida para o desenvolvimento social leva a que se descuide dos aspectos sociais dos tratados: “se o país já experimentava linhas importantes de pobreza, os tratados vieram aumentar as brechas. E alguns países ficam amarrados juridicamente quando sua carta magna coloca os tratados acima de suas próprias leis”.

 

Apesar de não ter ocorrido governos ditatoriais na Costa Rica desde 1950, Vidaurre adverte ainda para a forma de concepção dos tratados na América Central como “tábua de salvação”, na transição dos regimes militares para a Democracia. “O poder militar se aliou com o poder econômico para sustentar seus interesses, pelo que os setores sociais vulneráveis seguiram sendo vulneráveis e a riqueza gerada se distribuiu nos grupos que já eram ricos”.

 

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, os bispos eméritos de Costa Rica Monsenhor Ignacio Trejos, Monsenhor Antonio Troyo e Monsenhor Héctor Morera advertiram para que a  estratégia mercantil do TLC reproduz e aumenta as raízes da pobreza, já que, em nome do chamado livre comércio, o TLC ata as mãos do Estado Social de Direito, impedindo-o de estabelecer políticas preferenciais para os pobres. Perde-se ademais a autonomia do país para optar por seu próprio caminho de desenvolvimento, porque o TLC o atrela aos mecanismos globalizados, restringindo a soberania e independência da nação. Por fim, com a prevalência da lógica mercantil e dos subsídios milionários em moeda forte aos agricultores do sócio maior, as grandes beneficiárias são as corporações transnacionais, em detrimento das empresas produtivas nacionais, especialmente as pequenas e médias.

 

A rede internacional de Intelectuais e Artistas em Defesa da Humanidade do México fez também veemente análise às vésperas desse referendo. Frisando falarem “com conhecimento de causa, depois de haver sofrido o México na própria carne, durante 13 anos, as funestas conseqüências do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, o qual, entre outros terríveis flagelos, fez crescer o desemprego e levou à emigração de milhões de compatriotas”, declararam a sua enfática defesa pelo não ao tratado da Costa Rica com os EUA. Tratado este que, se chegar a se consumar, poderá levar o país que erigiu um dos mais avançados sistemas de bem estar na América Latina à ruína de suas pequenas e médias empresas, da agricultura nacional e da soberania alimentar; à privatização das eficientes empresas públicas com seus sistemas de seguridade social; à perda de milhões de empregos e à desproteção total das camadas mais desfavorecidas da população, como os povos indígenas.

Subscreveram ainda, de outros países, esse manifesto nomes como Adolfo Pérez Esquivel, da Argentina; James Cockcroft, dos Estados Unidos; Manuel Cabieses, do Chile, Silvio Rodríguez, de Cuba; Víctor Ego Ducrot, da Argentina; Amaury Pérez Vidal, de Cuba; Roberto Fernández Retamar, de Cuba; Alfredo Guevara, de Cuba; Lisandro Otero, de Cuba; Alicia Alonso, de Cuba; Angel Guerra, de Cuba; Carlos Mejía Godoy, da Nicarágua; Vicente Feliú, de Cuba, Néstor Kohan, da Argentina; Stella Calloni, da Argentina; Winston Orrillo, do Peru; Gustavo Espinosa M., do Peru; Arturo Corcuera, do Peru; Salim Lamrani, da Francia; e Federico García, do Peru.

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Uma mobilização inédita e os desafios futuros

 

A Costa Rica vem se destacando nesse contexto como um dos países no qual a pressão da sociedade civil impediu até o momento a consecução de um acordo como o TLC, o qual já foi ratificado na Guatemala, El Salvador, Honduras e República Dominicana.

 

Segundo publicado em La Jornada - www.jornada.unam.mx , os opositores do Tratado de Livre Comércio para a América Central entre Costa Rica e Estados Unidos encerraram, no domingo dia 30 de outubro, sua campanha prévia para o referendo do dia 7 de outubro com uma das maiores concentrações da história do país. Em um país de apenas quatro milhões de habitantes, cerca de 150 mil pessoas caminharam pelo Paseo Colón, a mais longa avenida da capital, para dizerem “não” a um acordo firmado em janeiro de 2004.  Em função da grande polarização provocada pelo tratado no país, o Tribunal Supremo de Eleições, o TSE, convocou no mês de maio um referendo para evitar que uma confrontação social que permanece latente se aprofundasse de modo incontrolável.

 

Para o professor Aramis K. Vidaurre, que falou à Adital, “como experiência ‘inédita’ de participação cidadã, a  realização do referendo é um triunfo que transcende um ‘Sim’ ou um ‘Não’. Mas é claro que, se triunfar o ‘Não’, os distintos grupos civis que o formam teriam um peso maior de oposição social e política”. Como ponto positivo, o professor destaca ainda que as mobilizações dos últimos meses impulsionaram  figuras que não têm estado ligadas à classe política ou ao partido político.

É preciso, contudo, atentar-se, em sua opinião, para o fato de que o ‘Não’, sendo vitorioso, não deve criar ilusões, já que pressupõe uma grande diversidade de grupos que até agora têm se unido em torno de um tema, e não de uma agenda. Passado, portanto, um louvável triunfo, a grande realidade a se enfrentar seria a visão de desenvolvimento que estaria por trás desses grupos, aferindo-se o que significou o ‘Não’ ao TLC. Não necessariamente esse ‘Não’ vá sintetizar, de forma absoluta, a negação da abertura comercial como modelo de desenvolvimento.

 

Os desafios imediatos

 

Se os desafios a médio e longo prazo não serão fáceis de serem enfrentados, vez que exigirão boa dose de análise e possibilidade de conciliação – sempre em meio a pressões -, as dificuldades imediatas parecem também preocupantes.

 

Segundo Guilherme Reichwald Jr., brasileiro residente na Costa Rica, cooperante Sul -Sul via convênio entre instituições luteranas e que estará presente no referendo de domingo como observador internacional, em correspondência direta com o Correio, são muitas as possibilidades de fraude a favor do "Sim" pelo TLC.

 

“Isso é possível uma vez que regras eleitorais foram modificadas para este plebiscito. A título de exemplo: somente uma pessoa irá trabalhar em cada mesa de votação e a lei seca não foi decretada. Normalmente, nas eleições ordinárias, trabalham de três a quatro pessoas por mesa, com funções distintas, e a lei seca sempre foi vigente e respeitada”, afirma Guilherme.

 

Resta torcer para que o forte clamor popular que se fez presente nos dias que antecederam o pleito possa exercer uma função civilizadora, e inibidora, portanto, das contracorrentes escusas, nessa data tão essencial para a América Latina.

 

 

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

 

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