Correio da Cidadania

Impugnação geral das eleições é a única solução aceitável

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O que parecia evidente, mas carecia de provas, se materializou. A Folha de S. Paulo da quinta-feira, 18 de outubro, amanheceu com a manchete mais bombástica do processo eleitoral de 2018: “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp” era o título da matéria da jornalista Patrícia Campos Mello.

Entre outros detalhes, o texto afirma que “as empresas apoiando o candidato Jair Bolsonaro (PSL) compram um serviço chamado ‘disparo em massa’, usando a base de usuários do próprio candidato ou bases vendidas por agências de estratégia digital. Isso também é ilegal, pois a legislação eleitoral proíbe compra de base de terceiros, só permitindo o uso das listas de apoiadores do próprio candidato (números cedidos de forma voluntária).

Quando usam bases de terceiros, essas agências oferecem segmentação por região geográfica e, às vezes, por renda. Enviam ao cliente relatórios de entrega contendo data, hora e conteúdo disparado. Entre as agências prestando esse tipo de serviços estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market. Os preços variam de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência. As bases de usuários muitas vezes são fornecidas ilegalmente por empresas de cobrança ou por funcionários de empresas telefônicas”.

Nesta sexta, 19, matéria de Silvia Amorim no jornal o Globo, conglomerado que hesita em dar espaço para ataques ou notícias desfavoráveis à chapa militar, publica matéria complementar, na qual afirma que o mesmo serviço sujo foi oferecido ao PSDB

Agora, sabemos por que o deputado que viceja há 28 anos na vida parlamentar e nas poucas vezes em que se prestou a apresentar algum projeto visava criar benefícios a militares ou liberação de porte de armas para congressistas, um ano antes da eleição e quando já se tornara uma celebridade de uma política esvaziada de ideias e projetos, se interessou em legislar a favor da liberalidade nas redes e também no acesso de dados de usuários. O mesmo Whatsapp era o centro dos “inusitados” projetos.

Meses antes, um dos filhos do presidenciável neofascista já publicara foto de encontro com Steve Bannon, um dos mestres do Big Data mundial e peça-chave na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, na qual métodos até então desconhecidos de análises de dados e distribuição de notícias falsas ou escandalizantes foram a chave para a conquista de milhões de votos do candidato do Partido Republicano.

A conversa de Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon, de que não tem dinheiro no meio, só “dicas de análise de dados e coisas assim”, não merecem sequer ser levadas em conta. Como dizem os próprios, não existe almoço grátis.

Um dia antes da manchete da Folha, o Facebook (dono deste aplicativo de celular que parece decidir as eleições) veio a público com um comunicado no qual pedia desculpas a 30 milhões de usuários brasileiros que tiveram seus dados usurpados e afirmava ter desenvolvido ferramentas de segurança para melhor proteção de seus dados. Em 25 de setembro, algo estranho já tinha ocorrido, quando os usuários brasileiros foram obrigados a se reconectar, pois a falha de segurança que vazara os dados fora descoberta.

Ademais, a empresa do ramo Cambridge Analytica, partícipe fundamental da campanha de Trump, já avisara que “viria ao Brasil.

Esta matéria de João Paulo Charleaux, no Nexo Jornal, traz informações a respeito das articulações, ainda que não muito consolidadas, de uma nova geração de extrema-direita, em alta em diversos países.

Como se vê, em tempos de profunda crise econômica do capitalismo, já 10 anos depois da falência do Lehmann Brothers e quebra de diversos gigantes do sistema financeiro, não faltam atores a capitalizar o ressentimento social e certo empobrecimento material em setores médios das sociedades economicamente mais fortes.

Se a articulação global desta extrema-direita ainda não está perfeitamente organizada, ao menos oferece indícios de que segue um mesmo instinto político e ideológico. O poder e liderança das políticas econômicas, evidentemente, são o objetivo, por mais que se digam “dissidentes” de um sistema contra o qual nunca se contrapuseram em “tempos de paz”.

Voltando ao Brasil

Advogados entrevistados por alguns veículos de mídia já disseram haver indícios de crime eleitoral e que há margem de impugnação da candidatura.

Por enquanto, a posição mais contundente é a do PDT, de Ciro Gomes, que informou à imprensa que prepara ação pela anulação completa das eleições, inclusive legislativas.

Por sua vez, Haddad fez duros ataque a Bolsonaro (que parece definitivamente fora de qualquer debate na televisão) e afirmou que o capitão da reserva chefia  organização criminosa e se vale através das chamadas fake news, o termo mais repetido por seus fanáticos e acríticos seguidores, a respeito de tudo que não lhes seja agradável.

Na mesma linha do pesquisador Pablo Ortellado em artigo publicado no NY Times ao lado de outros acadêmicos, o PSOL pediu a suspensão do aplicativo até a data da eleição. Mas voltou atrás e pediu ações mais enérgicas do TSE a respeito das mentiras descontroladas que permeiam a internet. Além de controversa, a primeira medida teria efeito apenas pontual e os únicos beneficiários possíveis seriam o PT e seu candidato.

Em duro Editorial, a Folha endossou a matéria de Patrícia Campos Mello (que sofre uma onda de ataques estimulada por Bolsonaro) e pede regulação das autoridades a este novo meio de trapaça. Curioso lembrar de sua cólera (e de toda a mídia empresarial) ao ouvir falar em regulação social da mídia e quebra de monopólios vedados pela desmoralizada Constituição Federal, ideia que sempre chamou de censura, sem concessões a nenhum outro ponto de vista divergente, inclusive de inúmeros estudiosos da comunicação. Agora, ironias da vida, pede intervenção estatal em um meio de comunicação de novo tipo, que não deixa de ser um concorrente contra o qual não tem forças para atuar.

A eleição da negação

Acima de tudo, o que ficará desta campanha eleitoral é a estratégia, em alguns casos quase única, de apenas demonizar rivais, partidos e correntes políticas. Afirmações das próprias virtudes e propostas passam batidas de forma até assustadora.

Oportunista e fanfarrão, João Doria é outro grande símbolo deste momento político. Ataca o PT e chama de petista tudo e todos de forma psicótica, depois de um patético mandato na prefeitura de São Paulo. Não à toa, o candidato do PSB ao governo do estado, Márcio França, o massacra na preferência eleitoral na capital paulista.

Independentemente da decisão do TSE sobre eventual cassação da chapa, a eleição não dá sinais de que sofrerá interferência mesmo diante de tamanho escândalo. Como definiu a jornalista Eliane Brum, no El País, o Brasil rapidamente superou o conceito recente da “pós-verdade” e o trocou pela “autoverdade”.

“Algo que pode ser entendido como a valorização de uma verdade pessoal e autoproclamada, uma verdade do indivíduo, uma verdade determinada pelo ‘dizer tudo’ da internet. E que é expressa nas redes sociais pela palavra ‘lacrou’. O valor da autoverdade está muito menos no que é dito e muito mais no fato de dizer. ‘Dizer tudo’ é o único fato que importa. Ou, pelo menos, é o fato que mais importa”, explicou.

É este o fenômeno social a ser estudado por aqueles que ainda pretendam salvar a política da lei do mais forte e da insanidade absoluta. Desencantadas, as pessoas acreditam no que lhes dá na telha. O que tem a ver com a falta de discernimento crítico que a educação brasileira oferece, como observado nesta breve provocação, apesar das ladainhas de “doutrinação” de uma casta política e religiosa que quer se apoderar de tudo no país e sonha alto como nunca.

Pois, mesmo com todo o poder econômico de grandes empresários, interessados na liquidação geral do patrimônio nacional e rebaixamento total do valor do trabalho e que claramente financiam Bolsonaro, só uma população muito carente do ponto de vista intelectual se presta a eleger um ser humano desprovido de quaisquer valores socialmente aceitáveis. E, se as instituições republicanas fossem realmente comprometidas com a democracia, tal figura já estaria cassada e excluída da vida pública há anos.

Mas como mostra o TJ-SP, que reverteu a condenação do torturador que faz a cabeça de Bolsonaro em favor da família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado após tortura de Carlos Alberto Brilhante Ustra, a canalhice total dos donos do poder e seus cortesões encontrou campo e não parece muito disposta a recuar.

Por enquanto, é o próprio Whatsapp o primeiro a agir de forma enérgica: baniu o número de Flávio Bolsonaro de sua rede. O novo senador reclamou de uma maneira que parece até confissão: “A perseguição não tem limites! Meu WhatsApp, com milhares de grupos, foi banido DO NADA, sem nenhuma explicação!”. Alguém consegue participar de “milhares de grupos”? Provavelmente, aliás, este netinho da ditadura não colocou em público seu número pessoal, e sim um operado pela “máquina”.

Além disso, a empresa notificou de forma extrajudicial quatro empresas por espalharem conteúdo falso. Vale lembrar também que há pouco tempo o Facebook excluiu diversas páginas e perfis falsos, após apurar que agiam em rede na disseminação de notícias falsas, em especial a serviço do MBL, outro movimento de extrema-direita anabolizado por dinheiro externo e que conseguiu eleger alguns de seus membros. Estes, não se furtam de agir como milícia em diversas ocasiões e eventos públicos.

Restará o enfrentamento a um eventual governo que flerta com o retorno da ditadura militar e seu tratamento desumano em relação à vasta maioria da população. Novamente citando Doria: “a polícia vai atirar pra matar a partir de janeiro”. É tão doentio que o próprio comandante da Polícia Militar de São Paulo se contrapôs rapidamente ao não-político do Jardim Europa.

Bolsonaro pode levar dia 28, mas após a revelação de seus vínculos com os donos da riqueza, já começaria seu governo cercado por todos os lados, refém de todas as conhecidas chantagens e apenas carimbador de interesses das grandes bancadas. Como já avisou Renan Calheiros, deve durar seis meses. Sua farsa será curta na mesma medida em que for enfrentado sem a mediação de interesses políticos mesquinhos.

Breve história do PSL

Fundado em 1994 e legalizado eleitoralmente a partir de 1998, o Partido Social Liberal é mais um daqueles nanicos à espera de uma brecha histórica. Enquanto ela não vinha, o partido que chegou a apresentar Luciano Bivar (hoje presidente de honra da legenda) à presidência da República em 2006 se contentou em ser satélite dos partidos dominantes, na velha lógica fisiológica que nos levou a este impasse histórico.

No Congresso, elegeu um deputado federal em 1998; um em 2002; nenhum em 2006; um em 2010; mais um em 2014. Desta vez, elegeu 52 deputados e quatro senadores. Haja esforço mental para acreditar que não há dinheiro a rodo nesta avalanche eleitoral de um partido que nunca teve relevância alguma na política, menos ainda nas lutas sociais ou setoriais da população.

Bivar, por sua vez, é o dono do partido, no qual seus filhos são dirigentes. Atuante na política pernambucana, fez fortuna no ramo imobiliário e de seguros. “Vendeu” o partido para a candidatura de Bolsonaro, o que inclusive causou uma debandada do grupo Livres, a juventude da legenda. Um nome a ser lembrado quando vemos aqueles arranha-céus que roubaram o sol das praias do Recife.

É certo que faz parte da história das classes proprietárias descartar suas legendas quando apodrecem e se desmoralizam e trocá-las por qualquer outra que esteja pronta pra aninhar os mesmos figurões de sempre, com todas as fontes de financiamento possíveis, inclusive riquezas pessoais obtidas por meio da velha política, seus clientelismos e privilégios de classe.

Ainda assim, será necessária uma rigorosa auditoria nas contas eleitorais deste partido que da noite para o dia suplantou MDB e PSDB na política federal. Neste caso, será muito difícil não se escancarem os velhos vícios e práticas ilegais. Ao que parece, só o PDT adotou uma posição à altura dos problemas que temos diante dos olhos.

Para uma democracia tão desmoralizada, não parece mau negócio uma repetição de todo o processo eleitoral e exclusão de todos aqueles que tiveram fontes ilegais de financiamento e autopromoção. Mas o mais provável é que tentem levar a farsa até o abismo final e se rendam ao poder ilegítimo de novos parasitas da vida pública. Tudo em nome de Deus e da família, contra a corrupção.  


Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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